Wednesday, 18 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1318

Eduardo Ribeiro

‘Quem na última semana surpreendeu-se ao ler, neste Jornalistas&Cia – Cenários, informações sobre as mudanças radicais empreendidas nas respectivas carreiras por colegas como Carlos Eduardo Lins da Silva, Maria Helena Tachinardi, Klester Cavalcanti e Francisco Reis, vai continuar a se surpreender esta semana, com as novas revelações que esta coluna vai fazer, mostrando os novos caminhos profissionais de nomes que ajudaram a construir um pedaço da história do jornalismo brasileiro.

Vamos começar pela mais surpreendentes de todas: o velho guerreiro da imprensa econômica, Matías M. Molina, 45 anos de redação, 29 deles vividos na Gazeta Mercantil, despediu-se sem alarde de seu antigo emprego e abriu, nesta segunda-feira (2/2), uma nova página em sua carreira profissional. Ele aceitou o convite e o desafio proposto pela CDN – Companhia de Notícias, a maior agência de comunicação do País, de assumir a coordenação de um novo projeto editorial, denominado Análise de Informações Internacionais. A história de Molina confunde-se com a própria história do vitorioso jornalismo econômico em nosso País e sua saída do dia-a-dia das redações, mais especificamente do jornal que ajudou a transformar num dos mais importantes do mundo, não é um fato corriqueiro e muito menos isolado. Mais ainda pelo fato de sair para trabalhar não em outra redação e sim numa agência, num lado do balcão que nem sempre é (por equivocados preconceitos) bem aceito pelos jornalistas da grande imprensa.

Molina é mais um que se muda, levando consigo 45 anos de experiência e relacionamentos. Polêmico e perfeccionista e um dos mais competentes fazedores de jornal do País, certamente vai permitir à CDN, com seu prestígio e capacidade, bons negócios. Márcia Raposo, atual editora-chefe do DCI e que trabalhou ao seu lado por quase 20 anos, lembra que ainda hoje o chama de ‘meu chefe’ e que ele é ‘um contumaz ranzinza, madrileño, que mais parece um basco’. Formou várias gerações e foi mestre de alguns dos mais talentosos colegas que se firmaram no jornalismo econômico, entre eles a própria Márcia, Roberto Müller Filho, Celso Pinto, Lillian Wite Fibe, Cláudia Safatle, Maria Clara do Prado…

Müller, aliás, costuma dizer brincando que o Molina é ‘o único espanhol liberal de que se tem notícia no jornalismo’. E a Márcia Raposo completa: ‘ele sabe – de cor e salteado – a história das grandes empresas, familiares ou não, do mundo – quem vendeu que parte para quem e em que ano foi, quem quebrou, quando quebrou, etc…, assim mesmo como uma espécie de enciclopédia de negócios ambulante, além de ser um dos maiores conhecedores da história da imprensa brasileira e internacional’.

Na CDN, Molina terá a oportunidade de continuar lidando com informação qualificada e estratégica. A diferença é que produzirá, com a equipe da agência, relatórios para clientes e não mais matérias para jornal. E fará isso acompanhando permanentemente o noticiário dos mais importantes veículos de comunicação do mundo e ouvindo fontes qualificadas dos setores de interesse dos clientes que contratarem o novo serviço. Se isso servir de consolo, a CDN tem hoje uma equipe multidisciplinar integrada por 140 profissionais, com maioria esmagadora de jornalistas.

Wilson Baroncelli

Outro que decidiu buscar novos horizontes profissionais e pessoais foi o colega Wilson Baroncelli. Após 18 anos de Rio de Janeiro e quase 12 como sócio da Franco, Celano & Baroncelli, especializada em publicações empresariais, decidiu regressar para São Paulo, não mais para a Capital, onde construiu grande parte de sua trajetória profissional, e sim para a bucólica cidade de Mairinque, que é relativamente próxima da metrópole, mas não o suficiente para perder o aprazível clima de interior. Lá, em Mairinque, ele pretende estruturar um negócio familiar no ramo de confecções, negócio que tocará em paralelo com suas atividades de comunicação (incluindo consultoria aos atuais clientes da FC&B e mesmo novas parcerias que sejam viabilizadas). Baroncelli, nos seus tempos de São Paulo, passou por grandes redações como Estadão, TV Cultura, Rádio Globo, Editora Abril (revistas Placar e TV Guia), dando também os primeiros passos na área de comunicação empresarial, como assessor de imprensa do Grupo Pão de Açúcar. Foi essa bagagem, aliás, que o acabaria levando à Souza Cruz, aí já no Rio de Janeiro, contratado para o cargo de gerente de Comunicação Empresarial. De lá, quando a empresa decidiu reestruturar a área, aceitou o convite dos colegas Ana Celano e Jackson Franco, para integrar-se à FC&B.

Carlos Nascimento

Nem tão radical assim, em relação à atividade, mas significativa pelo que representa para o mercado, a saída de Carlos Nascimento da Globo, a caminho da Band, é também uma mudança incomum e surpreendente. Afinal ele trocou os holofotes da mais importante empresa de comunicação da América Latina – a Globo – e um dos mais ambicionados cargos do jornalismo brasileiro – âncora do telejornal Hoje – para assumir novo desafio profissional, à frente do jornal da Band, a partir de março. Talvez tenha chegado a hora de começar algo novo, de buscar um novo estímulo, de provar que há vida inteligente também nas demais emissoras, ou quem sabe ele já não estivesse tão satisfeito ou à vontade no trabalho que realiza na Globo, situações que certamente influenciaram sua decisão. Ela agora está tomada, embora o anúncio oficial ainda não tenha sido feito, até porque o contrato de Nascimento com a Globo se encerra apenas em 29/2.

Moacyr Castro

Por fim, um quarto caso, que também é emblemático: a ida do colega Moacyr Castro para a Folha da Região, diário sediado em Araçatuba que circula em toda a região Noroeste do Estado de São Paulo. Moacyr atuou por muitos anos no jornal O Estado de S.Paulo, ocupando funções estratégicas e, de repente, se viu de volta ao mercado, num momento de grave crise. Acabou mudando-se para Ribeirão Preto, onde estava trabalhando como free-lancer, até aparecer o convite da Folha, feito pelo amigo Wilson Marini, que comanda o jornal e com quem havia trabalhado nos tempos de Estadão, anos atrás. É um desafio excepcional para quem trabalhou num dos maiores jornais do País e uma oportunidade de valorizar o trabalho que se faz na imprensa regional, celeiro de novos talentos e que pode ser cada vez mais um estratégico mercado para os jornalistas brasileiros.’

 

MERCADO EDITORIAL

Helena Aragão

‘A dança dos dicionários’, copyright Jornal do Brasil, 4/02/04

‘Depois de perder os direitos de publicação do Aurélio, dicionário que editou por 30 anos, a Nova Fronteira foi à luta. Enquanto o livrão e suas variações, que foram comprados pelo grupo paranaense Positivo, vão ganhar relançamento pomposo amanhã, em Curitiba, a editora carioca anuncia sua mais nova aquisição: o Dicionário Contemporâneo da Língua Portuguesa, de Caldas Aulete.

A publicação, de origem portuguesa, que ganhou adaptação para o público brasileiro nos anos 50, foi comprada da Editora Delta para possibilitar o prosseguimento de um plano ambicioso: a criação de um banco de dados que seja renovado sempre, com mudanças acessíveis diretamente ao público.

– Estamos trabalhando há dois anos nesse projeto. Inicialmente, ele teria ponto de partida nos verbetes do Aurélio. Como não foi possível, faremos a partir do Caldas. O que não representa em absoluto perda de qualidade. Ele tem 200 mil verbetes em cinco volumes, uma abrangência rara – explica o especialista em obras de referência Paulo Geiger, 68 anos, que trabalhou em alguns dos maiores dicionários e enciclopédias do país e supervisiona o projeto da editora Nova Fronteira.

De fato, entre estudiosos, o Caldas Aulete é tido como uma das mais completas obras do gênero.

– Ele é muito bom para quem escreve. Foi meu dicionário de uso diário até a chegada do Houaiss ao mercado, em 2001. Espero que, com a reedição, façam uma versão eletrônica – diz o escritor e professor Deonísio Silva, autor da coluna semanal Língua viva, publicada no JB.

Apesar ser respeitado até hoje, o Caldas Aulete acabou sendo substituído aos poucos das prateleiras brasileiras porque não ganhou atualizações a partir da década de 70. Geiger está trabalhando 11 horas por dia, com o apoio de uma equipe de cinco especialistas e 20 colaboradores, para suprir a defasagem. Depois, quer ir além.

– Vamos produzir um banco de informações ilimitado. Não sabemos exatamente como, mas queremos disponibilizá-lo para instituições acadêmicas. Para o grande público, ofereceremos publicações variadas a partir desse banco. A primeira versão deve ser lançada já este ano – diz ele.

Há ainda a intenção de democratizar o acesso à montagem do dicionário.

– Não se trata apenas de oferecer preços baixos. Também queremos colaboração do público para a captação de palavras. Um dicionário não pode ser elitista. As pessoas vão poder mandar sugestões pela internet, que passarão pelo crivo do lexicógrafo – completa, afirmando ainda não estar preocupado com a concorrência do Aurélio e do Houaiss:

– É a qualidade que faz o nome – diz Geiger.’

 

Claudia Costin

‘A disseminação dos livros’, copyright Gazeta Mercantil, 6/02/04

‘É freqüente ouvirmos alguém afirmar, levianamente, que, se os jovens de hoje não lêem e pouco se interessam pelo rico mundo da literatura, a culpa seria do excesso de informações absorvidas via TV, internet e outras tantas mídias que disputam o interesse dos nossos filhos desde a mais tenra infância. Os resultados do Pisa 2000, um programa internacional de avaliação de qualidade da educação em que se testaram jovens de 15 anos de vários países, não confirmam essa hipótese. Tiramos o desafortunado penúltimo lugar entre os 41 participantes e nos saímos particularmente mal em leitura e interpretação de textos.

Opinião unânime dos especialistas é que esse desempenho se explica pelo fato de nossa juventude não ter o hábito de ler por prazer. Observe-se que boa parte dos demais países tem um acesso maior que o nosso à internet e à televisão. Além disso, aceitar essa tese seria, na prática, admitir que ler é uma atividade monótona e insossa, que perde de longe quando confrontada com o universo multicolorido e acelerado que caracteriza o mundo digital em que vivemos. Não é verdade que muitas de nossas crianças não lêem por culpa dos videogames, do dinamismo da televisão ou da superoferta de efeitos especiais, que ofuscariam as pobres e sisudas páginas da literatura universal.

Uma parte do problema reside certamente no preço e na disponibilidade do livro, o que o torna inacessível para boa parte dos pais e educadores, principais agentes na formação de uma geração de leitores. Segundo pesquisa recente divulgada pela Confederação Nacional de Trabalhadores em Educação, apenas 60% dos professores têm o hábito da leitura, ou seja, quem tem o dever de encantar nossos jovens com os livros não lê. Ademais, nós pais, mesmo os de classe média alta, em geral não lemos o bastante para servirmos de exemplo a essas mentes em formação. Se optamos pela televisão ou pela internet como principal forma de lazer, não é razoável esperar que eles escolham algo diferente.

Por outro lado, observamos que sempre que viabilizamos a oferta de livros aos jovens, especialmente para os que vivem nas condições mais críticas das periferias das nossas cidades, a leitura é bem-vinda e a demanda só faz aumentar. Estão aí as salas de leitura e as bibliotecas implantadas ou ampliadas pela Secretaria da Cultura em todo o Estado de São Paulo, que não nos deixam mentir. Cada vez que surge um novo espaço dedicado às letras os jovens da região beneficiada se mobilizam e se envolvem e demandam mais, especialmente sugerindo autores e títulos que mais dizem respeito à realidade em que vivem. Todo esse movimento se completa com a participação espontânea da população paulista que mensalmente doa cerca de cinco mil livros, entregues nos diversos pontos de coleta espalhados na capital, mostrando, em outras palavras, que o acesso à literatura é muito mais que uma política pública – é também uma ação comunitária geral.

O cidadão anônimo que dá sua contribuição na forma de um livro contribui de forma inequívoca para a disseminação da literatura. Dizer, hoje, que São Paulo poderá ser um estado de leitores não é apenas um mote publicitário – é o início de uma realidade que se mostra cada vez mais possível. Basta prover os meios de acesso a quem nunca os teve. Até junho deste ano, graças à colaboração entusiasmada de todos os nossos parceiros da iniciativa privada e prefeituras, não haverá mais nenhum município paulista sem biblioteca. Isso quer dizer que as 83 cidades que hoje ainda não contam com um espaço de leitura passarão a dispor desse importante meio de acesso à cultura universal. Seremos, com muito orgulho, 37 milhões de paulistas, em 645 municípios, com direito total ao que hoje é visto como um privilégio de pouco mais de 500 mil eleitos.

O acervo de cada uma dessas bibliotecas, vale ressaltar, não é aleatório. Não caímos na tentação fácil de pensar a solução quantitativamente, repassando um monte de obras velhas ou encalhadas, descartadas pelas editoras ou por seus doadores. A lista mínima de títulos foi cuidadosamente estudada por especialistas para reunir o mais amplo painel do que não pode faltar em termos de literatura nacional e internacional. Quem se beneficia das leis de incentivo fiscal do estado faz parte desse time de doadores que ajuda a formar os paulistas de amanhã.

As revistas e os jornais também são bem-vindos, já que nem só de livros se constitui a informação escrita. Ao atrairmos leitores para as notícias do dia-a-dia, estamos, na prática, atraindo-os para o mundo mágico das palavras, da liberdade de pensamento e, por que não dizer, da construção da cidadania. Nesse processo de ampliar cada vez mais o acesso aos livros, até a internet irá ser envolvida. Nesta semana mesmo lançamos o www.leialivro.sp.gov.br, o primeiro portal público de apoio à leitura, especialmente orientado para o público jovem.’

 

Antonio Gonçalves Filho

‘O valor da língua na guerra dos dicionários’, copyright O Estado de S. Paulo, 7/02/04

‘Há 28 anos com a editora Nova Fronteira, o Aurélio, dicionário mais popular do Brasil, passou anteontem às mãos do Grupo Positivo, do Paraná, que adquiriu os direitos de edição, comercialização e distribuição do livro por um prazo de sete anos, renováveis por mais sete. O anúncio, feito em Curitiba pelo diretor-presidente do grupo paranaense, Oriovisto Guimarães, marca uma segunda fase na guerra dos dicionários, iniciada há três anos com o lançamento do Dicionário Houaiss de Língua Portuguesa pela editora Objetiva, o primeiro a ameaçar a supremacia do Aurélio, que já vendeu mais de 40 milhões de exemplares.

O dicionário do professor Antonio Houaiss, morto em 1999 e considerado o maior filólogo brasileiro do século passado, não conseguiu derrubar o do amigo Aurélio, mas a Nova Fronteira promete uma ofensiva com a perda de sua maior grife. A editora carioca acaba de anunciar sua nova aquisição, o Dicionário Contemporâneo da Língua Portuguesa, de Caldas Aulete, 200 mil verbetes em cinco volumes, preparados com a supervisão do especialista Paulo Geiger (leia texto abaixo).

Preocupada com a concorrência, a editora Melhoramentos, dona do Michaelis, que garante 30% do faturamento anual da empresa (R$ 3,5 milhões), promete novidades na próxima edição do dicionário. Uma equipe de 11 lexicógrafos passou os últimos três anos recolhendo 26 mil novas palavras — nem todas candidatas à incorporação, segundo o diretor-geral da editora, Breno Lerner.

Estratégica, a Larousse entra timidamente na guerra e deve lançar o seu dicionário somente no próximo ano.

Viúva do filólogo Aurélio Buarque de Holanda, Marina Baird Ferreira, aos 81 anos, sai ilesa dessa guerra. Ao participar do lançamento do Minidicionário Aurélio pelo Grupo Positivo, anteontem, em Curitiba, fez questão de lembrar que Houaiss, o tradutor do Ulysses, de James Joyce, era amigo do marido Aurélio Buarque de Holanda e adotou seu dicionário como ponto de partida e referência para o dele. Houaiss trabalhou com 140 especialistas – portugueses e africanos, entre outros – e chegou a um total de 228.500 verbetes, quase 70 mil a mais que o Aurélio. ‘Houaiss incorporou muitas palavras arcaicas, em desuso’, rebate dona Marina, responsável pelas edições do dicionário Aurélio com a professora Margarida dos Anjos, desde a morte do marido, em 1989.

Ela vai continuar supervisionando o trabalho dos lexicógrafos. O minidicionário (na sexta edição) lançado pelo Grupo Positivo incorpora expressões idiomáticas ausentes em edições anteriores, como ‘dar com os burros n’água’ ou ‘pisar em ovos’. A última expressão serve para definir a cuidadosa estratégia do grupo paranaense, que se recusa a falar em números.

O diretor da Gráfica e Editora Posigraf, Giem Guimarães, revela apenas o valor gasto com o minidicionário, ponta de lança para novos produtos que virão depois: R$ 500 mil.

A aquisição de uma obra de referência como o Aurélio marca uma nova fase na política de investimento do Grupo Positivo no mercado editorial. Fundado em 1972, em Curitiba, o conglomerado, dividido em três segmentos – gráfico-editorial, informática e educacional -, fatura anualmente R$ 550 milhões. Em todo o País, 2 mil escolas conveniadas compram os produtos didáticos e paradidáticos do grupo parananese, um pacote educacional dirigido a mais de 500 mil alunos, que vai da pré-escola à universidade.

Tendo o grupo como parceiros a Microsoft e a Intel, não é preciso ser adivinho para antecipar o futuro da associação com o Aurélio. A Positivo Informática, braço tecnológico do grupo, que distribui os softwares da Disney no Brasil, vai disponibilizar o dicionário em seu portal educacional e lança, no segundo semestre, a versão eletrônica atualizada em CD-ROM. Em março, o Aurelião, com seus 4 quilos, volta com cara nova, em sua quinta edição, numa capa de cores discretas (cinza e azul com uma pequena faixa amarela).

Antes mesmo do lançamento do filho menor pela Positivo, o Minidicionário Aurélio, 43 mil dos 60 mil exemplares da edição já estavam vendidos. O governo foi responsável por metade das aquisições. Num país em que as editoras disputam as verbas públicas como numa guerra, a dos dicionários deve deixar ainda muitos feridos no campo de luta. Como observador, o usuário só quer saber dos resultados. Seu interesse não é tanto pelo número de verbetes que cada um dos dicionários de língua portuguesa oferece ao consumidor, até porque o vocabulário básico do brasileiro não passa de 1.500 palavras (Machado de Assis usou quatro vezes mais apenas em um de seus romances). Dona Marina, sábia, diz que um bom dicionário se mede pela clareza de seus verbetes. ‘Aurélio era muito rigoroso com a concisão e me obrigava a reescrever inúmeras vezes até chegar ao que ele considerava ideal.’

Quando o Houaiss foi lançado, em 2001, as opiniões sobre o concorrente mais antigo convergiam justamente para o caráter menos enciclopédico do Aurélio.

O filólogo Houaiss parecia mais aberto a incorporações, abraçando arcaísmos, africanismos e regionalismos. Aurélio foi sempre avesso a incorporar gírias de curta duração e cauteloso com estrangeirismos. Preferia ter uma lista condensada de termos cotidianos que uma pilha de vocábulos eruditos.

Dona Marina Baird segue o mesmo raciocínio. O filho Aurélio Baird concorda com o pai e a mãe. Esclarece que o Aurélio não é depósito de uma língua moribunda, mas viva, embora o Minidicionário registre gírias com parcimônia.

Não se pode incorporar palavras que durem apenas uma estação, justifica a viúva de Aurélio Buarque de Holanda. Tampouco admitir termos popularizados pela internet e adaptados de forma capenga para o português, como ‘atachar’ (de anexar fotos ou documentos a uma mensagem pelo correio eletrônico, ausente no Minidicionário). Os dez assistentes de dona Marina estão atentos ao linguajar das ruas, mas cautelosos quando começam a navegar na internet.

Muitos lexicógrafos se afogam nessa tentativa. Nessa rede, peixe experiente não cai.’

 

Beatriz Coelho Silva

‘Nova Fronteira ataca com o ‘Caldas Aulete’’, copyright O Estado de S. Paulo, 7/02/04

‘O Dicionário Contemporâneo da Língua Portuguesa, conhecido como Caldas Aulete, nome da editora lusa que o lançou no fim do século 19, vai ser a base para o banco de palavras que a editora Nova Fronteira criará este ano para seus novos dicionários. A coordenação do trabalho, que já ocupa 20 profissionais, ficará com o lexicógrafo Paulo Geiger, ex-colaborador de Aurélio Buarque de Hollanda e de quase todas as enciclopédias lançadas no Brasil nas últimas décadas. O primeiro livro sai ainda este ano.

O valor da transação não foi divulgado pelas duas editoras, mas o Caldas Aulete vem substituir o Aurélio, cujos direitos de publicação foram da Nova Fronteira para o Grupo Positivo, de Curitiba. Ao todo, haviam oito edições diferenciadas do Aurélio (o Século 21, o mini, o básico, o escolar, adotado pelo Ministério da Educação, a versão eletrônica, o multimídia, o da turma da Mônica e o ilustrado por Ziraldo). Destes, só o eletrônico e o escolar ainda continuam com a editora carioca. Na época, a viúva do dicionarista, Marina Baird Ferreira, ressaltou que não houve litígio entre ela e a Nova Fronteira. ‘Só não renovei o contrato que vinha sendo renovado automaticamente havia 28 anos’, disse ela ao Estado. ‘Os tempos mudaram. É preciso rever as bases estabelecidas desde então.’

Com isso, esses dois Aurélios ainda ficam com a Nova Fronteira pelos próximos anos, mas a editora pretende lançar produtos semelhantes às outras edições com base no Caldas Aulete, que teve sua primeira versão abrasileirada no fim dos anos 60 e ganhou atualização na década de 70, pouco depois do primeiro Aurélio. A partir daí não foi atualizado, o que ocorrerá a partir do trabalho de Geiger.

‘Os novos dicionários serão subprodutos do banco de palavras, nossa meta principal. Lá terá a diacronia e a sincronia de cada termo’, explica Geiger, acrescentando que diacronia é o estudo dos significados que as palavras têm no decorrer dos tempos e sincronia, o que ela significa hoje. Como toda língua viva recebe acréscimos constantes, nem toda palavra nova é ‘dicionarizável’, diz Geiger. ‘Apenas quando entra no código da língua e é preciso sabê-la para entender o que se fala. Não há uma regra sagrada, isso vem do critério e da sensibilidade do lexicógrafo.’

Geiger lembra que, por isso, o banco de palavras nunca é fechado, ao contrário dos dicionários que se baseiam nele, que são rígidos. Mesmo assim, ele reconhece que é preciso partir de uma base e o Caldas Aulete, com 200 mil verbetes, vai além do Aurélio Século 21, com cerca de 170 mil. ‘A idéia do banco de palavras é antiga e o Aurélio seria a nossa base, mas com a decisão de seus responsáveis encerrar o contrato com a Nova Fronteira, tivemos de mudar os planos’, afirma o lexicógrafo. ‘O banco de palavras não estará disponível ao público em geral, mas os primeiros produtos que ele produzir já devem sair ainda este ano. Mas quem decide se será um livro, um CD ou outro suporte é a editora.’

De todo jeito, as cifras serão astronômicas. A parceria do Aurélio com a Nova Fronteira rendeu 40 milhões de exemplares vendidos em três décadas, quase 200 mil delas da última versão, a Século 21, lançada em 1999. Essa experiência comercial será aproveitada pela editora para seu novo produto, mas o Grupo Positivo também tem trunfos. Basta lembrar que, há dois anos, quando a família do economista Roberto Campos decidiu se desfazer da biblioteca dele, os curitibanos cobriram todas as ofertas e levaram a coleção para lá.’