Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Títulos fora de lugar

O Palácio do Planalto garantiu para os jornalistas credenciados na casa que um dos hábitos preferidos da presidente Dilma Rousseff é o da leitura. Fiquei surpreso. Em agosto de 2010, quando ainda era candidata à sucessão de Lula, numa entrevista gravada, ela foi perguntada sobre seus livros preferidos.

Tentando aparentar naturalidade, domínio do assunto, a candidata disse que dormira na noite anterior justamente abraçada a um livro, que a “impactara” muito. Gaguejou muito até conseguir lembrar o nome do autor. Como um mestre paraense, que passava o lenço pela boca ao pronunciar palavras em outras línguas, Dilma se referiu, por fim, a algo como Sandor Mailaive. Ninguém entendeu. Queria dizer Márai Sándor.

Já o título da obra do escritor húngaro, não saiu. A candidata procurou se lembrar por associação com uma novela da televisão, mas a memória não ajudou. Uma assessora que estava fora de cena (e sem um ponto eletrônico), se agachou ao lado de outra assessora, que estava na mesa, e deu a dica. A informação foi repassada ao pé do ouvido da entrevistada, que, aliviada, declarou em alto e bom som: o livro era As brasas, lançado no Brasil 11 anos antes. Como se tratava de gravação semi-amadora, o cinegrafista registrou a cena. Parecia coisa de Casseta & Planeta.

Ponta da língua

Quem lê livros com certa contumácia jamais entraria nessa saia justa. Simples: saberia do que estava falando. Estaria tranquilo em ambiente do seu domínio. Não pareceu o caso da então candidata do PT. Nem é o caso do governador do Ceará, Cid Gomes, irmão do eterno candidato Ciro Gomes. Obrigado a explicar o que quis dizer ao dizer que fizera um “rolo” com os empresários locais da construção civil, em torno de uma nova linha do metrô de Fortaleza, o governador recorreu aos seus conhecimentos do léxico. O “rolo” cearense teria um sentido distinto de outros “rolos” nacionais. E recomendou ao repórter inquisidor: “Vá ver no Oásis”.

Naturalmente, se referia ao Dicionário Houaiss, do nosso distinto e erudito Antônio, já falecido. O conhecimento que estava na ponta da língua de Cid, como na de Dilma, não era o certo. O bom da cultura é que se conhece logo quem realmente lê livros. E também quem diz que lê, mas não lê. Essa prova dos noves não falha.

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[Lúcio Flávio Pinto é jornalista e editor do Jornal Pessoal, Belém (PA)]