‘Muito provavelmente os anos dedicados aos aparelhos sindical e partidário distorceram a visão do ministro de Comunicação e Gestão Estratégia, Luiz Gushiken, a respeito dos deveres do Estado e dos direitos da sociedade.
Só assim se justifica a sua participação especial no encontro do presidente Luiz Inácio Lula da Silva com um grupo de profissionais de imprensa, a propósito da passagem do Dia do Jornalista, na quarta-feira.
O presidente ia bem nas reminiscências sobre a atuação sindical da categoria dos jornalistas, nos anos 70/80, discorrendo acerca de um período que acompanhou de perto como presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo (SP). Até que Gushiken tomou a palavra e entornou o caldo.
Cobrou da imprensa um comportamento mais ‘positivo’ na divulgação dos fatos gerados a partir da administração federal, aludindo à existência de grande demanda social por ‘conhecimento de empreendimentos positivos’.
Segundo ele, ‘o Brasil está preparado para saber de coisas boas’ e, indiferente a isso, a imprensa ‘opera’ com o raciocínio da exploração do contraditório, fomentando, com isso, ‘discórdias, disputas e conflitos de ego’, onde, de acordo com o discurso de Gushiken, existem apenas ‘discussões de idéias’.
Diga-se em defesa do ministro que ele não é uma pessoa dada a discriminações. Seu entusiasmo pelo dirigismo estatal no mundo das idéias e da informação não se manifesta apenas em relação à imprensa.
A primeira confusão que o governo Lula arrumou, ainda nos meses de estréia, foi aquela polêmica sobre a política cultural de condicionamento de patrocínios ao conteúdo das obras. A abordagem não era tão direta, mas o sentido era exatamente o da prevalência da ótica governamental em produções culturais onde fosse aplicado dinheiro público.
Na ocasião, surgiu o mesmo argumento utilizado agora em relação ao noticiário dos jornais, revistas e emissoras: a necessidade de atendimento aos ‘interesses do povo’.
Abstraindo o fato de uma concepção como essa cair especialmente mal num ministro da área de comunicação, Luiz Gushiken impressiona pela parca noção do que seja o papel da imprensa livre num regime de normalidade institucional.
A tarefa de divulgação e informação dos feitos governamentais é de jurisdição oficial. No caso, jurisdição de Gushiken, que, em sua pasta, dispõe de meios e modos previstos no Orçamento para isso.
Imaginar que cabe à imprensa algo diferente da exposição, transmissão e interpretação dos fatos tal como ocorrem, e acreditar que a tarefa dos meios de comunicação seja contar as coisas tal como o governo gostaria que elas fossem contadas é não separar o público do privado. Isso para dizer o mínimo e não entrar no terreno das vocações autoritárias.
Quanto à tese exposta na mesma ocasião pelo presidente Lula – segundo a qual a imprensa precisa ter uma relação mais ‘leal’ com o governo -, conviria apenas que alguém lhe esclarecesse que, descontadas as exceções em cartaz, não há compromisso de lealdade entre o jornalista e o governante.
A relação entre ambos é em tudo e por tudo bastante simples e desenvolve-se sem traumas nem percalços, quando as partes cumprem a recíproca obrigação de agir de acordo com seus compromissos perante a sociedade, sem se preocupar com interseção de propósitos.
Falando claro, em matéria de imprensa e governo, o melhor é ficar cada um com seu cada qual.
Mal comparando Marcos Coimbra, diretor do Instituto Vox Populi, não fica especialmente impressionado com a queda na popularidade do presidente da República, atestada nas últimas pesquisas. Ele acha inusitadas a velocidade e a intensidade da redução dos índices, do início do ano para cá.
Coimbra, no entanto, não acredita que seja caso para o Palácio do Planalto se alarmar. Ele não gosta de comparações – ‘cada um tem a sua história’ -, mas lembra que os presidentes civis da redemocratização não tiveram inícios de governo muito felizes.
José Sarney estava ‘horrível’ junto à opinião púbica no fim do primeiro ano, até a edição do Plano Cruzado; Fernando Collor tomou posse em 1990 e, no ano seguinte, já era motivo de frustração profunda no eleitorado; Fernando Henrique teve um ano de 1995, o primeiro, cheio de infortúnios: matança de sem-terra em Eldorado de Carajás, queimadas gigantescas em Roraima, mortes de pacientes de hemodiálise em Pernambuco.
Houve quem se recuperasse, houve quem se perdesse para sempre. Na opinião de Marcos Coimbra é cedo para antecipar qual desses destinos terá Lula. De uma coisa, no entanto, o diretor do Vox tem certeza: a alta expectativa das pessoas em relação ao governo do PT contribui para a reação negativa de agora.’
Aluizio Falcão Filho
‘Jornalismo e propaganda’, copyright Época, 12/04/04
‘No último 7 de abril, comemorou-se o Dia do Jornalista. Para celebrar a data, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva promoveu uma pequena cerimônia, com dirigentes da Federação Nacional dos Jornalistas e os repórteres que cobrem o dia-a-dia do Planalto. Lula, então, falou sobre o jornalismo e cobrou ‘lealdade’ dos profissionais de comunicação.
Após a fala do presidente, o ministro Luiz Gushiken, responsável pela comunicação do governo federal, resolveu dar sua opinião sobre o que era necessário no jornalismo atual. Para ele, a população ‘tem necessidade de saber dos empreendimentos positivos’. E complementou seu raciocínio: ‘Um critério importante é o da agenda positiva. O cidadão precisa ver o lado positivo das coisas. Leitores, telespectadores e ouvintes estão ansiosos para saber aquilo que germina em termos de coisas boas’.
Um dos truques mais velhos do mundo é descer a lenha na imprensa quando as coisas vão mal. Esse é um comportamento-padrão dos governos pós-64. De Geisel a Collor, de Médici a Fernando Henrique, todos fizeram a mesma coisa. E, em algum momento, cobraram da imprensa a falta de interesse pela tal agenda positiva.
É preciso lembrar alguns pilares básicos do jornalismo para analisar a fala do ministro. O primeiro é simples: jornalistas procuram a verdade, sempre. E a realidade, para quem governa, nem sempre é doce. Outra regra de ouro: na escala de importância dos editores, a realidade tem prioridade sobre os projetos, os fatos de hoje estão acima dos planos sobre o futuro.
Pode-se até especular na imprensa sobre os efeitos benéficos de uma agenda positiva. Trata-se de um assunto importante, mas de fôlego curto. Já os resultados de uma agenda positiva, com casos reais, histórias com gente de carne e osso – isso sim é notícia. Mas dar prioridade na cobertura jornalística a idéias que não saíram do papel, ou que saíram, mas ainda não geraram frutos – isso não é jornalismo. É propaganda do governo.
Para finalizar, uma pergunta. O ministro diz que o povo tem ‘necessidade de saber dos empreendimentos positivos’. Como assim? A afirmação está baseada em quê? Em alguma pesquisa? Ou em sua própria opinião? Propomos o seguinte: caso o ministro Gushiken tenha alguma pesquisa que fundamente suas afirmações, ÉPOCA terá prazer em analisar os dados e publicar uma série de reportagens com os temas em que a população diz ter interesse. Mas se, ao contrário, a frase de efeito tiver apenas intenção propagandística, o ministro continuará pregando sua agenda positiva sozinho.’
Virgilio Abranches
‘Governo refaz propaganda oficial’, copyright Folha de S. Paulo, 8/04/04
‘Repaginada, a propaganda do governo federal sobre o programa de agricultura familiar -que há duas semanas foi veiculada com imagens enganosas- voltou ao ar ontem. A nova peça agora apresenta imagens e depoimentos que tanto o governo quanto a agência de publicidade sustentam ser de beneficiários do programa.
Em nota, ontem, a Secom (Secretaria de Comunicação de Governo) disse que ‘o novo filme foi produzido com as correções solicitadas’ pela secretaria, ‘com tomadas exclusivamente em locações beneficiadas’ pelo Pronaf (Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar).
No último dia 29, reportagem da Folha revelou que, enquanto anunciava os números do Pronaf, a propaganda veiculada inicialmente exibia uma propriedade de 1 milhão de metros quadrados, em Cotia (SP), que nunca recebeu financiamento do governo Lula.
O Pronaf tem como público alvo pequenos agricultores. O objetivo é facilitar a obtenção de crédito a juros baixos. A propriedade exibida no comercial anterior, porém, produz dez toneladas de verduras por dia. Ou seja, não é pequena e não se enquadra nos critérios do programa do governo.
Após a reportagem da Folha, a Secom determinou a retirada da peça publicitária do ar. O marqueteiro Duda Mendonça -responsável pela coordenação da campanha institucional- assumiu a responsabilidade pelo que considerou ter sido uma ‘falha’. A campanha -criada para combater a imagem de paralisia que tomou conta do governo desde o caso Waldomiro Diniz- custou R$ 8 milhões.
Depoimentos
Com duração de um minuto, a nova propaganda tem basicamente o mesmo texto da anterior. Continua afirmando que foram gastos R$ 5,4 bilhões no Pronaf e que ‘isso nunca aconteceu no Brasil’. A novidade são os depoimentos de pessoas que o governo afirma serem beneficiárias do programa e uma legenda identificando o local onde está a apresentadora (a mesma do comercial anterior).
Enquanto fala seu texto, a apresentadora -que também fez a campanha à Presidência de Lula em 2002- caminha por uma área que, segundo a legenda, fica em Ibiúna (cidade vizinha a Cotia).
Ao fundo, há pessoas trabalhando na roça. Na primeira propaganda, os supostos agricultores eram funcionários da propriedade. Cada um recebeu R$ 50 pela simulação. Agora o governo afirma que os trabalhadores que aparecem nas imagens são beneficiários reais do Pronaf.
Há também depoimentos. Três agricultores falam durante a peça. Um de Ibiúna, um de Lagoa Grande (PE) e outro de Francisco Beltrão (PR). Os três elogiam o Pronaf. Um deles, Elídio Ferreira Valente, de São Paulo, diz que o programa é um ‘empurrão’ para o pequeno agricultor.
Procurada ontem pela Folha, a assessoria de imprensa da Duda Mendonça Propaganda informou que os custos da nova peça publicitária foram arcados pela agência. A Folha também tentou falar com os agricultores que aparecem no comercial, mas eles não foram localizados.’
Robert Galbraith
‘Duda refaz campanha’, copyright Meio e Mensagem, 5/04/04
‘A Secretaria de Comunicação de Governo (Secom) suspendeu na segunda-feira, dia 29, a veiculação do filme criado pela Duda Mendonça para o governo federal com o objetivo de apresentar os resultados do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar, o Pronaf. A peça em questão, cuja criação é assinada pelo próprio Duda Mendonça, trazia imagem de uma fazenda que não corresponde a um local em que o programa foi implantado. O governo teria tomado a decisão de tirar a campanha do ar e determinado que fosse feito um exame no material, com objetivo de preservar a credibilidade de suas ações publicitárias. A Secom solicitou esclarecimentos da Duda Mendonça e exigiu a refilmagem da peça com imagens de locais onde o Pronaf de fato atuou, sem qualquer custo adicional aos cofres públicos.
A Duda Mendonça informa que as filmagens com a produtora Resolution já tinham recomeçado, mantendo o roteiro original, mas que a equipe de produção da agência foi demitida. Mário Rosa, responsável pela comunicação da Duda Mendonça, diz que é injusta a alegação de que houve propaganda enganosa. ‘O programa Pronaf existe e beneficia pessoas conforme, as informações da locução. Em nenhum momento se afirma no filme que a propriedade em questão era uma das beneficiadas. Ele acha que a propriedade escolhida para a locação serviu apenas para ilustrar o texto, um recurso que considera comum na linguagem publicitária.’