Friday, 20 de September de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1306

Ana Maria Bahiana

‘Para quem aprecia jornalismo cultural de boa qualidade, a edição de março da Vanity Fair é um banquete. Lamento apenas que exija tradução e uma boa grana, já que é importada – teria prazer inenarrável em indicar uma substituição nacional à altura, mas essa alegria, pelo menos por enquanto, parece longínqua.

‘A guisa de introdução devo esclarecer que tenho, de certa forma, um vínculo pessoal com a VF – Bea Feitler, a artista gráfica brasileira que desenhou a boneca da retomada da revista no começo dos anos 80, era uma amiga, e sua falta, como a de tantas outras pessoas sensíveis e inteligentes prematuramente tiradas do nosso convívio, é grandemente sentida.

Dito isso, acrescento que não me incluo entre as pessoas que choram a partida de Tina Brown. Acho que, na verdade, a VF ficou melhor com Graydon Carter no comando, com uma mistura mais enérgica de estilos e pontos de vista e sem a sombra formidável de uma editora que era tão celebridade quanto os seus perfilados.

Mesmo os sempre fofos ‘perfis de celebridade’ ficaram mais sólidos – e alguns deles com bem posicionados cacos de vidro no recheio.

A edição de março é um bom exemplo de como até mesmo um tema revestido da aura da banalidade – Hollywood e seus rituais de aclamação – pode revelar insuspeitados ângulos novos. O filé mignon do número é uma completa investigação das tramóias sexo-policiais-financeiras de Michael Jackson – Neverland’s Lost Boys /Os Meninos Perdidos da Terra do Nunca – um verdadeiro ‘exposé’ assinado por Maureen Orth, uma repórter investigativa que há uma década acompanha Jackson não como ‘celebridade’ mas como caso de polícia.

Menos óbvio, mas igualmente saboroso, é o perfil (à revelia) de Anthony Pellicao, o ex-’detetive das estrelas’ que se viu atrás das grades depois que o FBI o pegou de mau jeito. Um genuíno brutamontes sob uma tênue camada de glamour, Pellicano emerge como um personagem de Raymond Chandler revisto por Charles Bukowski, a personificação daquilo que a ‘fábrica de sonhos’ pode produzir de mais vulgarmente assustador.

Para mim, contudo, a matéria mais interessante, de longe, é o ensaio de Christopher Hitchens sobre Mel Gibson e sua Paixão de Cristo (‘The Gospel According to Mel’ / O Evangelho Segundo Mel). Hitchens é uma figurinha difícil. Nascido na Grã-Bretanha mas residente de Nova York, ex-socialista que hoje se define como ‘humanista secular’, com uma cultura enciclopédica e sofisticada, Hitchens se tornou célebre por chamar Madre Teresa de Calcutá de ‘uma fraude’ e ‘uma perigosa fundamentalista’.

Pensem um Paulo Francis bem mais jovem e sem o peso do Brasil na bagagem.

No artigo da VF, Hitchens faz barba, cabelo e bigode em Mel Gibson, com a calma e a erudição que o tema – a religião e seu papel na sociedade, hoje – merece. Para Hitchens, mais importante do que definir se o filme é ‘bom’ ou ‘ruim’ – coisa que ele nem tenta – é explorar como dramas pessoais dão forma a impulsos coletivos, qual o pacto implícito na criação e administração de grandes movimentos religiosos, e como as obsessões individuais – o complexo de mártir, a relação complicada com o pai – de um homem muito rico e poderoso – Mel Gibson – podem tocar todos estes nervos sensíveis mas ocultos no nosso tecido social.

Aviso – como diziam os conterrâneos de Hitchens, a trupe de comédia Monty Python – este é um artigo muito capaz de ofender aos facilmente ofendíveis.

(Para uma amostra da mesma linha de raciocínio, leia este ensaio de Hitchens para o site Slate).

Finalmente, esta edição da VF tem um bônus – muitos brasileiros. Rodrigo Santoro está na primeira página e num layout duplo do ensaio fotográfico ‘Coming Attractions’/ ‘As Próximas Atrações’. E, na ‘piece de resistance’ visual da revista – o hall of fame anual fotografado por Anne Leibovitz, Walter Salles e Fernando Meirelles aparecem juntos, posando na porta do Bar Três Coelhinhos (em algum lugar soturno do Rio), apontados como parte da ‘Nuevo Wave’ na qual tambem se incluem Alejandro Gonzalez Iñariitu e Alfonso Cuarón.

Bea Feitler estaria sorrindo.’



JORNALISMO ESPORTIVO
Marcelo Russio

‘Comentaristas são o diferencial’, copyright Comunique-se (www.comuniquese.com.br), 29/03/04

‘Estive pensando no rumo que a função do comentarista vem tomando ao longo dos tempos. No começo, os comentaristas eram muito pouco acionados, já que a figura do locutor esportivo era mais emblemática e forte. Ele dava a cara e a personalidade totais às transmissões, enquanto o comentarista entrava esporadicamente para dar algum dado relevante.

Com o passar do tempo, os comentaristas foram ganhando espaço, até pela melhoria na qualidade das imagens das transmissões. Os locutores passaram a não ter mais muito o que narrar, já que as pessoas viam tudo o que se passava. Isso fez com que a presença deles no local dos jogos fosse muito valorizada, já que o que as câmeras não mostravam eles descreviam para o público, com bastante riqueza de detalhes.

Mas e o comentarista? Mesmo com a presença do locutor no estádio ou ginásio, ele continuava sendo uma figura muito mais secundária do que se esperaria. Não chegava a fazer a diferença, a não ser que fosse uma sumidade, um João Saldanha, por exemplo.

Hoje, no entanto, a figura do comentarista aparece muito mais valorizada. Seja pela falta de um bom número de locutores de primeira linha, seja pelo aumento da quantidade de câmeras transmitindo os eventos, o fato é que hoje comentaristas passaram a ser peças estrategicamente fundamentais para que uma transmissão seja bem-sucedida. Isso mostra que o público que assiste transmissões esportivas passou a valorizar a qualidade do evento. Ele passou a se preocupar com a análise, já que ele mesmo vê o que acontece, em função do avanço tecnológico das transmissões.

O comentarista, portanto, passou a ser nas transmissões o diferencial absoluto. E aí é que entra o meu ponto: temos hoje comentaristas que possam dar ao público o que ele espera? Será que basta a um comentarista ser identificado com a torcida X ou com o estado Y para que ele tenha sucesso e possa fazer a diferença que se espera dele? Eu penso que não.

Hoje um comentarista deve ter, além de carisma – imprescindível a qualquer transmissão esportiva – conhecimento comprovado no assunto que comenta e capacidade de passar ao telespectador ou ao ouvinte a sua análise sem parecer pedante ou pernóstico. Deve fazer o seu público entender o que ele comenta, mostrar que a sua análise está correta e acrescentar algo à percepção dos espectadores.

Por fim, o comentarista deve arriscar. Arriscar palpites, arriscar prognósticos e placares. Deve dar ao público a chance de acompanhar o que ele disse e cobrá-lo, caso tenha feito uma análise incorreta. Resumindo, deve ter opinião, deve comentar o que está acontecendo e o que vai acontecer. Comentar VT não dá, hoje em dia, credibilidade a mais ninguém. Claro, analisar uma partida como um todo faz parte do trabalho dos comentaristas, mas o bom comentarista deve, mesmo, ser capaz de antever o que vai acontecer, o que os técnicos estão tramando durante a partida, e mostrar isso ao seu público durante a transmissão.

Um exemplo do bom comentarista é o notável Wlamir Marques, bicampeão mundial de basquete pelo Brasil. No último Campeonato Mundial masculino disputado em Indianápolis e transmitido pela ESPN Brasil, Wlamir mostrou com perfeição qual deve ser o papel do comentarista hoje em dia. Conhecedor profundo de basquete, ele via como os técnicos montavam suas equipes, as variações de esquema e marcação, e explicava aos telespectadores sem utilizar as expressões ‘posição 1’ ou ‘overlapping’, que ninguém entende direito, a não ser quem joga ou treina, o que não é o caso do telespectador médio. Ele comentava, analisava e sempre previa o que aconteceria. E acontecia mesmo.

Fica, portanto, a lição do velho Wlamir. Comentarista tem que conhecer e saber repassar o que sabe e analisa. Se não fizer isso, pode ser o que for, identificado com quem quer que seja, nunca terá o respeito e a admiração do seu público.

******

Excepcionais os especiais da ESPN Brasil sobre Kaká, o acendimento da Tocha Olímpica e os clubes centenários do Rio de Janeiro feitos pela ESPN Brasil. Além de uma competente equipe, o canal sempre produz especiais muito interessantes e relevantes para o público que gosta de jornalismo esportivo bem feito. Nota 1000, como já é de costume.’



MERCADO EDITORIAL
Vasco Freitas Jr.

‘Índice de leitura do brasileiro ainda é baixo, mas o número de editoras cresce’, copyright Valor Econômico, 26/03/04

‘Uma piada corrente nas rodas de editores, livreiros e escritores pode dar o tom preciso da história da literatura no Brasil. Na véspera do aniversário de um amigo, um rapaz, amante das letras, conta entusiasmado ao colega que vai presenteá-lo com um livro. O aniversariante, constrangido, diz: ‘Obrigado, mas eu já tenho um’. As estatísticas brasileiras mostram, de fato, que a anedota pode ser um retrato fidedigno do brasileiro. O mercado ativo do país é de apenas 17 milhões de pessoas alfabetizadas acima de 14 anos que compraram ao menos um livro no último ano. Ou seja: 10% da população de 170 milhões de habitantes.

É nesse cenário pouco inspirador que será inaugurada a 18ª Bienal Internacional do Livro, no dia 15, em São Paulo. Mas os organizadores estão otimistas. Estimam 600 mil visitantes ao longo dos 45 mil metros quadrados do Centro de Exposição Imigrantes (zona Sul), com 260 expositores e 700 atividades culturais distribuídas em dez dias. ‘Todos os estandes estão comercializados. No fim do ano passado, o mercado editorial acreditava que 2004 seria um ano melhor’, diz Oswaldo Siciliano, presidente da Câmara Brasileira de Livros (CBL), organizadora da Bienal de São Paulo. Em novembro, todos os espaços já estavam ocupados a um custo de R$ 290 a R$ 512 o metro quadrado. Os patrocínios e os apoios variam de R$ 50 mil a R$ 1milhão.

Todos os participantes estão de olhos bem abertos nos leitores ativos, pessoas que leram ao menos um livro nos últimos três meses, número que chega a 26 milhões e corresponde a 30% da população adulta alfabetizada. A média anual de leitura entre os ativos é de 12 obras e a compra per capita de livro não-didático por adulto alfabetizado é de 0,66. Se comparado a países desenvolvidos, a média de leitura por habitante é lamentável. No Brasil, esse índice é de 1,8, contra 7 da França, 5,1 dos Estados Unidos, 5 da Itália e 4,9 da Inglaterra. Em todas as nações desenvolvidas, metade da população é razoavelmente letrada, o que tem favorecido o progresso.

Na Alemanha, a taxa dos chamados analfabetos funcionais, pessoas alfabetizadas, mas incapazes de interpretar um texto de jornal, é de 14%. Nos EUA, é de 21%. Na Inglaterra, é de 22% (para melhorar esta taxa, o governo britânico introduziu a ‘Literacy Hour’ (a Hora da Leitura) no ensino fundamental ). Na Suécia, a taxa é de 7% e, no Chile, 60%. Todas as pesquisas sobre analfabetismo funcional no Brasil apontam para uma história de terror. Estudantes da classe média lêem pior do que operários alemães.

Cesar González, diretor geral, e Pascoal Soto, diretor editorial da Planeta: com sede na Espanha e várias filiais, editora queria entrar no principal mercado latino-americano

O tema mais preocupante do mercado é a retração dos níveis de renda do brasileiro, que apesar de não ter impedido o crescimento do consumo em certas áreas, impôs limites à expansão do mercado geral. As classes ABC representam 95% do mercado editorial de São Paulo. De cada dez não-leitores, sete são de classe com baixo poder aquisitivo e 47% dos alfabetizados declaram ter no máximo dez livros.

A Sociedade Nacional de Editoras de Livros (Snel) indica o efeito colateral desse mercado. O faturamento do setor editorial caiu de R$ 2,27 bilhões contra R$ 2,18 bilhões no ano seguinte, levando-se em conta os preços correntes e as compras pelos programas governamentais. Sem considerar as compras governamentais, o faturamento permaneceu estável a preços correntes (-1%). O número de títulos editados no país ficou próximo dos 40 mil e também apresentou ligeira queda, de 3%, na comparação com o ano anterior (41 mil). Entretanto, houve um aumento de 7% nos exemplares vendidos, totalizando 320,6 milhões. Dos livros editados, 15 mil saíram em sua primeira impressão e 25 mil em reimpressão. ‘O ano de 2002 foi péssimo. O primeiro semestre de 2003 apresentou uma queda de 7% e deve repetir a mesma performance no segundo semestre’, adianta Siciliano.

Para 2004, apesar do crescimento comprometido no primeiro trimestre, cerca de 70% dos associados da CBL avaliam que o setor terá um desempenho superior ao de 2003. A explicação é simples: também na área editorial, o Brasil é um mercado emergente, com potencial de crescimento. As editoras internacionais avaliam que com a expansão das universidades, o número de leitores deve ganhar maior destaque. Esse movimento já é sentido. De 1990 para 2001, segundo dados da Câmara Brasileira do Livro (CBL), o número de títulos publicados anualmente quase dobrou e o faturamento das editoras saltou mais de R$ 1 bilhão. ‘O mercado brasileiro pode crescer 50% nos próximos dez anos’, arrisca Siciliano.

É justamente esse contexto que atraiu as editoras Planeta (Espanha), a Larousse, (França), e a compra da Editora Moderna pelo grupo espanhol Prisa-Santillana. ‘O Brasil não se tornou alvo da Planeta agora. Estávamos considerando o país estrategicamente há mais de quatro anos. O Brasil tem um mercado de 170 milhões de habitantes. Se 20% consumirem já é o mercado da Argentina’, diz Cezar González, diretor geral da Planeta.

Com sede na Espanha e filiais em países como México, Colômbia, Argentina, Venezuela, Chile, Uruguai, entre outros, a Planeta queria entrar no principal mercado latino-americano. Com a bagagem de uma visão global, González estabelece os vícios e as virtudes do mercado. Para ele, a produção gráfica local é de alto nível, mas com um preço alto demais. ‘Não sei se o problema é de escala ou se é porque está tudo concentrado em São Paulo, um local com o custo mais caro. A questão é que nosso preço de capa é balizado por São Paulo’, explica.

Oswaldo Siciliano, livreiro e presidente da Câmara Brasileira do Livro: ‘No fim do ano passado, todos acreditavam que 2004 seria um ano melhor’

Outro elemento complicador para a indústria do livro é o desconto que se é oferecido ao canal de livrarias. ‘As editoras estabelecem o preço de capa e as livrarias pedem um desconto de 50% a 55%. Para termos nossos livros distribuídos, precisamos dessa negociação’, comenta González. Para efeito de comparação, na Espanha esse desconto chega no máximo aos 42%.

O mercado de editores reclama do agravamento da situação por causa do funil de distribuição de livros nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste do país. Ao todo são cerca de 500 editoras para 700 livrarias e 2.500 postos de venda alternativos. O efeito é mais sentido pelas pequenas e microeditoras do que pelas grandes do setor. Por este motivo, a lei nº 10.753 proposta pelo senador e escritor José Sarney é muito bem-vista. Uma das idéias é a previsão de linhas de crédito específicas para a abertura de novas livrarias para favorecer o saneamento das editoras. ‘A lei do livro visa melhorar a distribuição e comercialização do livro. Um dos maiores problemas do Brasil é a dificuldade na distribuição’, diz Siciliano.

Diante desse problema para as editoras, a melhor saída é a venda direta para o governo federal. Apesar dos descontos serem maiores, entre 55% e 65%, a escala de produção é muito superior. ‘Temos mais editoras e livros do que pontos de venda. Somos reféns dos pontos de venda. Com isso, o poder de barganha das editoras é reduzido’, analisa Pascoal Soto, diretor editorial da Planeta.

Em 2002, enquanto o mercado respondia por um faturamento de R$ 159 milhões, o governo era responsável por R$ 162 milhões, mais da metade do total faturado. Mas os livreiros, muitas vezes vistos como atravessadores, já se movimentam contra essa relação direta entre editoras e governos. A Associação Nacional dos Livreiros (ANL) fez um alerta ao setor, no diz que ‘a atuação de editores parece indicar a formação de um monopólio na distribuição e venda do livro, já que os livreiros foram banidos das escolas, das quais eram sempre fornecedores habituais, substituídos por compras feitas diretamente nas editoras’. Segundo o documento, livreiro não edita e vende ao público; editor vende ao livreiro, não ao público. ‘Esta é a equação correta. Qualquer de seus membros que subverta esta ordem está agindo fora dos padrões da ética que devem presidir a relação.’

O governo parece não entrar na briga. A recém-criada Coordenação Nacional de Leitura e Bibliotecas Públicas, subordinada à Biblioteca Nacional, lança em abril o Fome de Livro. O programa terá recursos de milhões obtidos junto ao Ministério da Cultura, à Fundação Biblioteca Nacional, a empresas estatais e a Estados e Prefeituras. A prioridade é encher a barriga de livros dos municípios sem bibliotecas públicas no país, cerca de 1.300. Cada uma deverá ter 2.500 livros, 2.000 deles comuns a todo o país e os restantes ‘contemplando autores e preferências regionais’.

Uma comissão vai definir a compra de cerca de 3,25 milhões de exemplares. A novidade é a presença das pequenas e médias editoras, representadas pelo presidente da Libre (Liga Brasileira das Editoras), Angel Bojadsen. Com essa representação, as editoras independentes poderão entrar na disputa pelo governo. São 323 editoras interessadas, que apresentaram 22 mil títulos (o triplo de inscritos em projeto anterior). ‘No Brasil, temos 500 editoras que produzem com regularidade, mas há mais de três mil que funcionam sem um grande fluxo de produção’, afirma Siciliano.

Mas este não é o único senão. Um outro problema da produção de livro está no custo. O papel, principal elemento do setor, é uma commodity, que tem seu preço variado de acordo com o dólar. ‘A alta da moeda americana fez com que o custo subisse, mas pelo mercado acanhado, o preço não pôde ser repassado ao consumidor final. Segundo a Constituição brasileira o setor editorial é imune ao pagamento do Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), mas muitos não o consideram suficiente’, observa o presidente da CBL.

O custo da produção de livros é uma incógnita. Os editores alegam que a variação é muito diversa. No entanto, a maioria se defende das críticas freqüentes aos preços praticados pelas editoras e livrarias – numa ampla pesquisa realizada no país, intitulada ‘Retrato da Leitura no Brasil’, cerca de 13% dos apreciadores de livros afirmaram que se eles fossem mais baratos leriam mais – O principal argumento é a falta de escala de produção.

Segundo o Banco Nacional de Desenvolvimento (BNDES), um livro médio com 160 páginas e preço de R$ 16 tem seu ‘break even’ na faixa dos 1.600 exemplares. Um livro nas mesmas condições, mas com tiragem de dez mil unidades, tem seu ‘break even’ aos 2.200 livros. ‘Um best-seller nos Estados Unidos já sai do prelo com cerca de 500 mil a um milhão de exemplares. No Brasil, esse mesmo livro traduzido e publicado em brochura tem uma tiragem de cerca de cinco mil’, compara Oswaldo Siciliano. A CBL considera um best-seller um livro com vendagem acima de 20 mil exemplares.

A revista ‘Information Weekly’ revela que o preço médio de um livro nos Estados Unidos é de US$ 25. No Brasil, este mesmo livro sai por R$ 45, cerca de 20% do salário mínimo. A questão é que balança comercial do setor de livros está superavitária. As últimas pesquisas apontam que mais de 90% dos autores de títulos lançados no país são de autores brasileiros, graças aos livros didáticos.

Para enfrentar a crise, os livros religiosos investiram na edição de livros de formato pequeno e de poucas páginas, visando atingir o público de menor nível de renda. Mas não perderam o foco nas produções mais caras, como a ‘Bíblia’, o livro mais vendido do mundo.

Mas não é preciso a ajuda divina para conquistar fiéis de livros. Para atingir este objetivo, estudos internacionais indicam que é necessário perceber que a familiaridade com a leitura não é adquirida de forma espontânea. A experiência mostram, segundo o Ministério da Cultura, que as nações avançadas produzem seus leitores em larga escala. Em todas elas, os fatores infra-estruturais envolvidos na de geração de leitores revelaram-se os mesmos.

O fundamental é nascer numa família de leitores. Mas para difundir nas famílias de todas as classes o hábito de ler para as crianças, há dois caminhos complementares: induzir os parentes a ler com as crianças por meio de programas para instituições de massa e fomentar a difusão de edições de alto valor cultural, alta tiragem, e baixo preço, com formato de bibliotecas familiares, vendidas por meio dos sistemas de distribuição de massa acessíveis ao público mais pobre: as bancas de jornal e o crediário porta-a-porta.

O segundo aspecto é ser instruído num sistema educacional orientado para a implantação do hábito de leitura. Para tanto, é preciso sensibilizar diretores e professores quanto à necessidade de uma política de leitura para as escolas brasileiras. Este é, sem dúvida, o fator primordial para o sucesso de qualquer política escolar. Nada acontecerá sem o apoio ativo da administração da escola e do seu corpo docente. Quem sabe se essas ações forem realmente implantadas, o livro deixe de ser uma piada e se transforme em algo sério no país.’



Ubiratan Brasil

‘Literatura brasileira, solução para o fantasma dos direitos autorais’, copyright O Estado de S. Paulo, 27/03/04

‘O fenômeno já é notado nas livrarias – se antes títulos de autores estrangeiros dominavam as prateleiras, agora os escritores brasileiros ocupam mais visibilidade, chegando, em alguns casos, a ter mais destaque. E, se o detalhe só agora chama a atenção dos consumidores, a tendência é observada pelos editores há mais tempo. ‘Realmente, houve um esfriamento na aquisição de títulos estrangeiros’, confirma Angel Bojadsen, diretor da Estação Liberdade e presidente da Liga Brasileira de Editoras, a Libre, que reúne empresas médias e pequenas. ‘Os motivos são principalmente econômicos.’

Com a crise cambial reiniciada em 1999, o mercado logo começou a sentir os efeitos negativos. Primeiro, o preço do papel importado disparou. E, em seguida, o valor dos direitos autorais. ‘O ponto de partida para qualquer negociação com os agentes são US$ 1 mil ou, dependendo do caso, mil euros’, conta Bojadsen. ‘Mas, normalmente, os melhores contratos são fechados por quantias de, no mínimo, US$ 3 mil.’

Trata-se do primeiro valor desembolsado pelo editor que, depois de fechado o negócio, é obrigado ainda a encomendar a tradução que custa, em média, R$ 4 mil. ‘Depois, para a impressão da primeira tiragem são gastos outros R$ 8 mil para rodar 2 mil exemplares de um livro de 250 páginas.’ Com tanta dificuldade (o livro fica ainda em consignação com as livrarias, que só vão pagar depois de quatro ou seis meses), os editores começaram a buscar alternativas menos pesadas.

A situação ficou evidente também para os agentes literários internacionais, que foram obrigados a modificar sua estratégia. ‘Antigamente, quando eles ofereciam um autor desconhecido, dizendo apenas que ele vendera 50 mil exemplares nos Estados Unidos, o contrato era rapidamente fechado’, conta Luciana Villas-Boas, diretora editorial da Record, uma das maiores do País.

‘Hoje, não basta ter uma boa tiragem no exterior, mas o tema tem de agradar o gosto do leitor brasileiro.’

A Record, aliás, que lança 25 títulos em média por mês, apresenta um histórico que acompanha as modificações do mercado editorial. Em 1995, quando Luciana assumiu seu posto, a editora oferecia um catálogo com 70% de títulos estrangeiros, a maioria americanos. E, entre os nacionais, destacavam-se medalhões como Graciliano Ramos e Jorge Amado. ‘Hoje, já são 50% para cada um e com uma variedade de autores nacionais da nova geração.’’