Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Diga-me com quem andas

A história começou com delírios apoteóticos, durante a visita da presidente Dilma Rousseff a Pequim. Lá, depois de conversar com Terry Gou, dono da Foxconn, que produz equipamentos da Apple na China, o ministro Aloízio Mercadante prometeu o mundo e o céu também: os chineses investiriam US$ 12 bilhões numa fábrica de iPads no Brasil, criando cem mil empregos. Nossos meios de comunicação, que confiam sempre quando sempre deveriam desconfiar, bateram bumbo. E, claro, não era nada daquilo: o investimento não era de 12 bilhões de dólares, não haveria a criação de cem mil empregos, e aliás o dinheiro não seria dos chineses, mas do velho e bom BNDES. Dos chineses, em matéria de dinheiro, só os lucros com que ficariam.

Aos poucos, outras coisas foram aparecendo. A taxa de suicídios entre os funcionários da Foxconn é altíssima; as condições de trabalho, péssimas; os salários, tão baixos que a Apple ameaçou cortar o contrato com a fornecedora se não houvesse um aumento imediato, linear, de no mínimo 25%. Mais: com a falta de ventilação adequada, o explosivo pó de alumínio que saturava a atmosfera andou explodindo e matando operários. Vale a pena pagar esse preço, de usar trabalho mal pago em condições degradantes, para fabricar iPads?

Terry Gou tem suas dúvidas: elogia o potencial brasileiro, mas reclama muito. Diz que o país oferece apenas o mercado interno, de 190 milhões de habitantes, e exige transferência de tecnologia. Ele não disse nada a respeito de, ainda por cima, e com todas as falhas, haver uma legislação que protege os empregados.

Caso Terry Gou venha mesmo para o Brasil, será um empresário importante. Merecerá a atenção da imprensa. Não seria o caso de fazer reportagens antes, para evitar surpresas? Como é que ele enriqueceu, o que fabricava na China antes dos iPads, seu histórico de relações trabalhistas em Formosa? Qual o salário dos operários da Foxconn na China? Fala-se na taxa de suicídios: de quanto é? Certamente entidades internacionais dedicadas ao relacionamento saudável entre empresários e empregados têm informações sobre ele. Como boa parte dos veículos brasileiros de comunicação dispõe de correspondentes internacionais, por que não gastar alguns telefonemas para levantar o perfil do cavalheiro?

E, claro, sempre vale a pena entrevistar quem levantou a bola de Terry Gou, o ministro Aloízio Mercadante. Terá ele retornado ao peculiar hábito de revogar o irrevogável? Terá ele condições de garantir que o proprietário da Foxconn tem comportamento empresarial condizente com as leis brasileiras? E, quanto a Terry Gou, que é que lhe dá o direito de dizer que os brasileiros não trabalham muito, e que ele, o grande Terry Gou, citando suas próprias palavras, vai “dar tecnologia para eles”?

Nem todas as informações estão no Google. Algumas é preciso buscar nas reportagens – e são essas reportagens que fazem a diferença.

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O preço da redução de custos — Mauro Malin

 

Os Terry Gou de antes

Faltaram essas reportagens quando chegaram ao Brasil os magnatas das telecomunicações. Por um lado, ampliaram fortemente a oferta de telefones; por outro, ampliaram fortemente as listas de reclamações por mau atendimento.

Um assíduo leitor desta coluna, Marcelo Lopes, se entusiasmou com uma oferta de O Estado de S.Paulo: um tablete Samsung, mais dois anos de assinatura digital do jornal, mais dois meses gratuitos de banda larga da Claro.

Terminado o prazo de uso gratuito da banda larga, o cliente pediu o cancelamento do serviço, conforme facultado pelo contrato. Primeiro ficou um tempão no telefone, explicando por que não queria mais aquela banda larga, ouvindo propostas diversas (nenhuma o interessou), e finalmente veio o golpe: “Vamos estar fazendo o cancelamento do contrato mas já adiantamos que o sr. vai estar pagando uma multa por estar quebrando o contrato”.

Só que não havia quebra de contrato. Multa por que, então? Nosso leitor armou um escarcéu, pediu para falar com o supervisor, e uns dez minutos depois o atendente concedeu: “Vou estar cancelando sem cobrança de multa. Preenchi aqui seu pedido e não apareceu nenhuma observação sobre a penalização”. Tentaram, ah, bem que tentaram; mas, como o cliente brigou, desistiram de tomar-lhe mais algum.

E que é que essa história tem a ver com o Observatório da Imprensa? Duas coisas:

1. Nossa imprensa fala sobre problemas no Afeganistão, o frio na Europa, a insatisfação do português José Mourinho com o brasileiro Kaká no Real Madrid da Espanha, as dificuldades que acometem a população da Grécia. Mas ignora olimpicamente o que acontece no Brasil. É como se os problemas que atingem diretamente Sua Excelência, seu cliente, o consumidor de informação, simplesmente não dissessem respeito a veículos de comunicação preocupados com o além-fronteiras e às ameaças à paz a 15 mil km do Brasil.

2. A promoção envolvia um grande jornal. Cabe ao jornal, símbolo de respeitabilidade há mais de um século, exigir de seus parceiros em quaisquer promoções o máximo de seriedade e honestidade no trato com os clientes. Quanto à Claro, bem que poderia treinar direito seus atendentes, em vez de apenas ensiná-los a falar daquele jeito horroroso do “vamos estar providenciando”. Mas talvez seja demais estar esperando que as operadoras estejam buscando estar atendendo corretamente seus clientes.

 

Justiça neles!

Outro assíduo leitor desta coluna, João Carlos Alkimin Barbosa, foi deixado ao sol e ao sereno pela operadora que contratou, a NET. Há aproximadamente um mês falham os telefones e a banda larga da NET contratadas pela rádio virtual www.showtimeradio.com.br; e, da segunda de Carnaval até a data em que decidiu ir à Justiça, telefones e banda larga simplesmente silenciaram.

Alkimin lavrou o boletim de ocorrência 1169/2012 no 1º DP de São José dos Campos, SP. A polícia instaurou inquérito com base no artigo 77 do Código de Defesa do Consumidor. Na quarta-feira (22/2), foi feita representação ao Ministério Público, pedindo que apure as práticas da NET. O MP, em certa ocasião, proibiu a Telefónica de vender sua banda larga Speedy até que tivesse condições de normalizar o atendimento a seus clientes. Se a Speedy não pode, por que a NET poderia?

O caro colega não encontrou essas informações na imprensa? Não, claro que não: notícias que acontecem na esquina da casa dos consumidores de informação não chegam por agências internacionais. É preciso descobri-las, apurá-las, botar repórteres na rua, fotografar o que acontece. Não é muito mais fácil pegar uma foto de agência internacional mostrando a fila na porta de uma loja a oito horas de voo do Brasil para comprar um novo gadget eletrônico? Dá menos trabalho, custa menos. Claro que isso também deixa de atrair novos leitores, mas este é um problema a ser resolvido pela próxima geração de administradores de veículos de comunicação.

 

De repente, o problema

Sabe a propaganda do Itaú, do banco sem papel? Claro, embute um truque, igualzinho ao da salvação do planeta pelo fim do fornecimento de sacolinhas de plástico pelos supermercados: se o cliente aceitar a ideia, o anunciante deixa de gastar, sem reduzir o que cobra, e um lucrinho extra é sempre bem-vindo. Mas é um anúncio gostoso, agradável, fofinho – isso para nós, telespectadores. Para a indústria gráfica, pegou supermal. A Abigraf, Associação Brasileira da Indústria Gráfica, se reuniu com diretores do Itaú para reclamar do anúncio. Motivo: nenhuma árvore nativa, dizem, é derrubada para a produção de papel. No setor só se usa madeira de reflorestamento e, portanto, a suspensão dos extratos bancários impressos de maneira nenhuma contribuiria para “um mundo mais sustentável”.

Certas coisas, nos veículos de comunicação, trazem consequências absolutamente imprevisíveis. Certa vez, um grande jornal não recebeu o horóscopo do dia: houve algum problema com o horoscopista oficial. Um dos diretores do jornal preparou então um caprichado horóscopo, parecidíssimo com o que saía diariamente, e que trazia uma recomendação: “O dia não é bom para comer batatinha”. Caiu o mundo: no início da tarde, diversas associações de bataticultores apareceram na redação, para reclamar. Exatamente naquela época, havia uma superprodução de batatas e o horóscopo prejudicaria as vendas.

A solução foi fácil: no horóscopo seguinte e em um outro informava-se que o dia era bom para comer batatinha. Ainda bem: os bataticultores estavam furiosos. Se não viesse uma solução rápida, sabe-se lá o que poderia acontecer.

 

Olha o nível!

A condenação de um jornalista por insulto a um colega é algo que nos deve fazer pensar: da mesma forma que os comentaristas de matérias online, cabe-nos manter o nível mesmo nas discussões mais duras. As pessoas podem ter opiniões divergentes sem, por isso, serem compradas, safadas, ordinárias, vendidas. A luta para desmoralizar uma pessoa, ou colocá-la na cadeia, ou fazê-la perder o emprego, a menos que haja provas fortes de conduta inadequada, é algo indigno: é transferir a discussão do campo das ideias, dos argumentos, do texto, para o campo da polícia, que não é o nosso.

Já houve disputas ferozes na imprensa brasileira, disputas que envolveram duras acusações pessoais. Carlos Lacerda x Samuel Wainer, Wainer x Chateaubriand, Chateaubriand x Matarazzo, João Calmon x Roberto Marinho, Marinho x Lacerda, essas guerras pessoais marcaram a imprensa nos anos 1950 e início dos 60. A consequência? Em 1964, todos perderam – alguns primeiro, outros mais tarde, alguns mais, outros menos. Até empresas que cresceram no regime militar o fizeram à custa de submeter-se a comandos mais altos que o de seus proprietários.

Divergir, discutir, usar termos duros, vá lá; mas é preciso lembrar-se de que o consumidor de informação está mais preocupado com os fatos que o atingem mais de perto. É sempre interessante acompanhar uma briga, mas termina cansando. E acaba-se gastando força, criatividade e verba que deveriam ser usadas na busca de boas notícias, importantes e bem apresentadas.

 

O mundo da bola

Paulo André, zagueiro titular do Corinthians, com passagem pela França, é o autor de O Jogo de Minha Vida – histórias e reflexões de um atleta. Paulo André é um personagem diferente nos campos: ninguém vai encontrá-lo em cabeleireiros especializados em criar modinhas, ou em lojas que vendem caríssimos brincos para jogadores que querem mostrar opulência, nem comandando uma frota de carros de luxo para poder usar um por dia. E, o que é ainda menos comum, Paulo André costuma ler, em vez de passar o dia só no Twitter e no videogame.

Por esses fatores, e mais um – Paulo André joga no Corinthians, o que o torna, para este colunista, ainda melhor – o livro tem tudo para ser bom. Ainda não foi possível lê-lo; mas é muito provável que valha a pena. Lançamento na quinta-feira (1/3), na Saraiva Megastore do Shopping Paulista, SP. Ronaldo Fenômeno, amigo de Paulo André desde a Europa, já confirmou presença.

 

O mundo da toga

Reforçando: na quarta-feira (29/2), lançamento do Anuário da Justiça Federal 2012, a partir das 18h30, no mezanino do prédio dos plenários do STJ, Brasília. A publicação é indispensável para o pessoal da área. É bom confirmar presença pelo e-mail secretaria@consultorjuridico.com.br

 

Boa notícia

Já está funcionando o Espaço Revista CULT, na Rua Inácio Pereira da Rocha, 400, São Paulo. Não é inédito, mas é raro: um centro de educação e cultura, com ampla programação cultural, mais galeria, escola, livraria. Na terça-feira (28/2), o cantor e compositor Lobão (inteligente e divertidíssimo) conversa com o jornalista Marcus Preto. Algumas das personalidades que darão cursos a partir de 1º de março: Márcia Tiburi, Nádia Gotlib, Vladimir Safatle, Igor Fuser, Maria Rita Kehl, Modesto Carone, Noemi Jaffe, só gente de primeiro time e de diversas tendências.

 

Quem sabe, sabe

Este colunista perguntou na semana passada se alguém sabia como o mensalão seria chamado em alemão (afinal, o presidente Christian Wulff caiu por suspeitas de irregularidades). Duas respostas (ambas devem estar corretas):

1. Monatlichgroß

2. Monatsbestechungsgeld

Agora, se formos procurar as outras versões do mensalão em português, como “fundos não-contabilizados”, aí as traduções em alemão tendem ao infinito.

 

Como…

De um importante portal noticioso:

** “Morre aos 74 anos o cantor Pery Ribeiro, filho de Dalva e Dito”

Um engano, claro: Pery Ribeiro, ótimo cantor, é filho da cantora Dalva de Oliveira e do compositor Herivelto Martins, ambos do primeiro time da música popular brasileira. Dalva e Dito é o nome de um restaurante paulistano que, ao que se saiba, não tem nenhum filho.

 

…é…

De um importante jornal especializado:

** “O número de pedidos de seguro-desemprego nos Estados Unidos ficou estável na semana passada em 351 mil. Analistas previam aumento de 7 mil pedidos para 355 mil”.

Este colunista está ficando velho. É do tempo em que 351 mil, mais sete mil, chegariam a 358 mil. Mas, como o jornal é especializado, e os tempos mudam rapidamente, quem sabe a conta dele não está certa?

 

…mesmo?

De um grande portal noticioso, a respeito da briga das torcidas de escola de samba em São Paulo:

** “Representantes de cada escola foram convocados para uma reunião à porta fechadas”.

Pronto, agora sabemos como começou a briga: além da crase indevida que insistia em se imiscuir na frase, uma só porta estava fechadas. Ou seja, faltavam portas para fechar. Aí entrou em cena aquele rapaz que tinha distintivo da escola, que foi fotografado ao lado dos diretores da escola assistindo ao desfile, mas que, como soubemos, não tinha nada a ver com a escola.

 

Mundo, mundo

Nosso mundo é nossa aldeia – esta aldeia em que há assaltos nas ruas, nos restaurantes, nos bares, no trânsito, mas o índice de crimes não para de cair. Este colunista não consegue imaginar outro país no mundo em que policiais façam esse tipo de recomendação, como o fizeram em São Paulo:

** “A Polícia Militar sugere que as pessoas evitem sair de casa com bens muito caros, aparelhos eletrônicos e dinheiro, para não atrair ladrões.”

Isso! As moças devem se vestir com roupas rasgadas e sujas, usar cabelos desgrenhados e pintar de preto uns dois dentes da frente, para livrar-se de eventual assédio sexual. Os rapazes, claro, precisarão aposentar os tênis, objetos de desejo da bandidagem, e optar por chinelos de dedo ou pés descalços (com a vantagem de que, com pés sujos, darão sinais externos de pobreza). Celular, nem pensar. Os desodorantes devem ser abolidos: indicam capacidade de consumo. E aqueles que gostam de boas sorveterias devem levar uma lata de óleo de soja cortada ao meio, para que os bandidos pensem que eles estão comendo restos de prato feito. Importante: nada de fazer cara de quem come coisa gostosa!

Já melhorar o policiamento, nem pensar. E os meios de comunicação, que publicam acriticamente sugestões desse tipo, que é que merecem?

 

E eu com isso?

Se é para ler besteira de quem deveria estar cuidando da segurança pública, melhor ir de uma vez para o noticiário descompromissado. Frufru, pois!

** “Comandante das UPPs é assaltado em carro da PM no Rio”

Pois é: quem mandou o comandante das Unidades de Polícia Pacificadora não seguir os conselhos da PM paulista?

** “Will Smith pode ter caso amoroso com misteriosa brasileira”

** “Lívia Andrade diz que desfilar com seios de fora ‘é mais prático’”

** “Beyoncé convida personal trainer para morar em sua casa”

** “Sabrina Sato diz que Rede TV! não tentou segurá-la”

** “Ex de Katy Perry frequenta aulas de ioga com suposta nova namorada”

** “Às vésperas de ‘Gabriela’, Juliana Paes já teme saudade do filho”

** “Filha mais velha de Madonna surge com o visual raspado”

** “Edifício avança sobre rua em Ceilândia, no Distrito Federal”

** “Val, do ‘Mulheres Ricas’, diz que já teve nome no Serasa”

 

O grande título

O grande evento da semana passada foi o Carnaval, mas os melhores títulos se concentraram na área policial. Há um título bem esquisito,

** “Criança atropelada por jovem morto após acidente segue internada em SP”

Um notável:

** “Presos são soltos”

Refere-se aos cavalheiros presos por provocar tumulto na apuração dos votos no desfile das escolas de samba de São Paulo, e que foram soltos com o pagamento de fiança

Outro esquisito, mas que encabeça uma boa notícia,

** “Responsável pelo atropelamento em massa não quer dirigir novamente”

E o melhor de todos, absolutamente inacreditável, uma frase da ministra dos Direitos Humanos, Maria do Rosário:

** “O assassinato de jornalistas não é tão grande no Brasil”

Sua Excelência tem toda a razão: no Brasil, os jornalistas vítimas da pistolagem costumam ser assassinados apenas uma vez.

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[Carlos Brickmann é jornalista e diretor da Brickmann&Associados]