Sunday, 24 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

O pecado da discriminação

Autorizadas pelo Ministério Público Federal, entidades afro-brasileiras produziram em 2011 um vídeo de direito de resposta coletiva a uma reportagem da TV Record. O programa foi gravado, mas a emissora do bispo Edir Macedo recorreu da ação e conseguiu adiar a exibição. Intitulado Diálogos das Religiões e tendo quase uma hora de duração, o vídeo prega a tolerância religiosa e foi produzido pela TV PUC com a participação de representantes de entidades afro-brasileiras, católicas, budistas e muçulmanas, além de artistas e jornalistas.

Grupos católicos também têm reagido ao que chamam de “perseguição” da Igreja Universal do Reino de Deus. Um movimento articulado nas redes sociais auto-intitulado “Brasil Sem TV Record”, conclama internautas a boicotarem a programação da emissora. Mesmo que não professe religião, qualquer pessoa de bom-senso deve defender quem se sente atacado no seu direito de culto. Afinal, a própria Constituição Federal garante esse direito e a legislação em vigor considera crime o preconceito religioso.

Não há sentido na ideia marxista de que a religião seja o ópio do povo, mas há que se reconhecer que ela entorpece os seguidores toda vez que se torna um negócio ou monopoliza a divindade. Desde que o mundo é mundo, e principalmente após o advento cristão, a religião tem dividido os homens mais que a própria política. Não precisa ser historiador para reconhecer que algumas das maiores atrocidades da história foram praticadas em nome da fé e do fanatismo religioso.

Contudo, quem já leu os evangelhos sabe que Jesus não pregava propriamente uma religião, e sim, o amor a Deus e ao próximo. Consta no Novo Testamento que ele só foi ao templo duas vezes em toda sua vida: quando criança, para discutir com os doutores; e já adulto, para expulsar os vendilhões. Séculos mais tarde, as cruzadas promovidas por papas e reis católicos massacraram sarracenos e pagãos, enquanto judeus e hereges eram queimados pela Inquisição. Os islâmicos, por sua vez, responderam às incursões em seus territórios perseguindo e dizimando comunidades cristãs.

Os patamares da intolerância

Reivindicada por três religiões que adoram o mesmo Deus, Jerusalém tornou-se palco de confrontos e atentados em nome da fé. Os próprios muçulmanos se veem divididos entre xiitas e sunitas, enquanto o Judaísmo tem as linhas progressistas e ortodoxas de interpretação da Torá.

O mais intrigante, no entanto, é que no mundo antigo a intolerância religiosa não chegou aos níveis registrados depois de Cristo. Talvez por adorarem a vários deuses, os politeístas não se matavam em nome deles. Os gregos, por exemplo, mantinham um templo ao deus desconhecido, reservado aos estrangeiros. Surgido no antigo Egito, o monoteísmo conquistou os israelitas e se espalhou pelo mundo. No entanto, se o lema do Antigo Testamento é “olho por olho, dente por dente”, a lei de Jesus é a do perdão e do amor ao próximo – mesmo sendo este um romano ou samaritano.

Por sua própria condição histórica, e pelo fato de ser desde sempre um país cultural e racialmente miscigenado, o Brasil não pode retroceder aos patamares da intolerância religiosa. Discriminar este ou aquele grupo religioso é desrespeitar a lei e a própria Declaração Universal dos Direitos do Homem.

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[Jorge Fernando dos Santos é escritor e jornalista, Belo Horizonte, MG]