Wednesday, 27 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Mario Vitor Santos

‘Sob o ponto de vista dos negócios, faz todo sentido terceirizar o fornecimento de notícias. Se você não tem algo, crie um link e envie o leitor para onde a notícia está. Ou, melhor, faça um acordo com seus fornecedores produtores da informação, importe a notícia para o seu site, dê créditos aos autores. Ponha o conteúdo deles sob a sua logomarca, e assim mantenha o cliente mais tempo visitando o seu portal. Tente vender publicidade e viabilize o seu negócio.

Não há por que nutrir muito romantismo em relação aos ‘princípios do jornalismo’. Desde que surgiram, os jornais se valem de ‘conteúdo’ fornecidos por ‘terceiros’ e ‘parceiros’. Inicialmente, ‘correspondentes internacionais’ inicialmente eram viajantes que faziam relatos de viagens em troca de pouco mais do que nada. Desde antes da imprensa, os veículos incentivavam e até abusavam no uso das cartas e opiniões dos leitores. Logo surgiram as agências de notícias, cujo serviço ajudou a viabilizar reportagens com um certo padrão e a custo cada vez mais baixo. Governos nacionais logo perceberam a ferramenta ideológica, criaram ou compraram agências internacionais e passaram a fornecer notícias de graça ou a preço de banana. Ainda hoje, grande parte da informação que circula no mundo tem origem nos governos, que exercem seu poder meio da informação.

As agências, governamentais ou privadas, profissionalizaram-se criando um padrão mínimo de qualidade. A informação é avaliada de acordo com alguns parâmetros de relevância, objetividade, imparcialidade e equilíbrio, coisa que nem sempre é respeitada.

Desenvolveram-se especialidades. Hoje a informação é cada vez mais específica, demanda foco e um grande conhecimento específico do jornalista, especialmente em setores bem característicos, como negócios, saúde ou ciência, por exemplo. Para não falar de relações internacionais.

Em muitos desses setores as agências de notícias cobrem mais, melhor e com mais rapidez. É impossível que qualquer a grande maioria dos veículos consiga dar conta da imensidão dos temas, cuja configuração de interesse muda permanentemente. Por isso a questão dos sites jornalísticos ou não é saber qual o seu foco de negócios. Definidas quais são as suas prioridades, o negócio é permanecer nelas.

Isso massacra o jornalismo? Depende. Também no campo jornalístico é preciso descobrir um nicho, ou uma particularidade, uma ‘personalidade’ e investir nela como seu diferencial. Há grandes sucessos jornalísticos lastreados em um grande trabalho de edição, unido a bons analistas-colunistas, montados sobre agregadores de notícias que usam material de terceiros. Repito: isso exige um grande esforço de edição. Disposição para provocar polêmicas, mexer em temas difíceis, grande interação com o público, que é estimulado a reagir o tempo todo. No Brasil, os grandes portais não estão chegando ainda nem perto desse modelo, que não vale apenas para o chamado ‘jornalismo’.

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Jornalismo do iG: mais ‘quente’ ou mais ‘frio’? (23/4/08)

Ao comentar ações do iG para ampliar sua oferta de reportagens originais e exclusivas, analisei entrevista de Ricardo Kotscho com a ministra Dilma Roussef, mas deixei de mencionar o trabalho que vem sendo realizado pelo jornalista Paulo Moreira Leite. Mariana Castro, editora-chefe do Último Segundo, o setor jornalístico do iG, chamou-me a atenção a respeito.

Moreira Leite está colocando sua experiência a serviço de um trabalho diferenciado de reportagem. Seus textos, como a série sobre a situação da economia do país, vista a partir dos afetados por ela, são redigidos na primeira pessoa. Ele dá voz aos personagens da notícia e está sempre à procura de um enfoque novo, coisa que o iG necessita muito em seu esforço de construção de uma personalidade jornalística própria.

Moreira Leite faz um tipo de jornalismo que mescla informação e opinião. Esse híbrido coloca uma dificuldade para quem prefere, como eu, a separação mais rígida entre informação e opinião, como no clássico modelo da ‘velha’ imprensa.

O advento da internet mexe com as bases do jornalismo e talvez acabe favorecendo os que já praticavam um estilo mais posicionado. Há inclusive algumas pesquisas, como um levantamento recente realizado pela Associated Press Managing Editors e o Instituto Reynolds de Jornalismo, que apontam que a maior parte dos internautas prefere que os repórteres explicitem suas preferências nos textos.

Na minha opinião, a busca da imparcialidade e do distanciamento, essas atitudes ‘frias’ que aproximam o jornalismo da Justiça, acabam prejudicadas com o maior envolvimento do repórter. Como se sabe, a Justiça é cega. Desconhece as particularidades das pessoas, que lhe são invisíveis. Ser justo é ter a virtude da ‘pura medida imparcial, sem sentimento e sem afeto’, como ensina o professor Francis Wolff, que tratou da Justiça (não do jornalismo) em palestra recente no Brasil. Como a Justiça, o jornalismo deve cultivar a prudência. Num conflito, deve evitar optar por um lado. O repórter deve se esmerar para não favorecer nem um nem outro, tratando cada um como se tratasse si mesmo.

O jornalismo, porém, não é só a frieza da Justiça. É composto também de qualidades mais ‘quentes’ como a compaixão, a generosidade e até a amizade (embora esta, apesar de existir, seja também freqüentemente ocultada pelos jornalistas). Tais sentimentos são indispensáveis ao jornalismo, mas favorecem o prejulgamento e a tomada de lados numa investigação que deve ser tão equilibrada e eqüidistante quanto possível.

Na sexta-feira passada, por exemplo, o iG publicou como manchete de capa o seguinte título: ‘Casal foi indiciado por suas contradições’. A manchete apoiava-se em texto de Paulo Moreira Leite que apoiava a versão dos delegados acusadores do casal Nardoni.

A alegação de que há contradições nos depoimentos de Alexandre Nardoni e Anna Carolina Jatobá tem sido divulgada pelos investigadores policiais para apoiar provável pedido de prisão preventiva. Mas deveria haver igualdade de condições para a defesa dos Nardoni. Ela também existe e contesta com vigor a existência ou a relevância dessas contradições. A versão deles, porém, raramente é divulgada e, quando isso ocorre, recebe muito menos destaque.

Agindo assim, o iG soma-se à multidão de acusadores do casal, quando, a meu ver, deveria conter-se, contemplando argumentos e conclusões de acusadores e também de acusados. É verdade que isso não gera muita simpatia, mas jornalismo e popularidade às vezes não caminham juntos. O público raramente tem interesse profundo pelo noticiário, que só empolga as grandes massas quando se torna disputa carregada de melodrama. O jornalismo poucas vezes tem tanto apelo às multidões, em geral apáticas. A tentação de aproveitar é grande, aderindo e liderando o sentimento de indignação. Isso é ainda mais verdadeiro para quem atua na reportagem, atividade relativamente mais ‘quente’ que a dos editores, a quem cabe mais pesar, duvidar e distanciar. Sendo frio e buscando a imparcialidade, o jornalismo está longe de ser perfeito, mas sem eles, se aproxima do pior dos males.

Seja como for, a contribuição de Moreira Leite ao jornalismo do iG é bem mais vasta e positiva do que sugerem essas ponderações. Isso pode ser conferido na lista de suas reportagens mais recentes (leia aqui).

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A rede dos aflitos (22/4/08)

Nada no jornalismo mobiliza uma energia comunitária semelhante à da internet. Como o iG registrou, hoje, logo depois do tremor de terra que afetou regiões do Estado do Rio, São Paulo, Paraná e Santa Catarina, internautas de diversas localidades enviaram mensagens informando sobre suas sensações no momento do abalo. As notícias sobre o tremor induziram aos comentários e a conversa começou imediatamente, como quem sai para a rua e precisa compartilhar a experiência. Como sempre, muitas intervenções tinham aquele tom de pixação de banheiro público, mas a força do meio nessas horas prova-se imbatível. Resta saber se os participantes conseguirão aprender formas de tratamento mais suaves, para que todos possam lucrar com a conversa que se cria. Quanto maior a emergência, maior a importância da rede. Trata-se de uma energia que não deveria ser desperdiçada.

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A entrevista de Dilma e o futuro (do iG) (21/4/08)

iG surpreendeu seus leitores neste domingo: publicou notícia exclusiva e relevante sobre política, com direito a manchete da primeira página.

A rotina foi rompida pela publicação da entrevista ‘pingue-pongue’ exclusiva concedida pela ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Roussef, ao jornalista do iG Ricardo Kotscho.

O mais relevante da entrevista é que nela (leia aqui) a ministra, em meio às conhecidas evasivas, admite, de maneira mais clara do que fazia até agora, a possibilidade de vir a ser candidata a presidente da República nas próximas eleições.

Tão importante quanto o seu conteúdo, porém, é o fato em si de a entrevista ter acontecido e de ela ter sido publicada com tanto destaque (na noite de segunda-feira, o iG ainda mantinha chamada na capa para o evento).

Nesse episódio, o iG encara uma opção sedutora, embora pouco realizada, para a sua personalidade como veículo: a de estruturar-se em torno de um jornalismo próprio, autônomo, insuflado pela busca de informações exclusivas.

O iG vislumbra a possibilidade de vir a se desenvolver plenamente como veículo jornalístico. Não mais principalmente como mero repetidor de informações obtidas por terceiros e parceiros, mas como origem de furos relevantes, disputando com os jornais, revistas, emissoras de TV, rádio e outros portais.

Seria ideal que a vinda de Ricardo Kotscho não seja uma atitude isolada, nem a resposta à situação criada pela saída de Paulo Henrique Amorim, mas que fosse parte de um esforço jornalístico maior.

Sua carreira de jornalista prestigiado poderia, neste caso, servir também como exemplo, para impulsionar o iG em direção à reportagem, à potência do jornalismo.

Seria excelente se Kotscho pudesse ser, além de mais um colunista do portal, seu ‘primeiro repórter’, inspirando um time mais numeroso de jornalistas voltados para perseguir a notícia.

Com seu estilo e trajetória, Kotscho poderia muito bem abrir espaço no iG para a grande reportagem, para os relatos humanos, para os temas e personagens esquecidos.

Ainda não há, porém, outros indícios de que o iG planeje evoluir como veículo nesse sentido e vá adotar as ações necessárias para competir e, quem sabe, suceder os veículos tradicionais.

Certamente, seria isso que os jornalistas do iG gostariam de ver.

Quanto à entrevista de Kotscho com Dilma, faço as seguintes ressalvas:

1. o iG deveria informar na abertura da entrevista que Kotscho foi integrante do governo Lula, sendo amigo do presidente e de muitos membros de sua equipe;

2. a entrevista é excelente ao explorar um dos temas mais relevantes, que é a questão da candidatura presidencial de Dilma, mas não adentra outras áreas incômodas ao governo. Trata apenas ligeiramente dos cartões corporativos e não toca em temas como o recente aumento dos juros ou a venda da Brasil Telecom para a Oi (mais relevante ainda sendo o iG propriedade da BrT), para citar apenas dois exemplos;

3. este ombudsman não tem competência para ser professor de português, mas nota, no texto da entrevista, da palavra ‘taxado’, com ‘x’, onde deveria haver um ‘tachado’, com ‘ch’.

4. a produção de fotos em reportagem do iG é rara e meritória, mas o trabalho tem falhas de iluminação e sombras.’