Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Newton Rodrigues

‘Entramos em mais um feriadão, com direito a procissões, malhação de Judas e ovos de Páscoa, mas continuamos sem bússola, enquanto projeto de governo, digam o que disserem os que dele fazem parte e acham (?) que tudo vai muito bem, obrigado.

Não vai. Sabemos disso e uma nova pesquisa de opinião, dessa vez do Ibope, aponta para mais uma considerável queda na popularidade do pseudo governo de esquerda que o Brasil achou ter escolhido, em outubro de 2002, e na de seu chefe.

O compositor Caetano Veloso está coberto de razão, quando denuncia o governo Lula como mantenedor de um status quo e pouco ousado nas suas ações .

Tudo o que o PT, como oposição, pedia, cobrava e pregava, parece ter se esfumado com quinze meses de governo e o que vemos é, sim, uma inflação controlada, mas a maior taxa de desemprego já vista, pequenas empresas quebrando, o emprego informal espalhado sob os mais diversos formatos e formas, a desesperança, a insegurança e a insatisfação aumentando a olhos vistos.

Um dos setores que mais impressiona pela inoperância, apesar de todas as verbas que recebe, é o de Comunicação Social. O governo tem Luis Gushiken (este como responsável pela Secretaria de Comunicação de Governo e Gestão Estratégica) e o experiente jornalista Ricardo Kotscho na assessoria de imprensa, mas em matéria de fazer propaganda ao contrário, a República ainda não viu nada parecido, como agora a propaganda enganosa sobre a agricultura familiar, em peça oficial já retirada de circulação e de autoria do grupo Duda Mendonça, por exemplo, feita para propagandear o que estaria dando certo no atual governo, com imagens mentirosas.

Gushiken, exatamente no Dia do Jornalismo, criticou a mídia e voltou a insistir que é preciso dar notícias boas, esquecendo que elas, primeiro, precisam existir para que isso ocorra, sob o risco de se estar enganando os leitores.

Parceiros da imprensa, enquanto oposição contumaz e possuidores de um discurso de mudança social que se achava efetivo, os membros do governo PT, em sua maioria, acusam a imprensa, hoje, sempre que ela denuncia ou desagrada os novos czares, embora Lula tenha, na quarta-feira, dito que só queria que se falasse a verdade.

Resta saber qual delas. A que ele, que já avisou não ter os poderes de Deus – embora desde o início parecesse ter achado que estes faziam parte da liturgia do cargo -, gostaria que fosse real, ou a que expõe mazelas e desacertos, reclama de uma agenda positiva consistente, aponta as desavenças internas e tudo aquilo que não tem deixado a máquina funcionar com alguma eficiência; critica, cobra, sugere, pergunta e instiga.

A fotografia estampada na primeira página dos principais jornais do país essa semana, com centenas de foices brandindo em mãos do MST, terras produtivas ocupadas e vegetação sendo derrubada para virar imediatamente plantação de feijão, não deixou de ser inquietante, ainda mais tendo o presidente dito recentemente que a mais do que necessária reforma agrária não será feita no grito.

Distribuir pedaços de terra para o plantio de feijão e mandioca, apenas, não é a solução. E não se fala publicamente em nenhum programa que venha cuidar dos assentados e o que temos sabido é que vendem toda a madeira derrubada, fazem queimadas periódicas e, rapidamente, a terra cedida se exaure. Não há programas simultâneos reais que venham possibilitar qualquer evolução desses grupos, cultural e tecnicamente falando.

Esse erro vem desde o governo FHC. O Tribunal de Contas da União (TCU) acaba de concluir que o governo atual investe pouco na reforma agrária e há famílias com terras, mas isoladas do mundo pela falta de luz elétrica e de estradas. Não há qualquer infra-estrutura.

As ocupações proliferam e as cobranças aumentam. O ministro Miguel Rossetto diz que ‘o campo está em paz’. Pelo que temos visto, só se for naquele em que o presidente Lula bate uma bolinha com os amigos, nos finais de semana.’



HORROR NA MÍDIA
Carlos Heitor Cony

‘Assunto macabro’, copyright Folha de S. Paulo, 7/04/04

‘O assunto é velho e, pior do que velho, macabro. Discute-se, de tempos em tempos, o direito alegado pela imprensa de publicar fotos ou cenas deprimentes ou escabrosas. Na semana passada, muita gente ficou horrorizada com os corpos carbonizados de norte-americanos massacrados no Iraque.

Pouco antes, jornais e capas de revistas publicaram o cadáver esmagado de uma jovem, vítima do atentado em Madri. Ela está de boca aberta, em primeiro plano, outros corpos em volta.

Lembro aquele desastre com um avião, em Paris, no qual morreram Filinto Muller, Regina de Rosemburgo e o cantor Agostinho dos Santos. Uma revista deu na capa a foto em que aparecem os corpos carbonizados de alguns passageiros, ainda sentados na poltronas, enquadrados pelas janelinhas, que ficaram intactas.

E o que dizer dos horrores dos campos de concentração da última guerra mundial, corpos reduzidos a ossos amontoados em carretas, a caminho dos fornos crematórios. Pulando de gênero e grau, o filme de Mel Gibson sobre a paixão de Cristo, que ainda não vi nem verei.

Há duas coordenadas para explicar a insistência com que a mídia, nela incluindo TV, cinema e imprensa em geral, se esponja em momentos assim dramáticos. Uma delas é a agressão ao bom gosto, no pressuposto de que o impacto da imagem tenha um apelo comercial e melhore o consumo do produto, seja o filme, o jornal, a revista ou o programa de TV.

A outra explicação não chega a explicar nada: é o decantado direito de informar, mostrar como as coisas se passaram, para esclarecimento de mentes e corações.

Nos anos 80, como diretor de uma revista ilustrada, recusei comprar uma série de fotos tiradas por uma câmara comandada a distância, mostrando o processo de decomposição do corpo humano na sepultura. A revista fechou, anos mais tarde. Não creio que as fotos recusadas pudessem salvá-la.’