Em junho próximo teremos, no Rio de Janeiro, a Rio+20, oficialmente nominada Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável. Apesar de ser um evento da maior importância não apenas para o Brasil, mas para todos os 7 bilhões que habitam o planeta, o assunto é ainda pouco abordado na imprensa. No Brasil é quase sempre tratado pelos chamados “ambientalistas da mídia”, aqueles que passam o ano todo reclamando ora do efeito estufa, ora do desmatamento amazônico, ora do uso de sacolas plásticas por redes de supermercados.
Infelizmente o assunto ainda não aterrissou por completo como importante para a vida das pessoas. É, no máximo, interessante para os militantes do movimento verde, por uns chamados ecoverdes e outros… ecochatos.
A Rio+20, por celebrar o transcurso dos 20 anos da realização da celebrada Cúpula da Terra, em meados de 1992, também no Rio de Janeiro, levanta a bola para o jornalismo investigativo. Sim, isso mesmo, investigativo. Afinal, por que esse ramo do jornalismo deve ser atrelado de forma automática apenas a casos de política e de polícia, de corrupção nos governos e nas organizações não governamentais? E o que o jornalismo investigativo poderia fazer tendo como pauta a Rio+20?
Lugar no proscênio
Para começar, poderia apresentar análises respaldadas por infográficos ao estilo “antes” e “depois”. Antes de 1992, como estava o clima planetário? Em que situação era alarmante o buraco da camada de ozônio? E a desertificação da Terra, como era mensurada e em que nível se encontrava? Agora, em 2012, este panorama mudou? Para melhor ou para pior?
Os governos – 178 chefes de Estado estiveram no Rio de Janeiro, em 1992 – criaram políticas públicas factíveis para a proteção e preservação do meio ambiente em seus países? Quais eram os principais orçamentos governamentais para meio ambiente das principais nações do mundo? Estes sofreram reduções ou foram aquinhoados com mais recursos públicos? E, no meio de tudo isso, a quantas caminhou a implementação do Protocolo de Kioto?
São muitas as veredas a serem trilhadas. Existem outras mais: qual o papel das Nações Unidas para implementar as decisões tomadas no Rio de Janeiro 20 anos atrás? E os países membros do Conselho de Segurança da ONU, certamente os mais desenvolvidos, ricos, prósperos e de longe os principais vilões dos problemas ambientais que confrontam o mundo, como têm sido avaliado suas políticas?
Fora esse arcabouço e cenário a serem revelados, temos ainda tópicos urgentes para rechear a agenda da Rio+20, caso o evento seja para valer e não apenas para atender ao desejo de vitrine, tantas e inúmeras vezes suplicadas por organismos não governamentais. É razoável esperar que seja o palco para tornar concreta a meta de dar acesso universal à energia renovável, em 2030, a todo o planeta. Este, outro tema a ser explorado pela mídia: o que vem a ser energia renovável acessível de forma universal a todos os povos?
Grandes eventos, como a Rio+20, tendem a fazer mais espuma que produzir sal. É que os participantes a eles acorrem como espantalhos ansiosos por chacoalhar seus muitos desejos de “isso e aquilo”, sempre levados pela premissa de que se o mundo não acabou ainda, não se preocupem, pois não faltará oportunidade. O mundo mudou muito de 1992 para 2012, e só não percebe quem não deseja perceber – seja porque lhe retira bandeiras históricas de reivindicações, seja porque é arriscado sair de sua zona de conforto mental. Lidamos tanto como os nossos problemas que até já somos amigos deles, e mais: não podemos levar uma vida normal sem tê-los ao alcance de nossos pensamentos e de nossas mãos.
Nesse período de 20 anos o protagonismo político global foi abruptamente alterado: a China e a Brasil de 1992 – e também a Rússia e a Índia – despontaram como líderes naturais de um mundo em franca transformação: seus habitant políticos e econômicos deixaram de ser plateia para ocupar o lugar central do palco. A economia, os mercados, os bancos e as empresas transnacionais receberam um hipotético selo de globalização máxima. E levaram as economias até bem pouco tempo consagradas como sólidas à situação de miséria em que se encontram: várias economias europeias, e também a sempre onipotente economia americana, cavalgam índices de desemprego na casa dos dois dígitos e, como diriam nossos astutos economistas auriverdes, “com viés de alta”.
Fora do gueto
Globalizou-se um sistema pautado na injustiça que sempre foi e continua sendo a lei do mais forte, a velha e arcaica lei dos que tendo muito poder podem oprimir e levar à miséria os que pouco ou nada têm. Esqueceu-se de globalizar os anseios humanos mais nobres, as utopias e sonhos que incendiaram, de quando em vez, períodos históricos que remontam a 1789, 1844, 1945-1948, 1960, 1989.
Nessas datas grandes revoluções aconteceram partindo de dentro para fora. Foram momentos em que a vida da sociedade planetária sofreu fortes impactos estruturantes: a Revolução Francesa com seu tríduo de igualdade, fraternidade, liberdade sepultando reinados e despotismos milenares (1789); a alvorada espiritual de um novo mundo partindo de Shiraz, na Pérsia (1844); a criação da Organização das Nações Unidas e a promulgação da Declaração Universal dos Direitos Humanos (1945-1948); revolução do comportamento humano – música, cinema, movimento da contracultura (anos 1960); o impulso ao movimento da globalização, a queda do muro de Berlim e a independência de quase duas dezenas de nações antes integrantes da URSS.
E nos últimos dez anos vimos o perfil dos governantes sofrer brusca alteração: operário se elege presidente do Brasil, indígena se elege presidente da Bolívia, negro se elege presidente dos Estados Unidos… e muitas mulheres avançam na conquista de principais cargos públicos em muitos países. De fato, o mundo mudou muito entre 1992 e 2012.
Mas como se encontra o meio ambiente do planeta? No que a vida dos cidadãos mudou logo depois da realização da Eco-92? E, de acordo com a resposta, o que podemos esperar que mude na vida desses mesmos cidadãos após a Rio+20?
Há muito a ser explorado pelos meios de comunicações nesses meses que antecedem junho de 2012. É preciso que tema dessa envergadura saia do gueto a que foi enclausurado pelos donos da agenda verde, pelo ecoverdes de sempre e pelos contumazes ecochatos.
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[Washington Araújo é mestre em Comunicação pela UnB e escritor; criou o blog Cidadão do Mundo; seu twitter]