Ao longo das duas últimas semanas do mês de janeiro, figurou, diariamente, no noticiário nacional a operação da Polícia Militar de São Paulo para cumprir decisão judicial de reintegração de posse do terreno conhecido como Pinheirinho, em São José dos Campos, ocupado há quase oito por cerca de 1,3 mil famílias. A Agência Brasil, por exemplo, postou, entre 18 de janeiro e 2 de fevereiro, 42 matérias abordando o assunto sob diferentes ângulos.
De um modo geral, pode-se dizer que a cobertura feita pela Agência Brasil foi equilibrada, seguindo os parâmetros que regem o jornalismo. Com destaque apenas para notícia veiculada no dia 23 de janeiro, que, desde seu título, “OAB de São José dos Campos diz que houve mortos em operação no Pinheirinho”, mostrou-se inadequada, primeiro, porque atribui a legitimidade da informação a uma declaração feita pelo presidente da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) de São José dos Campos, Aristeu César Pinto Neto, de que ocorrera morte de moradores. Portanto, não nos deteremos na cobertura como um todo, mas apenas nesta notícia específica, pois nos dá a possibilidade de refletir sobre algumas questões recorrentes na prática do jornalismo.
A necessidade, sempre, da apuração
É comum na rotina jornalística não se averiguar, pelo menos de imediato, a informação quando esta é prestada por uma fonte considerada de fé pública. Talvez, por isso, a notícia veiculada pela Agência Brasil no dia 23 tenha atribuído legitimidade à informação, por ter sido prestada por um representante da OAB. Mas, no caso específico desta notícia, a informação, apesar de declarada por uma voz autorizada, não correspondia à realidade dos fatos. Neste sentido, a Agência Brasil errou ao publicar uma informação que não foi apurada, mesmo que ela tenha sido declarada por uma fonte legitimada.
O jornalista tem compromisso com os cidadãos e não pode, sob hipótese alguma, prescindir da apuração da informação. Se a notícia não foi confirmada, não deveria ter sido publicada. Neste caso, o veículo tem que reconhecer o erro e corrigir a informação como forma de atenuar a situação.
O professor da Faculdade de Comunicação da Universidade de Brasília (UnB) Luiz Martins chama a atenção para o que ele denomina de dano adicional, que é quando nem a fonte, nem o jornalista se encarregam de repor a verdade e, portanto, não se interrompe a cadeia sucessória da reprodução do erro.
Luiz Martins faz uma distinção entre erro e abuso. Para ele, “o abuso ocorre quando alguém sabe que a informação é errada e a veicula, assim mesmo, atendendo a algum tipo de interesse escuso. É também um abuso quando o profissional sabe que a informação é improcedente, ou não está checada, mas a veicula assim mesmo, sem se importar com as consequências.” O professor diz que o abuso pode ser cometido também pela fonte que se vale da boa-fé do jornalista ou da falta de informação do profissional de imprensa”. Segundo ele, erros e abusos sempre causarão danos, “pois, mesmo que a correção venha a ser veiculada, parte do público não a receberá e, até que o esclarecimento seja providenciado, muita gente poderá ter feito uso inadequado da informação inverídica. E, como se sabe, “informação é repassada, pois existe o seu uso social”.
Afora a falta de apuração, a notícia também apresenta outra característica muito comum no jornalismo: a espetacularização da informação, em que a notícia é construída para atrair o leitor, não pela informação, mas pela emoção ou pela comoção. O que se oferece nesta situação não é a informação, mas uma forma de espetacularização.
A necessidade de contextualizar o fato
A contextualização do fato, além de exigir do repórter um levantamento, permite que outras informações venham à tona, evitando que o jornalista caia na armadilha da espetacularização. Um simples levantamento do caso ajudaria o jornalista a criar o cenário da notícia, como por exemplo, a matéria publicada pela própria Agência Brasil no dia 01/02/2006, cujo título, “Despejo de famílias sem teto é violação de direitos humanos, defende procuradora”, mostrava a preocupação da procuradora federal dos Direitos do Cidadão, Ela de Castilho, com o possível despejo das famílias que ocupavam o acampamento Pinheirinho. Se tivéssemos seguido a linha da contextualização, daríamos oportunidade à sociedade de se posicionar melhor. Já que é ela que deverá fazer juízo de valor, ao jornalista cabe fornecer a informação.
Se, por um lado, a noticia pela internet exige agilidade na informação, o jornalista tem que se manter atento, porque facilmente poderá ser provocado a dar a notícia errada ou, então, de forma espetacularizada. O jornalista não deve se deixar cooptar pela agilidade com que o jornalismo online acontece. Portanto, a apuração deve ser uma regra permanente, apesar da velocidade que o veículo exige.
De outro, a internet permite também a atualização da informação, que foi o que a Agência Brasil fez no dia seguinte (24/01), ao publicar a matéria intitulada, “Autoridades negam que tenha havido morte durante desocupação em São José dos Campos”. Nela, a agência procura corrigir a informação prestada no dia 23, que divulgara a morte de moradores da área conhecida como Pinheirinho durante o confronto com a Polícia Militar de São Paulo.
Enfim, se não sabemos ao certo o que é o jornalismo público em contraposição ao jornalismo que vem sendo praticado até aqui, pelo menos temos uma indicação clara do caminho possível: a contextualização. Ela é uma indicação segura de onde devemos abordar o assunto.
Até a próxima semana.