As críticas contra os mais diversos reality shows não cessam nas redes sociais: imagens, vídeos, notícias, análises das mais variadas e até citações de renomados autores. Ironicamente, se pararmos para pensar bem, não podemos transferir muitas destas críticas contra os próprios atores e conexões das redes sociais? Facebook, Orkut, Twitter, YouTube, Google +, entre outros, não seriam uma espécie de grandes realitys shows onde os participantes expõem, muitas vezes demasiadamente, sua vida pessoal?
Quaisquer das reflexões sobre a situação precisam evitar caminhos únicos, pois as diversas apropriações dos meios de comunicação (inclusive das redes sociais), como defende o filósofo colombiano Jesus Martín-Barbero, criam diferenciados usos. Podemos elencar três, dentre tantos: a espetacularização da vida social, a visibilidade social e os relacionamentos digitais.
Num mundo onde as imagens atraem tanto quanto sua força de referencial da realidade e, opostamente, sua possibilidade de manipulá-las, aparecer, por vezes, importa mais do que ser e ter. Compartilhar os momentos mais importantes, apresentando, em muitos casos, mais emoções e satisfação do que o foi, exibir suas conquistas, qualidades e realizações certamente se tornou um dos mais frequentes usos dos sites de relacionamento.
O antropólogo argentino Nestor García Canclini defende que a espetacularização midiática com o objetivo de atrair a atenção, criar sensações, emocionar e conquistar audiências também se incorporou à vida social dos espectadores que a reproduzem nas suas possibilidades e maneiras, principalmente nas redes sociais.
Tecnologia gestada pela cultura escrita
Todavia, não é só o exibicionismo que motiva as postagens nas redes sociais. A necessidade de reconhecimento para projetos, informações locais, liberdade criativa e opiniões pessoais tornam a internet espaço fundamental para a participação social. Não há, nos dias de hoje, forma de exclusão mais eficaz do que a invisibilidade social, imposta, muitas vezes, pelos conglomerados midiáticos a determinados grupos, impedindo-os até de reivindicar direitos mais básicos. As facilidades de publicação das redes sociais tornam possível tentar romper com a situação.
O simples e prático compartilhamento destas mensagens encontra, na maioria das vezes, espaços que não tem na grande mídia. Até a militância política encontrou, nas redes sociais, eficientes espaços de mobilização para protestos, denúncias e reivindicações, como analisa o sociólogo espanhol Manuel Castells. Mesmo sabendo que não é a internet que cria o compromisso político, as redes sociais constituem-se instrumentos indispensáveis nas mobilizações.
No entanto, a desconfiança nas publicações online e a tentativa dos conglomerados midiáticos de transferir suas audiências, através da força de seus investimentos, propagandas e credibilidade institucional, ameaçam a criação, assim denominada por John Downing, desta esfera pública alternativa que resgataria a paridade entre os interlocutores e o debate baseado no mérito.
Para isso, dois desafios surgem. Primeiro, podemos confiar em tudo que é publicado nas redes sociais? Claro que não, pois também não devemos acreditar em tudo que a mídia tradicional publica, mas, pelo contrário, exercitar sempre a leitura crítica da mídia. Segundo, a competência cultural, cognitiva e técnica dos internautas é o principal desafio para inclusão digital. Sem a educação, que pode começar pela própria internet (não pode cessar só na rede), não iremos superar o mal-estar cultural de vivermos mediados por uma tecnologia gestada pela cultura escrita, enquanto estamos numa cultura predominantemente oral, criando, muitas vezes, precários e toscos usos da internet.
Intercâmbios necessários à coabitação
A comunicação, nestas mídias sociais, é, em muitos casos, restrita a interesses predominantemente interpessoais. Além de servir para manter relações mesmo à distância, possibilita ampliá-las a partir de novos contatos não necessariamente condicionados pela proximidade territorial, mas por preferências, opiniões e interesses. Os círculos de relacionamentos podem ser ampliados quase infinitamente. No entanto, há pelo menos dois riscos, apontados pelo sociólogo francês Dominique Wolton.
A solidão interativa é a perda do manejo para as relações presenciais por quem convive mais online do que pessoalmente. Devendo a vida ser bem mais ampla do que a tela do computador, a dificuldade de relacionamento pessoal agrava-se com a criação de novos guetos. A customização, a partir das redes sociais, não está só mais restrita ao consumo. Nos sites de relacionamento, o internauta forma seu círculo, sua lista, seu grupo, adiciona, bloqueia, exclui e convive só com quem quer, podendo seus gostos condicionar a escolha de seus “amigos” e desacostumar a conviver com os diferentes. A situação pode estimular a intolerância que é oposta ao ideal da comunicação.
Há, por isso, a necessidade, diante das redes sociais, de reconhecer, como alerta Martín-Barbero, que estamos mediados por tecnologias, temporalidades e diferenças culturais, assim como os reality shows são produtos de uma realidade reconstruída a partir da narrativa de uma edição.
Apesar da rapidez, usabilidade, eficácia e simplicidade, a internet é uma mídia que reapresenta a realidade, mesmo que por meio de várias vozes que nem sempre são plurais. Cabe-nos aprender a refletir e encontrar os usos e as leituras que promovam os intercâmbios necessários para nossa coabitação.
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[Ismar Capistrano é jornalista, mestre em Comunicação e doutorando em Comunicação pela Universidade Federal de Minas Gerais]