Monday, 25 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

O puro exercício do arbítrio

A gente se acostuma com tudo. Até com as coisas mais absurdas, a ponto de esquecer de indagar por que elas são assim e não de outro jeito. Alguém por aqui conhece a razão oficial para que a saída e o retorno de um cubano ao seu país dependa de autorização do governo? (O governo negou autorização para que a blogueira Yoani Sánchez visite o Brasil a convite. É a 19ª vez que Yoani é proibida de sair de Cuba.)

Não, não vale alegar que Cuba é uma ditadura. E que, portanto… Quando me refiro à “razão oficial”, quero dizer: a razão invocada pelo governo cubano. Certamente não será “porque somos uma ditadura”. Jamais uma ditadura se reconhece como tal.

Falei há pouco por telefone com o ex-ministro José Dirceu de Oliveira, amigo do governo cubano e hóspede dele quando foi obrigado a se exilar durante a ditadura militar de 64. José Dirceu desconhece a “razão oficial”.

Falei há pouco por telefone também com o escritor Fernando Moraes, autor do célebre A Ilha, livro lançado em 1976 e que fez um estrondoso sucesso. Fernando desconhece a “razão oficial”.

Vai ver que não existe “razão oficial”. Não faz sentido imaginar que exista o temor de que um cubano aproveite viagem a outro país para transferir dinheiro guardado em segredo. Ninguém ganha em Cuba o que mereça ser expatriado. Não faz sentido imaginar que o governo tema ser alvo de críticas de um cubano que só viajou porque ele permitiu. Depois de 53 anos da revolução, uma crítica a mais não abalará o regime. De resto, se um cubano viajar e falar mal do governo lá fora, naturalmente não desejará voltar. E não o deixarão voltar.

Base de espionagem da CIA

Razão econômica não existe. Nada custa ao governo conceder visto de saída. Pelo contrário. Ele até ganha uns trocados com isso. Sobra um motivo: o exercício do arbítrio em estado puro.

O governo reafirma o poder que detém sobre a vida dos seus governados, premiando com autorização para que viajem os bem comportados e incapazes de lhe criar problemas. Não é o caso de Yoani, reconhecida crítica do regime. Porta-vozes do regime cubano garantem que ela frequenta com assiduidade o escritório do governo dos Estados Unidos, instalado em um prédio de 12 andares cravejado de potentes antenas, no centro de Havana. O escritório não passaria de uma base de espionagem da CIA.

A ser verdade, por que o governo não divulga imagens de Yoani entrando e saindo do prédio? Não haveria maior dano à imagem dela.

***

[Ricardo Noblat é jornalista]