Foi uma entrevista histórica: Cacá Diegues, de impecáveis credenciais esquerdistas, expoente do Centro Popular de Cultura da UNE, um dos diretores do clássico Cinco Vezes Favela, obra pioneira do Cinema Novo, disse ao Jornal do Brasil que vinha sendo vítima de patrulhas ideológicas, de gente que queria obrigá-lo a fazer exclusivamente filmes políticos (e da linha que adotavam). Faz 33 anos – e não adiantou: ainda hoje, os patrulheiros políticos, agora aliados ao racismo, tentam comandar o pensamento dos outros e a perseguir quem não concorda com suas ideias. Já atacaram William Waack, Boris Casoy, Soninha, Pedro Bial, Carlos Nascimento, sob os pretextos mais ridículos (chegaram a jurar que viram Boris Casoy, com 1m90 de altura, mais de cem quilos, com sequelas de poliomielite, de pé sobre uma moto, vestido com roupa de couro, numa manifestação anticomunista).
Agora tenta-se atingir Diogo Mainardi e Caio Blinder, sempre pelo crime de opinião. Um grupo que se imagina bem-pensante os critica por opiniões a respeito do assassínio de um cientista nuclear iraniano, manifestadas no programa Manhattan Connection, da Globonews, canal a cabo da Rede Globo (ver aqui). Fizeram o habitual – um abaixo-assinado, para diluir responsabilidades – e o enviaram aos donos da emissora, para que tomem providências.
E deixaram entrever seu racismo: criticam Mainardi sem referência à sua ascendência italiana ou à sua religião, mas Blinder, judeu, é chamado de “agente do Mossad” no abaixo-assinado. Há, no grupo, pessoas fortemente identificadas com o antissemitismo (como o autor de um artigo que acusa Israel de ter desenvolvido uma bomba étnica, que mataria árabes e pouparia judeus – ver aqui).
A bomba étnica, que pede passaporte ou RG ao explodir, ou o vírus étnico, com capacidade para sequenciar e identificar o DNA do alvo, já seriam suficientes para mostrar até onde é capaz de chegar a radicalização. Mas é preciso completar: este colunista conhece Caio Blinder há mais de 30 anos e é seu amigo. Pode afirmar: agente do Mossad é a mãe.
Erros deles, erros nossos
No caso da desocupação da gleba do Pinheirinho, em São José dos Campos, SP, houve uma cascata de erros: dos poderes públicos, que assistiram à ocupação sem nada fazer, que nada fizeram quando começou a batalha judicial, que não se mexeram para buscar uma solução menos traumática e que, quando finalmente os moradores foram desalojados, ainda não conseguiram sequer reunir-se para discutir o que fazer com tantas pessoas sem casa; dos invasores, que aceitaram a liderança radical de alguém que não tinha interesse em resolver o problema, mas em agravá-lo, e rejeitaram qualquer tipo de acordo (como descreveu, com grande precisão, o jornalista Elio Gaspari); de jornalistas engajados e/ou desinformados, que noticiaram mortes que não ocorreram; de oposicionistas que, longe de buscar uma solução para os desabrigados, preferiram criar um massacre que não existiu.
E houve, extremamente sérios, os erros dos meios de comunicação.
1. Não conseguiram explicar a quem pertencia o terreno. Se era de uma massa falida, não era de Nagi Nahas; se era de Nagi Nahas, não era de nenhuma massa falida. A propósito, parece que em determinado momento a gleba pertenceu a Nagi. Como se transformou em dono? Quais os proprietários anteriores?
2. Não mostraram as tentativas de acordo (que só Gaspari mostrou mais tarde). Não mostraram as alternativas possíveis a uma decisão judicial.
3. Não conseguiram acompanhar (nem sequer explicar) os conflitos de jurisdição entre a Justiça Federal e a estadual. O que passou, em primeiro lugar, foi a ideia de que a PM estava desobedecendo a uma determinação federal que teria anulado a estadual. Não era isso.
4. Não mostraram o líder dos ocupantes – Valdir Martins de Souza, do PSTU, diretor do Sindicato dos Metalúrgicos. Que é que ele pensava, quais as alternativas que propunha?
5. E quem mostrou algo mostrou errado. Uma agência pública de notícias, paga com o dinheiro dos nossos impostos, não pode, de maneira nenhuma, noticiar mortes que não houve, ainda mais se o objetivo era apenas partidário.
Foi ruim; poderia ter sido ainda pior. E só não foi pior por sorte: autoridades, ocupantes e imprensa não ajudaram em nada.
Desabamento sem aviso
Num primeiro momento, foi constrangedor: prédios desabam no centro da cidade que internacionalmente representa o Brasil, e as emissoras de TV, presas à programação normal, não conseguiram sequer acertar o número de prédios em questão. Imagens, só do Google, da CET e das câmeras de edifícios próximos. Houve momentos em que os locutores falavam na queda de um prédio e os repórteres nas ruas já falavam em dois ou três; e não havia quem os harmonizasse. As emissoras de TV demoraram para reagir aos fatos. Traduzindo, equipes e equipamentos devem estar no limite de uso, sem capacidade ociosa para enfrentar imprevistos.
As coisas depois se normalizaram. Mas cobertura boa só mesmo no dia seguinte, quando tudo já estava na pauta.
Um belo desafio
O Jornal da Band divulgou acusações do irmão de Celso Daniel, prefeito petista de Santo André assassinado há dez anos, contra o ministro-chefe da Casa Civil da presidente Dilma Rousseff, Gilberto Carvalho. Segundo o Jornal da Band, “todos os personagens citados nesta reportagem foram ouvidos pela Band, mas não responderam aos pedidos de entrevista”. A assessoria do ministro protestou, alegando ele não tinha sido procurado. E protestou ainda contra um post do blog de Augusto Nunes, que “também não procurou o ministro antes de analisar e tirar conclusões equivocadas sobre um silêncio que só existiu por conta do erro do Jornal da Band”.
Augusto Nunes topou o desafio: encaminhou a Sérgio Alli, da assessoria de Comunicação do Gabinete Civil, uma proposta de entrevista com Gilberto Carvalho, nos seguintes termos: “Ele poderá escolher a data, o horário e o local da entrevista, que terá a duração mínima de 30 minutos. O tempo máximo será fixado pelo entrevistado. Comprometo-me a divulgar a íntegra da gravação, sem cortes, sem nenhum tipo de edição, sem textos introdutórios e sem comentários adicionais. O vídeo se limitará a registrar perguntas e respostas. Espero que o ministro não se negue a contribuir para esclarecer um episódio que continua a intrigar milhões de brasileiros”. Se Carvalho aceitar o desafio, será um belo debate.
Triângulo das Bermudas
É um título promissor: um item que este colunista pretende tornar permanente, para acompanhar os assuntos que desaparecem na imprensa, ou que nem sequer conseguem chegar a ela. São assuntos como o desaparecimento do remédio Lotensin, contra a hipertensão, de uso contínuo, que o laboratório Novartis retirou do mercado há meses e prometeu oficialmente, por escrito, voltar a vender a partir de 15 de dezembro do ano passado (a promessa não foi cumprida).
Ou do remédio Detrusitol, do laboratório Pfizer, cujas versões com dosagem menor foram retiradas do mercado (mantiveram-se apenas, com preços lá no alto, as versões com dosagens maiores).
Ou as perguntas que as autoridades preferem não responder – por exemplo, por que atribuir a Medalha Amigo da Rota a quatro cervejarias, sem especificar por que as empresas se transformaram em amigas da letal tropa de choque da PM paulista.
E também outros temas – como esta carta do leitor Eduardo Abramovay, sobre seu relacionamento (como o de todos os clientes, difícil) com uma empresa de telefonia celular. Pois não é que o estão chateando por 17 centavos?
“Desisti de ser cliente da TIM há mais de um ano. Um sem-número de aborrecimentos, incluindo um envio de meu nome para o cadastro negativo de consumidores inadimplentes, seguido de um pedido de desculpas.
“Mas agora se excederam. Mandaram uma cobrança de R$ 0,17 – dezessete centavos, isso mesmo, referente a juros de uma conta que não sei qual é, pois da minha não pode ser, dado que tenho comunicação deles de que estava encerrada sem qualquer débito.
“É o desmando e a inépcia levada à enésima potência. Quanto custou imprimir e postar essa conta? E por que eles acham que não precisam explicar a que se refere a cobrança? E outra, como não posso pagar num caixa automático, devo enfrentar uma fila de banco para pagar R$ 0,17. Será que na Itália os donos da TIM sabem como operam seus prepostos por aqui?”
Boa pergunta. Este colunista não mergulhou no assunto, mas está convencido de que sabem, sim. E de que o leitor tem razão. Empresa que chateia o cliente por causa de 17 centavos ou quer chateá-lo ou não tem a menor ideia de como operar com competência.
Não perca
Acaba de sair um livro que, para os apreciadores do verdadeiro futebol, não pode ser dispensado: Paixão Corinthians – a história de amor de um povo pelo seu time, contada em cem histórias cotidianas. O autor, Vitor Guedes, bom jornalista, mostra que o amor do povo pelo Corinthians é um amor à moda antiga: é para sempre, sem divórcio, sem arrefecimento. Para quem, como este colunista, sabe que a grande tristeza de Pelé é não ter jogado pelo Corinthians, que Maradona não chega aos pés de Luizinho e Rivelino, que Baltazar, o Cabecinha de Ouro, mereceu cada parafuso do Cadillac que ganhou de presente da torcida, que Neto, Zenon e Biro-Biro só não foram para times europeus porque não aceitavam rebaixar seu status, Paixão Corinthians é um livro indispensável.
Como…
De um grande jornal:
** “A aeronave continha 136 passageiros e nove tripulantes”
Talvez não esteja errado: do jeito que as empresas aéreas apertam os passageiros, por que não tratar aviões e latas de sardinha com os mesmos termos?
…é…
De outro grande jornal:
** “Já Ibson deve ter feito com que o técnico (e a diretoria) revessem com carinho o interesse no Flamengo em seu futebol”
É uma derivação do verbo “ver”, como em “se as pessoas vessem melhor”.
…mesmo?
Da internet, que nunca tarda e sempre falha:
** “Após recusar papel em Barrados no Baile, Luciano Szafir faz 43 anos”
Pois é: se ele não tivesse recusado o papel, quantos anos teria feito?
É…
Do governador fluminense Sérgio Cabral, comentando o desabamento dos prédios:
** “(O desmoronamento) podia ter tido dimensões muito mais graves se tivesse ocorrido horas antes.”
Podia ter tido dimensões muito menos graves se tivesse ocorrido no meio da madrugada. E a frase poderia ser bem melhor se o governador tivesse alguma ideia do que fazer diante da tragédia, em vez de passar uns dias escondido.
…isso…
** “Cadastro de gestantes gera discussão e saia-justa para ministro da Saúde. Palavra ‘nasciturno’ é criticada”
O ministro está sendo criticado injustamente. “Nasciturno”, com certeza, é o nascituro que nasce um pouco de manhã e um pouco de tarde.
…aí
Do texto de um grande jornal, narrando a perseguição e prisão de duas adolescentes que tinham furado um bloqueio policial no Guarujá, SP:
** “A perseguição começou quando o veículo (…) quase atropelou um PM, que estaria em um carro parado (…) O veículo seria de um aposentado (…)”
De quem é o veículo? O PM estava ou não no carro? Que é que aconteceu?
E eu com isso?
Desabamentos, patrulheiros ideológicos, gente desalojada, governantes que não dão a menor bola para isso. Pois larguemos esse tipo de notícia: de agora em diante, só aquelas coisas que as pessoas discutem de verdade.
** “Adriana Lima posa de biquíni no Caribe”
** “Bar Rafaeli exibe boa forma em ensaio sensual”
** “Ivete Sangalo rasga sandália no palco e leva pagodeiros a Salvador”
** “Grávida de sete meses, Hillary Duff chega a salão de beleza para fazer as unhas”
** “Fátima Bernardes leva os filhos e seus amigos a festival”
** “Vanessa Hudgens e namorado são fotografados aos beijos”
** “Ísis Valverde desfila na praia com o namorado”
** “Tomando cerveja, Rihanna assiste à partida de basquete e se diverte”
** “Narcisa Tamborindeguy só aparece em entrevistas sobre ‘Mulheres Ricas’ se for sozinha”
** “Di Caprio e nova namorada tiram férias”
O grande título
Há ocasiões em que os tipos de título se repetem: vêm como uma onda, todos muito parecidos. Hoje, a série forte é o “E daí?”
** “Jovem desaparecido no Rio havia ganhado apartamento da mãe”
ou
** “Após desabamento, governo adia plano de combate ao crack”
Mas são títulos que lembram um evento muito triste. Vale buscar algo mais leve, como este:
** “Ellen Roche: ‘Queria ser mais que uma mulher gostosa’”
Até poderia realizar seus sonhos. Mas iria ganhar bem menos.
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[Carlos Brickmann é jornalista e diretor da Brickmann&Associados]