Poucas horas depois de o ministro da Fazenda, Antonio Palocci, ter encerrado a sua participação em uma audiência pública na Câmara Federal – audiência esta transmitida em tempo real pela TV Câmara e por outras emissoras na TV paga e na internet –, o programa Observatório da Imprensa na TV desta semana (exibido em 22/11) discutiu a cobertura da mídia sobre a crise envolvendo o comandante da economia brasileira.
O apresentador do programa, Alberto Dines, explicou bem o objetivo do debate: ‘o nome deste mês é novembro mas poderá entrar para a história como o mês Palocci. O ministro da Fazenda está nas primeiras páginas dos jornais e capas de revistas desde o início de novembro quando apareceu a história dos dólares de Cuba. Na verdade a imprensa está atrás de Palocci desde meados de agosto, foi por causa disto que o ministro convocou os jornalistas para uma inédita entrevista coletiva num domingo que deixou desconcertados os jornalistas da capital’, afirmou o jornalista na abertura do OI na TV, lembrando que a mídia tem uma ‘relação contraditória’ com Palocci. Segundo Dines, a imprensa desconcerta-se com a serenidade do ministro. ‘Parece que preferiria um ministro mais atrevido, menos didático. Para a imprensa foi fácil bombardear José Dirceu mas está sendo difícil torpedear Palocci’.
Desconcertada ou não, o fato é que nos últimos dias a imprensa não tem deixado o ministro de fora das primeiras páginas dos jornais, das notas mais quentes dos blogs ou das escaladas dos telejornais. Muito pelo contrário: na noite em que o Observatório da Imprensa na TV foi ao ar, o ministro terminava mais uma jornada em que havia sido vítima de um verdadeiro ‘ataque especulativo’, iniciado por uma manchete da Folha de S. Paulo garantindo que ele já estava fora do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e dando o nome de seu sucessor: o senador petista Aloizio Mercadante.
Críticas à imprensa
Ainda pela manhã, o jornalista Jorge Bastos Moreno, do jornal O Globo, confirmava a informação em seu blog na internet: Palocci estava demissionário e iria à Câmara apenas para cumprir um script combinado com a sua tropa, com quem teria se reunido durante a madrugada de terça. A versão ganhou força e diversos sites publicaram notas sobre a ‘iminente demissão’ do ministro. O problema foi que Palocci chegou na Câmara, começou a falar e, mais uma vez, surpreendeu pela calma, consistência na defesa de suas posições e firmeza ao rebater as denúncias nas quais tem sido envolvido. Não era, nitidamente, um demissionário que estava prestando depoimento, e ao longo da tarde os sites e blogs começaram a mudar o tom. No final do dia, o presidente Lula deu uma declaração informando que Palocci ‘estava mais forte do que nunca’ e o ministro Jaques Wagner, coordenador político do governo, já se antecipara aos boatos para informar que o presidente considerava Palocci ‘insubstituível’.
Para não dizer que toda a mídia ‘comprou’ a versão da demissão de Palocci, o jornalista Ricardo Noblat, em seu blog (www.noblat.com.br), fez questão de escrever que não noticiava a saída do ministro porque não havia confirmado tal informação com suas fontes. E, à noite, escreveu uma nota com o que conseguiu apurar: Palocci não quer sair do governo, ‘quer entrar mais’ e dificilmente deixará o cargo. As manchetes dos jornais de quarta-feira, 23/11, mostraram que, pelo menos naquele momento, Noblat tinha mesmo razão em apostar na prudência.
Com um tema tão quente, o Observatório na TV começou com uma reportagem apresentando trechos dos depoimentos de Palocci à Comissão de Assuntos Econômicos do Senado, na semana passada, em que o ministro criticava, bem a seu modo, sem grandes arroubos, a imprensa brasileira por divulgar acusações sem indícios de culpa ou provas. Também foi apresentado um trecho da audiência do ministro na Comissão de Fiscalização da Câmara, encerrada pouco antes do programa ter início.
Participaram do debate no OI na TV os jornalistas Gilberto Menezes Cortes, no Rio de Janeiro; Fernando Rodrigues, repórter da Folha de S. Paulo, de Brasília; e Rolf Kuntz, editorialista de O Estado de S. Paulo e professor de Economia da USP, em São Paulo.
Problemas da cobertura
Em sua primeira intervenção, Rodrigues aproveitou a comparação feita por Dines sobre a diferença de tratamento da imprensa nos casos de Palocci e do ex-ministro José Dirceu para defender a idéia de que a mídia vem publicando as denúncias sobre o titular da pasta da Fazenda tanto quanto fez em relação ao ex-chefe da Casa Civil. Segundo o repórter da Folha, o diferencial está no comportamento da oposição, que não tem se mobilizado para um confronto direto com Palocci. ‘É a oposição que vem dando mole ao ministro’, afirmou Rodrigues. Pouco depois, ele voltou a tocar neste assunto ao dizer que os parlamentares de oposição são incapazes de formular questões inteligentes ao ministro durante os depoimentos no Congresso. ‘Eles só perguntam baboseira e o Palocci acaba se saindo bem’, afirmou.
Já o professor Rolf Kuntz reclamou da falta de profundidade na cobertura da crise, apesar de reconhecer as dificuldades dos jornalistas diante de tantos fatos simultâneos que surgem e precisam ser apurados. Segundo Kuntz, porém, nas reportagens sobre o chamado ‘fogo amigo’ – as divergências entre a ministra da Casa Civil, Dilma Roussef, e Palocci – o público não dispõe de todas as informações que seriam necessárias para julgar a contenda. O editorialista do Estadão também defendeu que o debate sobre a política econômica está mal colocado na mídia.
Questionado por Dines se isto se devia a uma excessiva valorização no noticiário declaratório vindo de Brasília ou ao fato de os jornalistas estarem prestando mais atenção ao varejo que ao atacado, isto é, ao desenrolar da crise em si, com muitos fatos para serem apurados, Kuntz concordou parcialmente, ressaltando que mesmo ‘no varejo’ muita coisa poderia ser investigada. Como exemplo, ele citou o fato de os ministérios reclamarem que o ministro Palocci não libera verbas, mas gastarem mal ou mesmo não gastarem os recursos já liberados. ‘Bastaria o repórter ir ao ministro e perguntar: quanto foi liberado, onde foi aplicado este dinheiro e quanto não foi gasto’, explicou, lembrando que o ministério da Agricultura, que tanto reclama de verbas para a defesa sanitária, não gastou todo o recurso que havia disponível para essas ações.
Gilberto Menezes Cortes aproveitou para relembrar a sua experiência na cobertura das gestões de 14 ministros da Fazenda desde a redemocratização e enfatizou a necessidade da mídia não se ater ao discurso de Brasília. ‘Há sempre um outro lado da moeda, que precisa ser ouvido’, alertou. O jornalista também defendeu pontos de vistas semelhantes aos de Rolf Kuntz sobre os problemas da cobertura econômica e ressaltou que a mídia muitas vezes ‘compra’ a versão de Palocci de que a economia está indo muito bem quando, segundo ele, poderia estar muito melhor.
O Observatório da Imprensa na TV é exibido ao vivo pela rede pública de televisão às terças-feiras, à partir das 22h30. Em São Paulo, o programa não vai ao ar ao vivo e sua exibição começa às 23h, na TV Cultura.