Saturday, 23 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Sem perspectiva histórica

Excelente o artigo de João Amado sobre ‘a ditadura de Gaspari’. Também achei muito estranho o estardalhaço feito pela imprensa quando do lançamento do livro do Gaspari. Li apenas o primeiro volume e, mesmo sem ser historiador ou ‘intelectual’ famoso, também tive a impressão de que as informações ali eram ou superficiais ou interpretadas sem perspectiva histórica. Parabenizo e agradeço ao OI e ao João pelo texto.

Roberto de B. Emery Trindade, Rio de Janeiro

 

O fulcro da questão

Os Estados Unidos sempre se posicionaram contra o desenvolvimento do Brasil. Eles nos querem fornecedores de matéria-prima. Vargas arrancou a fórceps a usina de Volta Redonda, numa manobra que caracterizou bem a sua maneira de agir. O toma-lá-dá-cá nos colocou na Segunda Guerra Mundial, contra o eixo, com quem Vargas há muito flertava. O que aconteceu depois do conflito, quando os Estados Unidos tornaram-se a maior potência do ocidente e puderam desenvolver amplamente a vocação intervencionista, passou batido para a maioria dos interessados em explicar a conjuntura brasileira.

Foge-se do fulcro da questão. Os americanos eram e são contra o Brasil industrializado, isso é sabido. Só aceitaram participar dos planos de Juscelino, e trazer suas fábricas para cá, após verificar que a Europa e o Japão estavam entrando com vigor total em seu quintal. Boicotaram no passado nossas pretensões, estão boicotando agora e continuarão fazendo isso no futuro. Trata-se de política de Estado, independentemente de o poder estar nas mãos de republicanos ou democratas. Não interessa aos Estados Unidos que se desenvolva um concorrente ao Sul do México. Eles não moverão uma palha para nos ajudar, embora afirmem o contrário, cabe a nós virar o jogo.

Dada a miopia tapuia, cujos governos sempre atenderam aos interesses da minoria, a estratégia americana de solapar projetos desenvolvimentistas está dando certo e, no momento, estamos nos encaminhando para mais alguns séculos de dependência, a um custo humano incomensurável. A elite brasileira, isto é, o lado beneficiado com o processo, como os avestruzes, esconde a cabeça e finge de nada saber. O desmonte das pretensões nacionalistas começou a efetivar-se com o sucateamento da educação pública, após os militares instalarem-se no poder para nos salvar das garras de Moscou, o que é uma falácia das maiores, a classe media brasileira abominava o comunismo.

O que Washington via como perigo era um Brasil educado. Jovens da periferia das grandes cidades estavam sendo preparados para encontrar uma forma brasileira de pensar o mundo. O país logo iria ser capaz de desenvolver tecnologia. Os americanos tremiam ao ver o exemplo do ITA. Imaginem se tivéssemos criado não um, mas 100, 200 projetos parecidos. Esse seria o meio de nos tirar do brejo onde atolamos qual vaca. Mantido – e ampliado – o sistema educacional, em alguns anos, isto é hoje, o Brasil estaria competindo no mercado internacional em escala ampla, como faz nas áreas que lhe foram franqueadas. Teríamos fábricas brasileiras, faturando para o Brasil. Em substituição a essa possibilidade, os governos, militares e pós-militares sem exceção, fizeram o jogo de Washington e o país caminhou. Para trás, como os caranguejos. A educação eficiente foi tachada de exclusivista, em seu lugar criaram o que temos hoje, que prefiro não comentar.

Que futuro nos espera? O que não é visto pela sociedade é que, para Washington, a verdadeira e única subversão, está na educação. Dos comunistas eles se livraram, mas como iriam livrar-se de jovens empreendedores criando indústrias competitivas? Continuaremos exportando soja, como fizemos com o açúcar, com a borracha, com o café e com outros produtos agrícolas cujos preços são fixados nas bolsas de mercadorias da Europa e dos Estados Unidos. O café é um bom exemplo. É um dos produtos mais lucrativos da Alemanha, o maior produtor de café solúvel do mundo. O café em grãos, matéria prima do solúvel, é comprado do Brasil. Ao comparar os preços do produto bruto e do industrializado, verifica-se a razão da prosperidade da Alemanha e da pobreza brasileira. No cômputo final, um operário alemão recebe por mês mais do que recebem dois engenheiros brasileiros. Sem política educacional continuaremos aumentando os muros das casas, para nos proteger dos excluídos, enquanto continuam chegando aviões lotados de brasileiros deportados dos Estados Unidos…

Sidney Borges