Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Intenções ocultas

A desqualificação irônico-debochada da ‘teoria da conspiração’ é o seu melhor antídoto. É capaz de transformar em histórias da carochinha as conspirações mais verdadeiras. Creio que, com o fim do processo provocado pela suspensão do visto do jornalista, o governo federal e os conselhos de ética jornalística perderam uma boa oportunidade de aferir, através dos prováveis interrogatórios, os motivos que levaram Larry Roto e o NYT a publicarem ‘aquilo’. Cada um imagina quais sejam os ‘verdadeiros motivos’, entretanto, vale a pena esclarecer com o autor e editores da reportagem, como faria um bom jornalista.

Imprensa, TV, ABI, OAB, políticos e os demais segmentos institucionais e sociais condenaram o governo federal pela desproporção da medida tomada. Creio que, quanto a isso, todos continuamos acordo. Em contrapartida, ninguém propôs uma investigação, nem questionou que motivações e intenções levaram um jornalista com experiência internacional, em jornal de categoria mundialmente reconhecida, a publicar uma reportagem que não seria aceita em qualquer redação que tenha um mínimo de responsabilidade e controle de qualidade. Surpreende que, até agora, nenhum jornalista tenha conseguido entrevistar Larry Rohter, para tentar apurar como foi possível que uma matéria de tablóide fosse inserida com destaque no NYT. Se os jornalistas, por suas associações e conselhos, preocupam-se de fato com a defesa da liberdade de imprensa e com sua credibilidade ante a opinião pública, deveriam ser eles mesmos os primeiros a investigar esse tipo de matéria – aparentemente graciosa e sem maiores preocupações – visivelmente preparada para prejudicar a imagem de Lula, com manchete, foto e insinuações matreiras. A mais grave dessas levianas insinuações é a de que o pai de Lula – além de alcoólatra – maltratava ou abusava dos filhos, a depender da tradução.

Quem conhece o poder da imprensa e das empresas de comunicação conhece também as diversas formas de desconstruir a imagem de uma pessoa e reconhece que isso não pode ser produzido sem a conivência de editores e diretores. Isso foi explicitamente ratificado, desde o início, na visita do embaixador do Brasil ao escritório do jornal em Nova York, considerando a reportagem normal e consistente. Na escalada do deboche o jornal se dispôs a receber o presidente Lula quando de sua próxima viagem aos EUA. Além de debochar os responsáveis pelo jornal ainda pretendem obter reportagem exclusiva. É a prepotência explícita!

A Justiça brasileira perdeu a oportunidade do processo iniciado e rapidamente abortado, mas os jornalistas brasileiros e internacionais podem fazer muito mais em defesa da profissão e de sua credibilidade, inquirindo ou processando os profissionais que violentam a ética e envergonham a classe. A recorrida liberdade constitucional é quanto ao direito de emitir opinião, o que não me parece ser o caso da desqualificada reportagem.

José Renato M. de Almeida, engenheiro, Salvador



Temos que calar

Liberdade de imprensa ou libertinagem de imprensa? Fico estarrecido com alguns fatos. A atitude de nosso presidente não foi um retorno à ditadura, muito menos uma volta da censura, mas a indignação de uma nação que se sente ofendida. O que me deixa indignado é que temos que aceitar ‘americanos’ fazendo gestos obscenos para o povo e agora também nos calar quando ofendem a moral de nosso representante. O papel da imprensa, acredito eu, deva ser o de informar, educar, entre outros, e não tentar manchar a imagem de uma nação que vem lutando para se estabilizar e ser respeitada. A imprensa nacional defende um repórter americano (que se diz profissional) que recebemos em nosso país, para que retransmita a imagem de um povo lutador, honesto e que tem por objetivo um futuro melhor. Por estas e outras que esses americanos se sentem no direito de achar que são os donos do mundo.

Quantas humilhações repórteres sérios de nosso país já passaram e ninguém se doeu por eles? Somos um povo democrático, mas não somos vaquinhas de presépio que temos que concordar com tudo. Independentemente de qual o nome do nosso representante, FHC, Lula, José, Manuel, temos que mostrar que temos honra.

Arthur Ribas, servidor publico, Santa Luzia, MG



‘Quem cala consente’

Concordo em que a liberdade de imprensa deva ser protegida, a imprensa é uma instituição valiosa para garantir a democracia, mas será que isso dá direito a um repórter de escrever o que quiser sobre uma pessoa? A posição que este correspondente tem o torna um formador de opinião, e a reportagem por ele escrita poderia ter efeito grande sobre um país que já não é tão bem visto lá fora. Concordo que a atitude tomada pelo presidente Lula não foi a mais diplomática, mas creio que não devamos defender a posição do jornalista nem do jornal em questão. Se o presidente não tomasse uma atitude de força perderia o respeito da comunidade internacional; seria como admitir que a reportagem é verídica. Como diz o velho ditado, ‘quem cala consente’.

Cicero Ricardo Candido, técnico de suporte, São Paulo



Faltou senso comercial

Tem coisas que acontecem que a gente custa a crer. A reação do governo Lula às sandices do The New York Times é um belo exemplo destas coisas realmente incríveis. A respeito do tema, formei juízo imediato. Acho, essencialmente, que o problema deveria ser tratado menos pelo setor de comunicação do Planalto, e mais pelo Ministério do Comércio, em parceria com o das Relações Exteriores. Explico. Como a reportagem (ou artigo, no dizer americano) não passa de uma bobagem indigna de qualquer crédito, o Brasil poderia se aproveitar melhor da situação e lançar uma campanha internacional, sobretudo nos Estados Unidos e na Europa, para firmar a cachaça como um dos melhores produtos etílicos do mundo. Melhor que o rum cubano e a vodka russa.

A campanha viria a propósito de incrementar um produto nacional típico de exportação, com aceitação comprovada no mercado consumidor internacional. (Também no Brasil a produção de cachaça é insuficiente para o tamanho do consumo da nossa branquinha. Em Mato Grosso conheço alguns empresários que transformaram suas usinas de álcool em alambiques. Pela razão única e simples de que a cachaça vende mais e dá mais lucro do que álcool combustível. E suas produções são vendidas antecipadamente, numa espécie de mercado de futuros que se dá no presente mesmo).

Viria também a propósito de uma briga diplomática e industrial no campo das patentes. Não é raro, como se tem notícia, restaurantes e bistrôs estrangeiros servirem nossa cachaça sob o rótulo de rum. A polêmica do NYT serviria como luva de pretexto para esclarecermos de vez em todo o mundo que cachaça tem vários nomes, menos o de rum.

Assisti a um debate magnífico a respeito da polêmica no não menos magnífico televisivo Observatório da Imprensa, na terça (11/5) à noite, pela TV Cultura. Entre os debatedores, Marcelo Beraba, ombudsman da Folha de S. Paulo, e o secretário de Imprensa e Divulgação da Presidência da República, Ricardo Kotscho. Louvável e admirável o senso democrático do secretário de Imprensa em ir ao debate, colocar-se desnudo na frente dos seus colegas para enfrentar a discussão. Senso democrático que certamente faltou aos operadores do governo que decidiram pela expulsão do jornalista americano que assinou a reportagem (ou melhor, ‘recortagem’, como foi dito no próprio debate, vez que a matéria não passou da colagem de vários recortes de colunas sociais).

Kotscho, no entanto, estava muito preocupado em discutir os controles internos da imprensa, questões éticas e outras do gênero. No seu lugar, começaria a reação do governo por providenciar algumas caixas contendo as 50 melhores marcas da nossa cachaça, produto genuinamente verde-amarelo, e as enviaria à redação do NYT e dos outros principais veículos de comunicação americanos e europeus, com belos folders contando a história da cachaça, suas variações, suas receitas, como a caipirinha etc. Quem sabe, ao fim do governo, o próprio Lula não poderia ter a sua própria destilaria, talvez em sociedade com o pagodeiro Zeca Pagodinho, ganhar muito dinheiro e continuar curtindo, sem culpa alguma, os deliciosos sabores da nossa principal bebida nacional. E não esqueça da do santo.

Kleber Lima, jornalista, Cuiabá