O estabelecimento de uma relação institucional entre a Presidência e o Congresso Nacional, poderes constitucionalmente independentes mas politicamente interdependentes, faz parte dos rituais palacianos. Na sessão de abertura de mais um ano legislativo, Dilma Rousseff encaminhou ao Congresso uma mensagem, na verdade uma prestação de contas do que foi realizado em seu primeiro ano de governo e um programa com metas para o segundo ano de mandato. Um livro de 397 páginas que abrange todas as áreas da administração federal.
Em sua introdução, a mensagem palaciana reafirma o que considera o principal capital político do atual governo, a manutenção de taxas de crescimento econômico em meio à um cenário internacional de crise.
Comunicação recebe tratamento técnico
No capítulo Infraestrutura para Todos, desenvolvimento e qualidade de vida, entre Energia, Saneamento, Transporte, e Aviação há um espaço para a Comunicação. O enfoque, como não poderia deixar de ser – se considerado o tratamento dispensado ao tema no primeiro ano do mandato –, foi eminentemente técnico.
No que tange às telecomunicações, a mensagem demonstra que a prioridade da pasta ministerial da comunicação é o Plano Nacional de Banda Larga, bastante modificado da sua versão inicial apresentada no governo Lula. O viés mercadológico explicitado nas poucas linhas do documento enviado ao Congresso, demonstra que a opção do governo foi mesmo colocar a massificação da oferta do serviço de internet banda larga sob comando das empresas privadas.
Quanto ao balanço do trabalho realizado em 2011 no campo da radiodifusão o texto apresentado diz que:
“…o Governo buscou aumentar a eficiência, a transparência e a objetividade de critérios para procedimentos de radiodifusão. Foi divulgada a lista com informações sobre os detentores de outorgas, revistas normas e editadas programações para novas outorgas por meio de planos nacionais. E o Plano Nacional de Outorgas de Radiodifusão Comunitária permitiu a abertura de avisos de habilitação a 431 Municípios que ainda não possuíam emissoras comunitárias.
A revisão do Regulamento de Serviços de Radiodifusão, que data de 1963, teve início em 2011, com previsão de conclusão em 2012, com o objetivo de integrar em um único regulamento os procedimentos relativos a todos os serviços de radiodifusão, seus ancilares e auxiliares, bem como outras evoluções visando à simplificação dos processos de outorga e pós-outorga. No mesmo sentido, pretende-se revisar o regulamento do serviço de radiodifusão comunitária e prosseguir com as ações voltadas à atualização do marco legal das comunicações eletrônicas”.
Os mais otimistas poderão dizer que o parágrafo acima refere-se ao debate do novo marco regulatório para as comunicações. Os mais pessimistas – eu me incluo neste grupo – talvez prefiram usar uma expressão popular para se referir às intenções do governo de abrir o debate sobre o marco regulatório – o gato subiu no telhado.
O texto deixa explicito que já está um curso uma revisão do regulamento que tem o objetivo de simplificar os processos de outorga e pós-outorga. De fato, no final do ano, no lugar de colocar em consulta pública os tais pontos que derivam de um tal projeto elaborado pelo ex-ministro Franklin Martins, o ministério publicou decreto mudando as regras para concessões de rádio e televisões comerciais. Somado a isto, o documento enumera as várias mudanças já iniciadas para a concessão de outorgas de radiodifusão comunitárias.
Mais a frente, a mensagem presidencial faz referência a lei 12.485 “que estabeleceu um novo marco para a comunicação audiovisual de acesso condicionado”, destacando o importante avanço que ela traz para o incentivo à produção audiovisual nacional e de conteúdo independente.
Para bom leitor meia palavra basta, diz outro ditado. O que o governo pretendeu dizer neste documento é que o ministério das comunicações já está renovando o marco regulatório, portanto, o debate público em torno de uma proposta sobre o assunto seria desnecessária e até mesmo extemporânea. Pode ser que algumas medidas sejam coladas para debate com a sociedade, mas serão pontuais e nem de longe se aproximarão do que foi debatido na 1ª Confecom e que está sintetizado nos 20 pontos consignados na plataforma do FNDC. Espero, sinceramente, estar errada.
TV Pública é comunicação de governo?
O balanço da EBC e das emissoras públicas está, na melhor das hipóteses, colocado no lugar errado. O tema foi abordado no capítulo Diálogo social e Cidadania, espaço dedicado para falar das diversas iniciativas da Presidência e do governo no relacionamento com a mídia, na publicidade dos programas sociais e na transparência de suas ações para a sociedade.
Ao tratar os temas relativos à TV Brasil neste espaço, o governo confirma a confusão que existe entre comunicação pública e estatal, e a pertinência da discussão demandada pelas organizações do movimento social no sentido de definir estes conceitos e mais que isso, dotar a TV Brasil de uma gestão de fato independente e com participação social.
2012, o ano que não começou
A mensagem presidencial enviada por ocasião do início de um novo ano legislativo reforça a sensação de que, para o tema das comunicações, 2011 não terminou. Isso porque o compromisso manifestado pelo ministro Paulo Bernardo de colocar em consulta pública pontos relativos ao debate de um novo marco regulatório das comunicações até dezembro de 2011 não foi cumprido. Continuamos aguardando dezembro de 2011, que como já dito em várias situações, por atores sociais diversos, só vai sair do calendário com muita pressão política e mobilização social.
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[Renata Mielli é da Coordenação Executiva do FNDC e da diretoria do Centro de Estudos em Mídia Alternativa Barão de Itararé]