Friday, 29 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1316

Coxinha em promoção

O Boteco do Joaquim, na Cidade Baixa, em Porto Alegre, está dando 50% de desconto na coxinha. Um espeto de “Coxinha da Asa”, que custava R$ 12,50, custa agora R$ 6.

A colunista fugiu de Manhattan para passar o carnaval no Brasil, dirá o leitor. Nada disso, bá. Foi o Boteco do Joaquim que avisou esta guria da promoção. E concluo a afirmação no tom agudo de uma interrogação, como fazem os gaúchos. Uma pena que não posso economizar R$ 6,50 num almoço porque a passagem daqui para o Boteco custa R$ 4.

O email da coxinha é um das centenas que recebo toda semana, um subproduto da vala comum das listas de marketing que são vendidas ou surrupiadas. Pior, são compradas por comerciantes inocentes como se fossem acesso garantido ao público que querem atingir. Não ponho os pés na Cidade Baixa porto-alegrense desde a adolescência, quando um general teuto-gaúcho ainda podia se empanturrar de coxinhas grátis no Planalto.

“Notícia interessante”

Se alguma corporação estiver espionando minha correspondência eletrônica com base num algoritmo, pode montar um perfil em que: eu como coxinha em Porto Alegre; corto o cabelo em Belo Horizonte; compro câmeras no Estado do Maine; passo os fins de semana em Búzios; encomendo pornografia do Estado de Nevada. Enfim, sou uma verdadeira cidadã do mundo, cheia de caprichos e perversões.

Se alguma corporação estiver me espionando? Não posso protestar inocência. Nem preciso olhar debaixo da cama para saber que minha lista de contatos e o conteúdo dos emails são acessados sistematicamente pelos aplicativos do celular e pelo servidor de email.

Seria necessário fazer um voto offline de carmelita descalça para deixar de ser trabalhadora involuntária da indústria digital. Vejamos: o Departamento de Pesquisa do Consumidor (eu entro com a pesquisa, eles faturam) do New York Times me escreveu uma carta tão lisonjeira que, confesso, cliquei no link da oferta. Fui convidada para me tornar membro de um painel de “leitores como você”. A “recompensa”? Oferecer ao Times a minha opinião sobre “tópicos que vão de estilo de vida aos meus interesses”; ganhar pontos para receber prêmios nebulosos; descobrir novos serviços oferecidos pelo jornal. Uau.

O rapaz que operava a banca do jogo do bicho, do meu bairro no Rio de Janeiro, cujo estrabismo sugeria uma constante vigília para se evadir da polícia, não subestimava tanto a minha inteligência. E, ao contrário da escorregadia oferta marqueteira, com o tal rapaz, valia o escrito.

Escuta aqui, New York Times, não é exagero, se eu fosse subitamente privada da leitura diária do jornal, poderia ficar coberta de brotoejas. É impossível ser jornalista em Nova York e não ler o Times. Vá lá, é possível e muitos fazem isso, mas é deprimente. Não basta eu pagar a assinatura, ano após ano? Preciso escrever de graça para o jornal vender publicidade?

E há o email distribuído do Jaguarão ao Tajiquistão, que começa: “Olá, veja que notícia interessante”. Passa pela cabeça de quem redige esses press releases que qualquer repórter vai se atirar à cobertura de uma “notícia interessante”? Especialmente depois de descobrir que o mesmo texto promove um show de forró em Petrolina e a inauguração de uma estação de tratamento de esgoto?

Assessor de marketing

Assim como a praga do email marqueteiro se globalizou, o despreparo de profissionais do ramo que se interpõem entre a notícia e quem escreve sobre ela grassa aqui na capital da mídia americana, onde a competição, teoricamente, é muito maior. Recebo emails perguntando se a reportagem do Estado de S.Paulo sobre um autor famoso vai sair em inglês. Ou se o texto vai sair em “brazilian”. A assessora da mais prestigiada editora americana se mostrou exasperada com a minha insistência em escrever sobre três lançamentos simultâneos da obra de Elizabeth Bishop (hello!), que incluíam um novo texto sobre o Brasil.

Se já acabou a promoção da coxinha, não venham se queixar comigo. Pagar R$ 12 por um espeto bem temperado não é nada diante da faxina diária que sou obrigada a fazer na minha caixa postal eletrônica.

Não sei se o leitor compartilha o meu cansaço, mas a invasão de mensagens que burlam o filtro do spam me dá a sensação de que o telefone de casa não para de tocar e, quando atendo, a voz pergunta: aí é do açougue? Imagino que respondo: É sim. O especial hoje é assessor de marketing. Com desconto para os miolos.

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[Lúcia Guimarãesé jornalista, em Nova York]