Thursday, 19 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1318

TVE-RS depauperada, funcionários insatisfeitos

São pelo menos 23 as razões – e o fato de o governo estadual do Rio Grande do Sul não ter se pronunciado a respeito – que levaram os funcionários da TVE de Porto Alegre a uma greve de 24 horas, na quarta-feira (23/11), no contexto de um quadro geral da emissora classificado como ‘estágio pré-falimentar’:

1) Câmeras estragadas por falta de manutenção; 2) reportagens perdidas porque as câmeras não gravaram e o áudio foi captado com falhas; 3) fitas arrebentadas no interior das câmeras por exaustão do material; 4) falta de fitas para gravação; 5) diminuição das reportagens e outras captações externas por falta de fitas; 6) falta de fitas digitais para gravação dos programas; 7) trechos de fitas apagados para novas gravações; 8) pauperização da programação local por falta de captação de imagens; 9) equipamentos de edição estragados; 10) ilhas de edição com defeitos que danificam o produto depois de acabado; 11) diminuição da produção de programas com imagens externas; 12) carros sem manutenção; 13) equipes expostas ao perigo em automóveis com manutenção precária; 14) equipes de reportagem empurrando veículos pelas ruas; 15) automóveis presos em blitze de trânsito por falta de pagamento de IPVA; 16) desvalorização dos servidores; 17) três anos sem aumento salarial; 18) utilização de cargos de confiança em funções que exigem concurso público; 19) perseguições e assédio moral por cargos de confiança em determinados setores; 20) computadores desatualizados; 21) aplicativos obsoletos; 22) máquinas defasadas e lentas; 23) falhas na interiorização do sinal e retransmissoras do interior com falhas freqüentes.

Liderados pelos sindicatos gaúchos de radialistas e de jornalistas, os trabalhadores fizeram uma manifestação de 24 horas em frente à sede da emissora, nos altos do Morro Santa Tereza. Desde 3 horas da quarta-feira, os servidores se colocavam diante do prédio da estatal. O objetivo do ato promovido pelas entidades era causar impacto junto ao governo gaúcho e à sociedade, evidenciando a situação de descaso pela qual passam a emissora e seus funcionários, e, de quebra, impedir que a programação local de ser veiculada naquele no dia. A manifestação foi considerada pacífica, apesar das palavras de ordem e a indignação dos grevistas. Funcionários de outras emissoras – SBT, TV Pampa, TV Guaíba e RBS TV – também participaram do ato em solidariedade aos colegas.

Pelo menos na programação da TVE houve conseqüências marcantes. O Jornal da TVE não foi levado ao ar, e a programação da TV Cultura de São Paulo foi exibida, via satélite, em lugar da primeira e segunda edições do telejornal. O programa de variedades Estação Cultura foi exibido em reprise e o jovem Radar teve seu espaço na grade ocupado por clipes musicais.

Durante o protesto, pedras foram colocadas nos trilhos do portão principal da emissora, que também foi trancado com cadeados a fim de dificultar o acesso às dependências de trabalho. Tanto as pedras quanto os cadeados foram removidos por encarregados da emissora.

Em silêncio

A Fundação Cultural Piratini, mantenedora da TVE gaúcha, conseguiu na Justiça uma liminar que determinaria multa de 5 mil reais para cada entidade que impedisse a entrada de qualquer funcionário que desejasse cumprir expediente. O Sindicato dos Radialistas alegou em seu sítio que nenhum trabalhador sofreu pressão para aderir ao movimento e que tudo transcorreu sem agravos.

Segundo Bete Lacerda, delegada sindical da emissora, houve uma adesão de cerca de 80% dos funcionários à paralisação e essa resposta foi considerada ‘surpreendente’. A direção da emissora contestou o dado, alegando uma adesão de, no máximo, 50% do quadro.

Rogério Caldana, presidente da TVE-RS, chegou a classificar a proposta de greve como ‘precipitada e infundada’ durante a semana e afirmou que as relações entre a TVE e os sindicatos são ‘harmônicas’. Caldana também refutou os argumentos sustentados pelas entidades de classe quando acusaram o governo Germano Rigotto (PMDB) de não cumprir os acordos definidos com os trabalhadores. ‘Pelo contrário. Em 2002, o governo Olívio Dutra (PT) estabeleceu acordo e não pagou. Quem pagou foi este governo’, explicou em entrevista ao site Coletiva.Net.

A delegada sindical Bete Lacerda disse que foi feita uma proposta de reajuste de dissídio e que esta não foi respondida pelo governo, apesar de ter havido uma promessa nesse sentido. Já na quinta-feira (24/11), as entidades se reuniram novamente com os trabalhadores para uma assembléia no pátio da emissora, com o intuito de avaliar a manifestação e projetar perspectivas. Nessa assembléia, foi determinado pelos sindicatos e servidores que o governo gaúcho teria prazo de uma semana para apresentar proposta de reajuste salarial e de melhorias na estrutura técnica da estatal educativa.

José Carlos Torves, presidente do Sindicato dos Jornalistas gaúchos, comunicou a decisão ao chefe-adjunto da Casa Civil do Rio Grande do Sul, Pedro Bisch Neto. A direção da TVE divulgou nota na qual informou que a Secretaria da Fazenda do Rio Grande do Sul apresentaria uma proposta aos trabalhadores nos próximos dias e que ‘desconhecia a decisão’ tomada pelos funcionários durante esta assembléia.

Buscando chamar a atenção da mídia e da sociedade gaúchas, a greve foi amplamente divulgada pelos sindicatos. Contudo, nada foi noticiado apesar da presença de repórteres na cobertura da manifestação de quarta-feira. Torves denuncia que o presidente da TVE teria proposto um pacto com diretores de outros veículos para não divulgar e nem dignificar a manifestação dos servidores da emissora educativa – uma espécie de ‘operação abafa’. A informação teria sido confirmada a ele por uma funcionária ligada ao diretor de uma das emissoras.

A exceção foi o SBT, que cobriu e noticiou a greve no telejornal SBT Rio Grande. ‘Ficamos sabendo que a causa disso foi um acordo entre diretores, salvo o SBT. É lamentável que a imprensa tenha esse tipo de atitude’, declarou Torves após a greve. Em entrevista ao Observatório, o presidente do sindicato gaúcho de jornalistas foi além. ‘Todas emissoras fizeram matéria, foram até a TVE, fizeram imagens e entrevistas, mas nada foi ao ar. Esta situação me deixou extremamente preocupado, pois outras notícias de interesse da sociedade podem estar deixando de ir ao ar através de acordo. Principalmente informações que envolvem os movimentos sociais’, reclamou. ‘Este fato é da maior gravidade e põe em xeque a credibilidade da imprensa gaúcha. Este caso não pode ficar limitado apenas aos jornalistas, à greve da TVE e ao nosso corporativismo, mas evidencia a prática de um cartel contra a sociedade.’

Com relação ao fato de o SBT ter sido o único veículo a noticiar a manifestação, uma fonte da ligada à emissora – e que pediu para não ser identificada – explicou que a empresa não abre mão da liberdade editorial: ‘O SBT trata todas as greves de servidores públicos como notícia porque eles prestam serviço à população, que em última instância é quem paga, através dos impostos, os salários e tudo o mais’, disse. ‘Este foi o caso e a notícia foi tratada como qualquer outra do gênero, nem mais nem menos. O objetivo é informar a população.’

Procurado pelo Observatório, o presidente da TV Educativa Rogério Caldana desmentiu a existência de um pacto no sentido de silenciar a iniciativa sindical e afirmou que não teria sido o SBT o único a divulgar a greve: ‘Se existisse pacto, a Rádio Guaíba, a Gaúcha, o jornal Zero Hora, o SBT e a RBS TV, que eu me lembre, o teriam descumprido’, disse. ‘O que existe entre TVE e Sindicato dos Jornalistas é um canal perfeito de comunicação, em que ambos defendem seus respectivos interesses, mas nem por isso deixam de se comunicar.’

Programas de referência

A briga entre as entidades classistas e a TVE gaúcha vinha se desenrolando publicamente há pelo menos um ano. O quadro se agravou com a entrada do advogado Paulo Vasques na presidência da Fundação Cultural Piratini, em abril de 2004. Ele foi considerado inábil para conduzir questões relacionadas à programação e à parte técnica, e sem tato na relação com o governo estadual e sindicatos. Em função disso foi destituído em junho deste ano, dando lugar ao atual presidente Rogério Caldana.

A passagem de pouco mais de um ano pela presidência da emissora levantou mais críticas a Vasques, já que era esperada sua permanência até o final do governo Rigotto, em função de se tratar de cargo de confiança. Ao ser atingido o pico no descaso com a emissora, os sindicatos de jornalistas e radialistas do Rio Grande do Sul lançaram a campanha ‘SOS TVE e FM Cultura’, com painéis de propaganda espalhados por Porto Alegre denunciando a situação de negligência pela qual passavam as emissoras.

Rogério Caldana foi diretor geral de televisão do grupo RBS durante muitos anos, até seguir em 2003 para a TV Vanguarda, afiliada da Rede Globo no interior paulista, com sedes em Taubaté e São José dos Campos, controlada por José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni. Lá, atuou como diretor geral de operações. Após a experiência em São Paulo, Caldana assumiu a TVE gaúcha levando em conta ‘o exemplo da TV Cultura, que nos últimos 20 meses reverteu uma situação de caos e déficit e vive hoje um momento de investimento’.

Logo que entrou no exercício do o cargo, despertou desconforto entre as entidades de classe ao se referir aos funcionários da TVE como ‘colaboradores’ – termo explicitamente usado no grupo RBS para qualificar quem trabalha nas empresas do grupo e não ocupa cargos de gerência ou direção. O Sindicato dos Radialistas reagiu explicando que ‘colaborador é na RBS. Na TVE, é funcionário mesmo’.

Quando questionado por este Observatório sobre a filosofia que impõe distância formal entre chefes e funcionários, assimilada por Caldana em sua experiência na RBS, e sua relação com a suposta ‘operação-abafa’, o sindicalista Torves afirmou que pensa existir relação direta, mas que há também outras razões. ‘Acredito que tem a ver com esta cultura, mas principalmente com uma prática que até agora suspeitávamos, mas não havia evidências tão claras como as que apareceram na greve da TVE’, disse. ‘Quando não nos envolve, acaba acontecendo por baixo do pano. Entretanto, somente veio à tona porque é muito difícil que este tipo de prática que envolve jornalistas ficar em segredo.’

Inaugurada em 29 de março de 1974, a TVE de Porto Alegre não passava por um processo de greve desde 1990. E justamente nesta década, a emissora obteve grande destaque junto ao público com programas como Sete no Ar, revista jornalística apresentada por Bibo Nunes e Vera Armando, que chegou às primeiras colocações no Ibope. Hoje, apesar dos problemas, ainda mantém no ar produções que há anos são referência para seu público, como o infantil Pandorga, o adolescente Radar e Primeira Pessoa, de entrevistas.

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Jornalista