A décima segunda edição do Big Brother Brasil nos força a pensar no olhar como sintoma do telespectador. Como se o objeto observado (a cena) devolvesse o olhar e mostrasse que ele é apenas uma metonímia (apenas outra forma) que expressa o próprio desejo do telespectador. O desejo (cujo conteúdo é da ordem do inconsciente) que permanece no sujeito como sintoma de um vazio. Numa simples explicação, desejamos justamente aquilo que nos falta, mas de cujo “verdadeiro” objeto que queremos não temos consciência. Nesse movimento impossível para alcançar uma plena satisfação, vamos ao longo da história nos transformando cada vez mais numa sociedade escópica. E o programa da Rede Globo seria apenas mais uma das expressões dessa sociedade, sendo que encontraríamos movimento semelhante quando consumimos telejornais, filmes, videoclipes.
Nesse espaço entre o sujeito e o objeto, ou entre o telespectador e o BBB12, há um olhar preexistente. Esse é talvez o pensamento de Merlau-Ponty em O visível e o invisível, no sentido de que o visível depende do olho daquele que vê, mas há um ser imaginário por trás do olhar. As personagens do BBB12 desempenham papéis semelhantes aos das onze edições já realizadas, mas a repetição ganha repercussão na mídia como se fosse algo novo mobilizando o desejo dos telespectadores (o que pode ser observado nos sucessivos recordes de ligações nos dias de eliminação). Mas isso não explica nada. Ora, o que mobiliza o sujeito a ver o BBB12 não é a mera curiosidade, vontade em entreter-se, nem o endereçamento midiático, mas a presença de um outro, da cena em que se vê vendo-se (há sempre algo no objeto que ao ser percebido mostra algo de mim).
O objeto remexendo o espectador?
Na mesma esteira está o psicanalista francês Jacques Lacan, para quem o objeto percebido devolve o olhar. Podemos entender melhor a partir das investigações do esloveno Slavoj Zizek em Lacrimae Rerum, quando analisa os filmes de Hitchcock e apresenta o terceiro olhar (olhar ausente), expresso pelas cenas em que personagens têm a impressão de que há alguém observando eles mesmos, como nos filmes Janela indiscreta e Um corpo que cai.
Seria esse olhar ausente (na teoria do cinema integraria às câmeras objetiva e subjetiva) que sustentaria, nessa análise, esse olhar devolvido e que funciona como um objeto imaginário com a função de tamponar uma falta do sujeito. Qual falta? Do objeto perdido (para a psicanálise está relacionado com a castração simbólica) que, ao mesmo tempo, é responsável por um vazio que nunca pode ser preenchido. Esse vazio mobiliza nosso desejo (o que faz funcionar os objetos fetiche), mas também desenvolve nossos fantasmas, nossos sintomas, como o olhar ausente nos filmes de Hitchcock, cujo sentido ganha uma expressão fantasmagórica.
Para Lacan, no Seminário 11, “o quadro está certamente no meu olho. Mas eu, eu estou no quadro”.Não seria essa alteridade do sujeito nas coordenadas do campo de visão que mobiliza o desejo. O sujeito (espectador), ao assistir ao BBB12, vê-se no outro (o que mobiliza seu desejo em olhar é o sentido, o sentido que se atribui ao programa que está, antes, no próprio espectador). A suspeita de abuso sexual no BBB12, que mobilizou a mídia de todo o país, não seria o próprio objeto remexendo o espectador?
O olhar de Fernando Pessoa
No senso comum, os reality shows são, muitas vezes, entendidos como programas de voyeurismo. Mas o que deseja o olhar do voyeur? Um olhar que está no limite entre ver e ser descoberto. Quando o voyeur é percebido, passa a ser olhado como um objeto pervertido. Assim não há voyeurismo nos reality shows, mas não há dúvida de que em ambos casos trata-se sempre do desejo de recuperar o objeto perdido, que para Lacan pertence ao registro do real, daquilo que nunca pode ser simbolizado. O telespectador pode até chegar a ter consciência dessa trama e perceber que sempre está assistindo mais do mesmo (como se o neurótico ficasse saturado na sua própria repetição) e, muito provavelmente, ele continuará no seu movimento porque a cena, ou o objeto, são apenas um semblante do que ele realmente busca. É assim que funciona a cadeia de significantes: o sujeito desliza de um significante para outro, de uma imagem para outra, acreditando que encontrará algo que o satisfaça por completo, mas seu gozo está mesmo é nesse incessante movimento.
Os participantes do programa também não estão preocupados com as câmeras captando cada um dos seus movimentos, mas sim, com esse olhar ausente (que neste caso passa a ter um duplo movimento). Nesta situação, somos nós, telespectadores, que nos posicionamos na condição de “objeto a”, objeto de desejo dos participantes.
Talvez quem primeiro tenha descrito esse movimento do olhar tenha sido Fernando Pessoa: “De quem é o olhar/ Que espreita por meus olhos?/ Quando penso que vejo,/ Quem continua vendo/ Enquanto estou pensando?/ Por que caminhos seguem,/ Não os meus tristes passos,/ Mas a realidade/ De eu ter passos comigo?”
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[José Isaías Venera é jornalista, com formação em psicanálise, e professor do curso de Comunicação da Univali/SC]