Wednesday, 27 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Cultura da convergência no processo jornalístico

Você saberia diferenciar o conteúdo jornalístico produzido por diferentes veículos de comunicação na Internet ou por diferentes jornalistas das redações digitais? Diferenciaria o conteúdo informativo publicado por uma redação digital repleta de jornalistas de um publicado por um sistema de publicação de notícias automatizado? Ademais, como distinguir o conteúdo produzido pelos jornalistas do publicado pelos cidadãos que compartilham informações na rede? Em que ponto a convergência das mídias integra os jornalistas e os cidadãos nas informações em rede? Essa convergência agiliza o processo jornalístico e aprimora a qualidade do conteúdo informativo ou simplifica esse processo a ponto de generalizar o conteúdo noticioso publicado na Internet? Essas questões delinearão a problemática deste texto para observarmos a convergência jornalística nas redações contemporâneas. O objetivo é discutir a partir das etapas do processo jornalístico como a convergência das mídias e a cultura participativa na rede são aliadas à atividade jornalística.

Ao se pensar em convergência, logo se observa a potencialidade dos diferentes formatos de mídia seguirem paralelamente na construção de uma narrativa digital, posteriormente acessada por inúmeros dispositivos com acesso à Internet. Porém, esboçar o que é conteúdo convergente na contemporaneidade envolve mais do que suportes de produção e de distribuição de informação, precisa-se olhar para os canais interativos que potencializam as relações entre produtores e consumidores de conteúdo.

“A convergência não depende de qualquer mecanismo de distribuição específico. Em vez disso, a convergência representa uma mudança de paradigma – um deslocamento de conteúdo de mídia específico em direção a um conteúdo que flui por vários canais, em direção a uma elevada interdependência de sistemas de comunicação, em direção a múltiplos modos de acesso a conteúdos de mídia e em direção a relações cada vez mais complexas entre a mídia corporativa, de cima para baixo, e a cultura participativa, de baixo para cima.” (JENKINS, 2006, p. 325)

O conteúdo jornalístico publicado na rede pelos veículos de comunicação institucionalizados, estes observados aqui no papel de mídia corporativa, deve considerar a cultura participativa potencializada pelos canais interativos que permitem ao consumidor participação ativa na construção da narrativa que permeia a informação publicada na rede. O jornalismo contemporâneo precisa enxergar melhor essa linha paralela de conteúdo produzido pelo cidadão como fonte de informação parceira da atividade jornalística e preparar suas redações para lidarem com conteúdo convergente: “[…] la convergencia periodística es una oportunidad para reconvertir la organización de las empresas periodísticas del siglo XX en empresas informativas del siglo XXI” (SALAVERRÍA e NEGREDO, 2008, p. 17). A publicação de conteúdo multimídia a partir da integração de redações de mídias anteriores, como das TVs, dos rádios e dos impressos, não é mais suficiente para garantir espaço na agenda de consumo de informação da audiência, é preciso convergir as redações de forma a produzirem conteúdo com uma linguagem que tire o melhor proveito dos códigos já conhecidos e do potencial das informações em rede nessa cultura participativa.

O processo de convergência jornalística deve ir além da dimensão tecnológica que permite ao público acessar conteúdo textual, sonoro e gráfico em qualquer momento ou lugar, mas também considerar as esferas empresarial, profissional e editorial: “[…] convergencia es un proceso multidimensional” (SALAVERRÍA e NEGREDO, 2008, p. 46).

Dimensão empresarial e profissional

A facilidade de produção de conteúdo multimídia, proporcionada pela esfera tecnológica, leva os veículos jornalísticos desejarem explorar comercialmente todos os mercados da comunicação. Esta particularidade de pequenos veículos se tornarem verdadeiros conglomerados multiplataforma associa-se à dimensão empresarial neste processo de convergência e exige abrangente conhecimento profissional dos jornalistas. “El periodista de hoy se caracteriza por una polivalencia [funcional e midiática] cada vez mayor, que le lleva a asumir tareas que en el pasado eran patrimonio de distintos periodistas” (SALAVERRÍA e NEGREDO, 2008, p. 48).

O conhecimento multiplataforma do jornalista contemporâneo é inquestionável para o sucesso profissional. Este precisa conhecer os diferentes códigos das mídias e ainda saber interagir com a audiência para produzir junto à equipe de redação conteúdo jornalístico que atenda a esse processo de convergência. Porém, deve-se destacar que jornalistas polivalentes não devem ser sinônimo de menos jornalistas nas redações, o que infelizmente acontece nos últimos anos. As empresas jornalísticas aproveitam as facilidades tecnológicas que aceleram o processo jornalístico e diminuem o número de profissionais contratados, mas isso tanto não é sinônimo de qualidade, como não é de convergência jornalística: “[…] es preciso que las empresas tengan en cuenta que pocos periodistas son diestros en todas las disciplinas y que el mejor redactor puede ser un pésimo fotógrafo, así como ele mejor locutor de radio puede no tener idea de escribir” (SALAVERRÍA e NEGREDO, 2008, p. 49).

A convergência editorial dos conteúdos somente será possibilitada no momento em que a redação jornalística encontrar a melhor linguagem que combina textos, sons e imagens fixas ou em movimento para difundi-las em diferentes dispositivos. As redações jornalísticas precisam se reestruturar ao passar por esse processo multidimencional para produzir conteúdo multiplataforma. “Generar un único contenido y transmitirlo a través de distintos canales es lo que denominamos polivalencia mediática” (SALAVERRÍA e NEGREDO, 2008, p. 49).

Audiência e redes sociais

As potencialidades dessas dimensões apresentadas até o momento permitem-nos apontar fenômenos da convergência das mídias que expandem a compreensão do processo jornalístico que toca na apuração, produção, circulação e consumo de informação na rede. Como apresentado na sequência, esse processo de convergência jornalística deve ir além dessas dimensões já apresentadas. Precisa considerar o conteúdo produzido nos canais abertos à audiência pela própria mídia corporativa ou nos sites de redes sociais como Twitter, Facebook, Google+, etc, além disso, olhar toda a blogosfera e os espaços produzidos nessa cultura participativa.

As redações contemporâneas produzem conteúdo para atingir o maior número de internautas na rede e, por conseguinte, aumentar a audiência para garantir anúncios publicitários. O modelo segue o formato dos meios de comunicação de massa no objetivo de possuir assuntos com grande abrangência, mas também se preocupa com todo tipo de conteúdo de nicho para expandir ainda mais sua audiência. Se alguém da rede pode ou vai ler, publica-se o conteúdo, desde que garanta a visita ao website e possíveis cliques nos anúncios publicitários.

Esse movimento de se publicar conteúdo sem a devida atenção ao acontecimento que exige a atividade jornalística é chamado de hamsterização do jornalismo. “The Hamster Wheel isn’t speed; it’s motion for motion’s sake. The Hamster Wheel is volume without thought. It is news panic, a lack of discipline, an inability to say no. It is copy produced to meet arbitrary productivity metrics (Bloomberg!)” (STARKMAN, 2010, online). A apuração do acontecimento, que envolve a seleção da pauta a ser investigada, a produção do conteúdo, antes discutido com o editor, a escolha da melhor mídia para circulação da notícia, etapas do processo da atividade jornalística são substituídas pela necessidade de se atender métricas do sistema para garantir o maior número de visitantes. A regra agora é: “do-more-with-less” (STARKMAN, 2010, online).

Basta uma única visita aos portais de notícias para se observar que os assuntos tratados são praticamente os mesmos, as mesmas manchetes são destacadas e o tratamento aos acontecimentos neste movimento de produção contínua torna o conteúdo praticamente igual. É comum se encontrar o mesmo texto em diferentes veículos jornalísticos na rede provindos de agências de notícias e assessorias de imprensa, a ponto de encontrarmos notícias repetidas nos próprios portais, já que alguns conteúdos chegam a ser publicados de forma automatizada para diminuir o número de profissionais contratados. “[L]a tarea del editor se limitaría a un trabajo mecánico de “copiar y pegar”, no editorial, por lo que la automatización minimiza los costes” (SALAVERRÍA e NEGREDO, 2008, p. 58).

A Internet tem esse potencial de disponibilizar mais espaço para a publicação de conteúdo jornalístico que antes ficava de fora das edições de mídias como o jornal, o rádio e a TV devido ao custo de veiculação. No entanto, essa possibilidade não significa que os jornalistas precisam publicar sobre tudo o que se fala na rede e fora dela. Da mesma forma que nem todos os assuntos falados em bares sobre futebol estão nas páginas esportivas dos jornais impressos, nem tudo o que se fala na rede precisa necessariamente ser pauta nas redações. “[A Internet] allows us to publish any time, all the time. But that doesn’t mean we have to” (STARKMAN, 2010, online).

Os sistemas de busca que permitem apurar rapidamente os principais temas falados pelos internautas em sites de redes sociais apresentam potenciais pautas jornalísticas para se atingir maior audiência, mas isso não significa que o jornalismo precisa ficar refém dessas métricas e publicar sobre todas tendências apenas para garantir visitas aos websites. Esses sistemas, como é o caso do Twitter Search, devem ser considerados como fontes de informação, assim como todo conteúdo produzido pelo internauta que é publicado na rede, mas o jornalista deve lembrar que este conteúdo participativo é apenas uma das peças no processo de convergência jornalística. A devida seleção da pauta no processo de apuração é o primeiro passo que diferencia o conteúdo produzido por redações jornalísticas dos outros ambientes da rede que publicam conteúdo.

Seleção e tratamento das informações

A seleção sobre o que produzir permitirá que o jornalista produza com mais tempo e qualidade para conquistar sua audiência pelo tratamento dado aos acontecimentos que investiga e não apenas pelos resultados de buscas que seguem métricas quantitativas. Para clarear essa observação faça o seguinte exercício mental: – Lembre-se rapidamente sobre uma notícia importante que leu na rede no dia anterior e tente recordar o veículo em que leu, após faça o mesmo exercício com uma importante postagem de blog jornalístico que tenha lido e observe o tempo que leva para lembrar do autor. Provavelmente, você se lembrará rapidamente do autor e nome do blog e até de detalhes do tema, enquanto lembrar da própria notícia no dia anterior poderá ser difícil. A diferença deste resultado esta associada ao tratamento dado aos acontecimentos pelos dois conteúdos, já que a linguagem do texto do blog é em sua maioria mais interpretativa do que meramente informativa. O jornalista deve ter em mente a seguinte pergunta: “How much time versus how much impact?” (STARKMAN, 2010, online). Porém, lembre-se que o impacto precisa ser cognitivo e não meramente quantitativo. [Em texto recente para o 20º Encontro da Compós, Juremir Machado da Silva faz boa reflexão da atividade jornalística na contemporaneidade sob essa cultura da convergência e denuncia a falta de investigação na atividade jornalística. “Da teoria da embalagem à transparência total de Julian Assange“, acessado em 14 jul 2011]

A apuração dos acontecimentos que serão selecionados no processo jornalístico pode utilizar desses sistemas para monitorar as tendências e pautar os temas que merecem atenção. A seleção faz parte da natureza da atividade jornalística e deve ser feita dentro da redação, mas isso não significa que o jornalista não pode aproveitar da inteligência coletiva dos internautas nessa cultura participativa e contar com os consumidores para ajudá-lo na apuração. A redação jornalística pode aproveitar uma prática conhecida no desenvolvimento de sistemas para sua atividade que é o crowsourcing, reformulada para o jornalismo e conceituada como apuração distribuída. A prática pressupõe a distribuição de pequenas tarefas entre pessoas para atingir um objetivo maior.

Nesse processo de apuração, o jornalista disponibiliza uma base de dados à audiência que fará a mineração dos dados para selecionar o que deve ser pautado. O processo jornalístico faz dessa forma com que a audiência participe desde a primeira etapa. A apuração distribuída nesse processo de convergência jornalística traz o cidadão da etapa de consumo para o início do processo. Desse modo, o consumidor se envolve cognitivamente desde o início e garante uma apuração mais relevante ao jornalista frente à audiência. “Ao solicitar ajuda aos seus leitores, o jornalista abre mão de uma parcela de seu poder e é obrigado a reconhecer seu compromisso primordial para com o interesse público, não os interesses da fonte ou do próprio jornal” (TRÄSEL, 2010, p. 231).

Existe defasagem entre os temas que os jornalistas publicam daqueles que os consumidores preferem receber e esse processo de apuração distribuída pode contribuir para diminuir tal lacuna.

“An examination of the news choices of journalists and consumers reveals major differences in their respective thematic preferences. On one hand […] journalists’ choices gravitated toward public affairs news. On the other hand […] consumers’ choices were dominated by nonpublic affairs news.” (BOCZKOWSKI, MITCHELSTEIN e WALTER, 2011, p. 385)

A lacuna entre as preferências dos jornalistas dos consumidores pode-se evidenciar logo no surgimento dos primeiros blogs temáticos no início dos anos 2000 que tratavam de assuntos de nicho com pouco espaço nos veículos corporativos. O surgimento e crescimento da blogosfera denunciou a necessidade de conteúdos de nicho apresentados com linguagem reflexiva que a imprensa corporativa não atendia na época. Nesse cenário, o jornalismo parece ter aproveitado apenas a prática dos blogueiros caça paraquedistas [paraquedista é o termo utilizado para denominar aqueles internautas que caem em uma página a partir da busca em sistemas de buscas sem denotar necessariamente o resultado esperado] que customizam seu conteúdo para serem encontrados nos resultados de busca da web para garantir audiência. Infelizmente, são poucos os veículos que aproveitaram a forma reflexiva dos blogs para tratar dos acontecimentos jornalísticos de forma interpretativa. Por isso, teme-se a hamsterização do jornalismo quando se produz apenas para se aparecer nos sites de busca a partir de métricas quantitativas e não reflexão interpretativa. O jornalismo precisa aproveitar tanto a linguagem desenvolvida nesses ambientes quanto o próprio conteúdo gerado neles. A partir de links com a blogosfera e com os sites de redes sociais, o jornalista pode então completar o processo de convergência jornalística.

Esse processo de convergência jornalística que atende além das dimensões tecnológica, empresarial, profissional e de conteúdo, à dimensão da cultura participativa permite que conteúdos gerados pelo cidadão ou por redações jornalísticas circulem paralelamente na rede. Esse processo de convergência que converge a própria definição de produtor e consumidor é conhecido como “produsage”.

“[…] the concept of produsage is such a term: it highlights that within the communities which engage in the collaborative creation and extension of information and knowledge […], the role of consumer and even that of end user have long disappeared, and the distinctions between producers and user of content have faded into comparative insignificance. In many of the spaces we encounter here, users are always already necessarily also producers of the shared knowledge base, regardless of whether they are aware of this role-they have became, hybrid, produser.” (BRUNS, 2008, p. 2)

O jornalismo precisa rever o seu processo para atender à convergência das mídias e inserir-se nesse conceito de “produsage” evidenciado em sites de redes sociais como o Facebook e Twitter que, mesmo que seus “produsers” não sigam as etapas do processo jornalístico, tornam-se os sistemas onde os consumidores buscam se informar. O jornalismo deve observar a convergência das mídias como uma ruptura social em relação aos sistemas de informação para continuar a informar com a razão da atividade jornalística e não esquecer que convergir exige a abertura de espaço a esse produser, pois do contrário, corre o risco de se tornar o espectador dos sistemas de informação nessa cultura participativa.

Referências

BOCZKOWSKI, P., MITCHELSTEIN, E., & WALTER, M. Convergence across divergence: Understanding the gap in the online news choices of journalists and consumers in Western Europe and Latin America. Communication Research, 38, 376-396. 2011.

BRUNS, Axel. Blogs, Second Life, Wikipdia and Beyond:from production to produsage. New York: Peter Lang, 2008.

JENKINS, H. Cultura da Convergência. São Paulo: Aleph, 2008.

SALAVERRÍA, Ramón; NEGREDO, Samuel. Periodismo integrado: convergencia

STARKMAN, Dean. The Hamster Wheel: shy running as fast as we can is getting us nowhere. Columbia Journalism Review, Sep.-Oct. 2010. Disponível aqui, acesso em: 14 jul. 2011.

TRÄSEL, Marcelo. A apuração distribuída como técnica de webjornalismo participativo. In: SCHWINGEL, Carla; ZANOTTI, Carlos A.. (Org.). Produção e colaboração no jornalismo digital. 1 ed. Florianópolis: Insular, 2010, v. 1, p. 217-234.

SILVA, Juremir Machado da. Da teoria da embalagem à transparência total de Julian Assange. In: Encontro Nacional da Compós, 20., Porto Alegre. Anais… Porto Alegre, UFRGS, 2011. Disponível aqui, acesso em: 14 jul. 2011.

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[Gilberto Balbela Consoni é professor de Comunicação na ESPM-Sul e doutorando e mestre em Comunicação e Informação pelo PPGCOM/UFRGS]