Finalmente uma semana com forte presença feminina no noticiário. Na área política, a briga da ministra da Casa Civil Dilma Rousseff com o ministro da Fazenda, Antonio Palocci. Na área da Educação, a eleição da professora Suely Vilela Sampaio como a primeira reitora da Universidade de São Paulo.
Mas para quem leu jornais e revistas esperando ver o retrato de mulheres poderosas, com idéias inovadoras e uma atuação realmente importante, foi também uma semana de desilusão. O que a mídia mostrou, nas matérias envolvendo mulheres, foi uma ministra manipulada e uma reitora que, em vez de falar de seus planos, gastou o tempo de uma entrevista discutindo preferências pessoais, daquelas que arrepiam intelectuais, como por exemplo as músicas de Julio Iglesias, livros de auto-ajuda ou filmes melosos como Titanic.
A ministra, que ocupa o cargo que já foi o mais poderoso do governo Lula, está lá porque não faz sombra ao presidente. E a reitora, que ficou empatada com outro candidato da USP, parece ter sido escolhida apenas porque o governador ganha pontos em sua campanha à presidência da República no ano que vem.
A mídia talvez não tivesse essa intenção, mas acabou revelando o preconceito de que as mulheres são vítimas quando chegam ao poder.
Veja deixa claro, na matéria de capa dedicada ao ministro Palocci, o papel de Dilma no governo:
‘O presidente gosta do estilo de trabalho de Dilma e já disse a interlocutores que, depois que ela assumiu o comando da Casa Civil, percebeu o erro que cometera ao transformar Dirceu numa espécie de primeiro-ministro. Lula acha que Dilma manda bastante, mas delega, e com isso as coisas funcionam de forma mais adequada do que na gestão de seu antecessor. Além disso, e esse é um dado relevante para quem conhece a personalidade política do presidente, Dilma Rousseff não oferece sombra ao presidente nem ameaça lhe empanar o brilho. Nesse jogo de vaidades públicas, Palocci é uma ameaça bem maior’.
E o jornal O Estado de S.Paulo, na enquete ‘Quem vence a queda-de-braço entre Palocci e Dilma’ mostra, na palavra dos leitores que deram vitória de 80,33% a Palocci, uma imagem pouco agradável da ministra: ‘parece a Zélia, de triste memória’, ‘é uma ex-terrorista que usa seu aprendizado para defender um governo corrupto’, ‘como todo demagogo acha que ainda pode enganar o povo’; e está no poder porque ‘se ficar ruim para o Lula se reeleger, apresentam a Dilma e dizem que é primeira oportunidade de o povo eleger uma mulher’…
A desqualificação da reitora
Suely Vilela, responsável pela pós-graduação da universidade, foi escolhida pelo governador Alckmin ‘por ela ter vencido a eleição e por causa de seu excelente currículo’. Mas, a notícia da Folha de S.Paulo (22/11) acrescenta:
‘Cotado para concorrer à Presidência da República, o tucano também destacou o fato de o novo comandante da USP ser uma mulher. A escolha representa o espaço importante da mulher na sociedade moderna’.
Um papel que, segundo a matéria do Estado de S. Paulo (24/11), será ocupado por uma mulher que gosta de livros de auto-ajuda, só vai ao cinema para não ficar por fora, gasta muito dinheiro em cremes de beleza, não gosta de terapia porque é muito bem resolvida e cogita de fazer uma plástica. Não sabe e não gosta de cozinhar. Segundo o mesmo jornal (27/11), ‘animada com a indicação, a pioneira não ganhou medalha na primeira entrevista que concedeu, já no novo cargo’.
Entrevista que, segundo o Estadão, poderia ter tomado outro rumo. Se a matéria ficou apenas no superficial, deve ter sido culpa da nova reitora:
‘Evita, apesar das perguntas insistentes, dizer o que mudará na USP com uma mulher no poder. Ao constatar o ineditismo de sua eleição, logo após a contagem dos votos que a colocou em primeiro lugar na lista tríplice, falou em mudança de paradigma. Foi só. Depois lembrou seu trabalho na pró-reitoria de pós-graduação e sua propensão ao diálogo. Falou de outras possíveis credenciais que a levaram à vitória. E então, chorou’.
Talvez se a repórter, em vez de insistir na questão da mulher, tivesse tentado saber a que paradigma a reitoria se referia, a conversa tivesse tomado outro rumo. Porque, tão inédito quanto o fato de a nova reitora ser mulher, é o fato de a reitoria ser comandada por uma farmacêutica – uma carreira pouco prestigiada. Mas a partir de agora, graças à imprensa, ela entra para a história da USP como a mulher que gosta de Julio Iglesias, acredita em auto-ajuda e ainda vai fazer uma plástica.
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Jornalista