Livre e desimpedido após ser reabilitado pelo Supremo Tribunal Federal, o Conselho Nacional de Justiça volta ao noticiário protagonizando o papel para o qual foi criado: investigar desvios no poder Judiciário.
Em uma página inteira na edição de quinta-feira (23/2) do Estado de S.Paulo, o CNJ anuncia a apuração dos pagamentos de supostos créditos trabalhistas a um pequeno grupo de desembargadores no tribunal paulista.
Foi exatamente esse caso que levou a Associação dos Magistrados Brasileiros a recorrer ao STF, acusando o CNJ de haver quebrado o sigilo bancário de juízes e funcionários do Tribunal de Justiça.
Agora, a corregedoria vai investigar que critérios foram utilizados para privilegiar os juízes que receberem um montante milionário em créditos antecipados supostamente devidos por haverem renunciado a férias e outros benefícios em função do excesso de trabalho.
Calcula-se que cerca de 300 magistrados paulistas receberam esses pagamentos antecipados, mas apenas 29 casos serão analisados mais atentamente, porque envolvem valores muito elevados. Desse grupo, dois desembargadores receberam mais de R$ 1 milhão cada.
Os descontentes
O atual presidente do tribunal paulista havia instaurado um processo administrativo para apurar esses pagamentos, e agora tem o respaldo do Conselho Nacional de Justiça.
A investigação vai destrinchar caso a caso os privilégios concedidos a desembargadores que furaram a fila dos benefícios. Além disso, os responsáveis pela distribuição de dinheiro terão que explicar os critérios de escolha dos contemplados e apresentar as planilhas usadas para calcular os índices de correção monetária. Se forem constatados pagamentos indevidos, os magistrados terão descontados em folha salarial os valores a serem devolvidos.
Segundo o Estadão, há um estado geral de revolta entre juízes que se sentem traídos também pela falta de transparência na escolha dos que tiveram o direito de receber antes dos demais.
Existem casos de magistrados que receberam valores relativamente baixos, com justificativas aceitáveis, e por essa razão só foram divulgados os nomes daqueles que sacaram grandes quantias sob alegações consideradas banais.
Uma boa parte do noticiário que acompanhou a crise do Judiciário desde o final do ano passado foi municiada por juízes descontentes, que são fontes anônimas de repórteres especializados.
Sem recurso
O Judiciário também é parte de noticiário negativo na Folha de S.Paulo, que registra o fracasso de um mutirão nacional que pretendia concluir 143 mil inquéritos sobre homicídios abandonados em todo o país, a maioria deles no Rio de Janeiro. Segundo o levantamento, apenas 3% dos inquéritos abertos até 2007 resultaram na identificação de um culpado.
O Judiciário não pode ser responsabilizado pela impunidade de assassinos, se a polícia não consegue sequer iniciar apropriadamente um inquérito, mas para a opinião geral a culpa pelo mau funcionamento do sistema acaba caindo nos tribunais.
Mas tem todas as características de irregularidade o outro caso envolvendo juízes, publicado pelo Estadão: refere-se à condenação do jornalista Lúcio Flávio Pinto, editor do Jornal Pessoal, com sede em Belém do Pará. Ele foi condenado a pagar indenização por dano moral aos herdeiros do empreiteiro Cecílio do Rego Almeida (que o Estadão chama equivocadamente de Cecílio do Rego Monteiro), morto em 2008, por conta de uma reportagem sobre grilagem de terras públicas.
Mesmo tendo provado que estava certo – porque a Justiça Federal anulou os registros imobiliários de 5 milhões de hectares que o empresário dizia serem seus – Lúcio Flávio foi condenado por chamá-lo de “pirata fundiário”.
A condenação do jornalista se deu em circunstâncias que merecem a atenção do Conselho Nacional de Justiça. Lúcio Flávio Pinto havia recorrido de uma condenação em primeira instância, mas sua defesa foi arquivada pelo presidente do Tribunal de Justiça do Pará, que alegou falhas formais.
O mais bizarro no caso é que a sentença condenando-o por dano moral foi dada por um juiz-substituto que ficou um único dia no posto, tempo que supostamente lhe foi suficiente para ler apenas o processo – de 400 páginas – contra o jornalista. Em oito anos de tramitações, essa foi a única decisão proferida em todo o andamento do caso.
O prazo para recurso ao Superior Tribunal de Justiça encerra-se na terça-feira (28/2), mas Lúcio Flávio já anunciou que não vai apelar. Cansado de lutar, sem condições financeiras, contra os poderosos de Belém, e tendo que arcar com 33 processos em duas décadas de atuação como jornalista, ele vai depender de doações para pagar a indenização aos familiares do empreiteiro.