Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

A PM, a mídia e a democracia

A greve dos PMs na Bahia expõe uma velha chaga brasileira. Uma chaga que a imprensa parece não querer entender, muito menos ajudar a extirpar. As PMs foram criadas durante a ditadura para combater a guerrilha urbana. Foram concebidas sob a ideologia da “segurança nacional”, como tropas militares auxiliares e subordinadas ao Exército, para serem usadas no front interno e urbano.

O fim da ditadura deveria acarretar a extinção das PMs, mas não foi isto o que ocorreu. A Assembleia Constituinte contemporizou onde não deveria e acabou se tornando refém de um centrão cujo compromisso político era preservar as coisas como estavam. A preservação das PMs é a prova da capenga reconstitucionalização do país.

As PMs foram os instrumentos da guerra interna contra os dissidentes políticos. E se tornaram os instrumentos de uma guerra interna contra os pobres e indesejados (como vimos nos casos da Cracolândia e do Pinheirinho, em São Paulo). Vez por outra, neste ou naquele estado, a tropa da PM se rebela por questões salariais. Quando isto ocorre, a imprensa parece não saber lidar com a questão.

“Só mafiosos negociam com armas em punho”

Em primeiro lugar é preciso deixar bem claro que este nó só pode ser desfeito com um golpe de espada. Algumas instituições não podem ser reformadas, nem remendadas. Isto é um fato doloroso, mas nem por isto deixa de ser um imperativo histórico. Os vícios originais de sua concepção são tantos e tamanhos que as PMs devem ser extintas. Democracia e pluralismo são incompatíveis com a existência de polícias militarizadas, encarregadas de uma guerra interna urbana e submetidas a uma hierarquia que reforça o poder dos seus comandantes e, portanto, o potencial destrutivo destes quando eles se corrompem. A guerra interna acabou oficialmente quando da promulgação da Constituição de 1988. A sobrevivência das PMs é uma anomalia que tem causado mais problemas do que resolvido os problemas de segurança pública.

Quando trata do problema, entretanto, a imprensa parece não ver isto. Neste momento, alguns jornalistas atacam os grevistas, que realmente exageram e se comportam como marginais; outros lamentam a falta de iniciativa do governador da Bahia, se esquecendo que é preciso defender a soberania popular que conferiu validade ao poder que ele exerce e representa.

No Twitter, vi um cidadão comparar a atuação dos PMs grevistas à dos mafiosos, pois segundo ele “só os mafiosos negociam com armas em punho”. É verdade, só os mafiosos negociam desta maneira, mas entre os mafiosos as greves nunca ocorrem. Afinal, o crime organizado não admite defecções e insubordinações. Entre bandidos estas coisas geralmente acabam no fundo de um rio ou numa sepultura cavada na calada da noite em terreno não consagrado. Os PMs em greve, entretanto, abusam de sua condição de tropa armada sabendo que a sociedade não pode e não vai aniquilá-los como se fosse a máfia.

A democracia resistirá ou será arruinada

Numa democracia, a luta política existe e é admitida, mas tem limite. O limite da disputa política é o bem público e o respeito aos princípios constitucionais. Li na internet que, na Bahia, o PSTU instiga os PMs grevistas a continuarem e ampliarem a greve. O partido trabalha em favor do caos, da indisciplina e, no limite, para dobrar ou derrubar um governador legitimamente eleito. O que o MPF está esperando para pedir na Justiça Eleitoral a cassação do registro deste partido que põe lenha na fogueira como se fosse uma facção terrorista?

O governador está certo em não ceder às pressões dos grevistas. Ele foi eleito pelo povo baiano e o representa. Aqueles que querem acuá-lo cuidam de seus interesses mesquinhos ou desdenham a soberania popular (este parece ser o caso de ACM neto e do PSOL, que surfam na crista da onda grevista com uma discreta ajuda da imprensa). O golpismo de esquerda e de direita instrumentalizado pela greve da PM baiana é evidente e Jacques Wagner deve resistir a isto. Se necessário, deve resistir até mesmo à imprensa, pois aqueles que dão voz e visibilidade a ACM neto e ao PSOL não foram eleitos pelo povo. Aqueles que se insubordinaram, que amedrontaram a população baiana e que tentaram “fazer a cabeça” do governador ou degolar ele politicamente com o uso da força bruta, não pretendem negociar, querem imperar. E numa democracia, o império é e sempre deve ser do povo, do povo que elegeu Jacques Wagner.

Infelizmente, uma parte da imprensa se apressa em desqualificar o governador, desqualificando assim a democracia. O que os adversários da democracia na Bahia querem? Que o estado seja governado por um coronel da PM que mantenha os soldados quietos pagando-lhes os salários que eles desejam? A regressão em marcha é evidente. Na Bahia, a democracia brasileira resistirá ou será arruinada.

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[Fábio de Oliveira Ribeiro é advogado, Osasco, SP]