“Espero não viver até o dia em que as coisas sejam tão pretas quanto alguns jornais as pintam” (Will Rogers, escritor norte-americano)
A postura política de uma parte ponderável da grande mídia vem sendo assinalada, no momento atual, por facciosismo e até passionalidade. E nem é preciso recorrer-se ao que andou rolando nas últimas campanhas sucessórias presidenciais para arrancar exemplos sonoros dessa inclinação gratuitamente antagônica que se nota no proceder da comunicação social com relação a personagens influentes da vida brasileira. Gente como Dilma e Lula que, pela opção democrática do voto, a sociedade entendeu de colocar à testa de nossos destinos administrativos.
A má vontade na apreciação da conduta de ambos persiste de forma intensa nesses redutos, configurando forçação de barra muito clara, amiúde constatada no tom severo aplicado em notícias e comentários pertinentes a desacertos administrativos eventualmente cometidos e na minimização da importância de feitos eventualmente praticados.
No final do ano que passou, observadores mais atentos dos lances da cena política se defrontaram com uma situação bastante sintomática. Viram desfilar diante de seu olhar crítico episódios que favoreceram preciosas e pedagógicas comparações. Os fatos em questão deixaram evidenciada a reação desigual que boa parte dos grandes veículos de comunicação tem por hábito dispensar a denúncias graves tomando como peso e medida a indumentária política dos personagens incriminados. Reportemo-nos às denúncias aludidas.
Violação da ética
Um semanário de circulação nacional divulgou, em matéria de capa, reportagem contendo acusações sérias a integrante do governo Dilma. Na mesma hora, como se obedecendo a uma só regência orquestral, martelando a mesma tecla denuncista, outras inúmeras publicações impressas, TV e rádio ocuparam-se à exaustão do assunto. Pois bem, nessa mesmíssima ocasião uma outra revista, igualmente de penetração nacional, estampou também, em reportagem de capa, denúncia de teor sumamente grave, consubstanciada num livro que vem alcançando recordes de vendagem, implicando nomes de líderes destacados de grupo político que diverge da posição governamental.
O enorme complexo midiático montado na propagação do primeiro episódio, desfavorável à imagem da presidenta, decidiu permanecer mudo e quedo que nem penedo no tocante a essa outra denúncia, desfavorável, desta feita, à imagem dos adversários da presidenta. E nem é bem o caso de se sair alegando por aí que os ingredientes de uma denúncia podem ser mais impactantes do que os da outra. Até mesmo porque ambas configuram, de princípio, acusações carecedoras da competente averiguação legal. O que se coloca de pronto em jogo e não pode, a pretexto algum, ser menosprezado, é o caráter indiscutivelmente jornalístico das duas situações retratadas, focadas com tratamento incompreensivelmente diferenciado no noticiário global.
A sonegação de fato relevante, de presumível interesse público, implica em violação da ética profissional. A liberdade de imprensa e a democracia sentem-se, em momentos assim, em visível desconforto. A transparência, a objetividade e a isenção são itens inseparáveis do dever de informar. O exercício do sagrado direito de opinar de acordo com nossas convicções é um natural desdobramento desse impostergável dever do jornalismo.
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[Cesar Vanucci é jornalista, Belo Horizonte, MG]