Monday, 25 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Jornais anunciam retorno do Projeto Rondon

‘Recriamos um Rondon com a cara do Brasil de hoje’ – disse o presidente Lula na cerimônia de lançamento do projeto em Tabatinga (AM), no dia 19 de janeiro. Instituído em 1967 e extinto em 1989, durante o regime militar, o programa foi retomado pelo governo federal este ano a pedido da União Nacional dos Estudantes (UNE). Com o objetivo de coletar dados e apontar soluções para os problemas das populações de 13 municípios amazonenses, estudantes e professores de 40 universidades brasileiras seguiram para o norte do País, rumo ao extremo oeste da Amazônia. Em janeiro, mês de seu lançamento, o Projeto Rondon esteve na pauta de 44 jornais e incitou a publicação de 213 textos.

A análise dessa amostra permitiu avaliar quais textos – entre reportagens, artigos e colunas assinadas – tiveram, de fato, o programa como foco e quais apenas mencionaram a iniciativa ou trataram-na em segundo plano. O levantamento revelou que 65,3% do universo em questão abordou essa política pública como assunto principal. O restante (34,7%) tratou-a como tema secundário ou citou-a simplesmente.

Entre os 213 textos analisados, percebe-se que a maioria é constituída por reportagens, grande parte das quais sem assinatura. Geralmente, o fato de um texto ser assinado valoriza não só o autor mas o próprio assunto abordado, e o grande número de matérias anônimas pode denotar informações repetidas repassadas por agências de notícias e uma abordagem mais simplista. Nesse contexto figuraram muitas reportagens que trataram do Projeto Rondon em janeiro. Impulsionados pela cerimônia de lançamento da nova versão do programa, jornais de 22 estados brasileiros e do Distrito Federal deram espaço à novidade – que foi anunciada de maneira bastante homogênea por veículos das diferentes regiões do País.

Cobertura factual

No relançamento do Projeto Rondon, em Tabatinga, o presidente Lula em seu discurso convocou os estudantes a ajudarem a combater as desigualdades sociais. Dias antes, os rondonistas, denominação dada aos voluntários do programa, tiveram aulas de sobrevivência na selva. Assuntos como esses foram o foco de um grande volume de matérias em janeiro. Na cobertura do período, ficou visível o desequilíbrio entre o número de relatos factuais e de debates mais conceituais e aprofundados.

Não há problema algum em dar destaque a acontecimentos e eventos oficiais. Ao contrário, reportar esse tipo de notícia cumpre uma função social: a de informar o cidadão sobre as ações do governo e explicar o funcionamento dos programas implantados. A retomada de um antigo (e polêmico) projeto como o Rondon possibilita, sem dúvida, a elaboração de textos mais complexos do que a mera repercussão do discurso do presidente durante a cerimônia de lançamento. A mídia poderia ter ultrapassado o factual, ouvindo especialistas que avaliassem melhor a iniciativa.

Um exemplo de matéria que aproveitou o retorno do programa para discutir questões correlatas mais amplas é a reportagem ‘Zona Franca Verde, uma esperança’, publicada em 30 de janeiro pelo jornal O Estado de S. Paulo. Escrito pelo repórter José Maria Mayrink, o texto apresenta problemas diagnosticados por estudantes rondonistas em visita ao município Benjamin Constant (AM). Falta de saneamento básico, atendimento hospitalar precário e o complexo tecido social da cidade – composto por indígenas e peruanos – foram algumas temáticas abordadas na matéria.

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Número de veículos monitorados: 64

Número de veículos que trataram do Projeto Rondon em jan/2005: 44 jornais

Número de textos que abordaram/mencionaram a iniciativa: 114

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Ditadura do Executivo

Desde setembro de 2004, quando a ANDI começou a acompanhar o tratamento dado pela grande mídia a algumas políticas públicas de juventude, é visível o predomínio do Executivo como ator ouvido nas matérias. Repetindo essa tendência, ao cobrirem o Projeto Rondon em janeiro, os jornalistas recorreram majoritariamente a pessoas ligadas a essa esfera do Poder. Do universo total de vozes ouvidas, o Executivo fica com a parcela de 41,4%, seguido por jovens (19,8%) e Forças Armadas e professores de universidades – ambos representando 9,9%.

No que concerne ao segmento jovem, faz-se necessário especificar que foram ouvidas mais garotas que rapazes. Nos textos é possível identificar a fala de 28 meninas e de 16 meninos. Considerando-se que elas também constituíam maioria entre os participantes do Rondon, essa disparidade não chega a surpreender.

Além do predomínio de vozes do Executivo, a cobertura de janeiro revela ainda outra fragilidade: não preza pelo chamado ‘Princípio do Contraditório’. Essa pode ser uma das explicações para o fato de a maioria das matérias não conseguir uma abordagem mais reflexiva e contextualizada. Apesar de muitas delas apresentarem mais de um ator ouvido, as vozes não destoam nem chegam a polemizar a discussão. Na maior parte das vezes, as fontes compartilham da mesma opinião e discorrem sobre questões pessoais e factuais – como a da rondonista que levou repelente de insetos na viagem.

Políticas públicas de participação

Ao lado de iniciativas como o programa Agente Jovem, o Projeto Rondon figura como política pública nacional de incentivo à participação social de jovens. É importante que a mídia trate desses programas e ajude a agendá-los na sociedade e no governo. Como defende o educador Antonio Carlos Gomes da Costa no livro Protagonismo Juvenil: adolescência, educação e participação democrática: ‘A adolescência é o momento da vida em que as novas gerações devem sair do particularismo de seus problemas pessoais, familiares e escolares e inserir-se, de maneira concreta, nas questões sociais e políticas de seu tempo e de sua circunstância. O protagonismo juvenil é, por isso mesmo, uma importante estratégia de educação para a cidadania’.

O líder da União da Juventude Socialista (UJS), Wadson Ribeiro, defende no site da organização a necessidade de se desenvolver uma cultura de participação, abandonando as políticas assistencialistas. Para ele, a retomada do Projeto Rondon é uma atitude elogiável, ‘que inclui a juventude na discussão e defesa da Amazônia, da cultura brasileira e do País’.

Fontes ouvidas sobre o Projeto Rondon

Fontes ouvidas

Janeiro
(213 textos no total)

Fevereiro
(37 textos no total)

Executivo

41,4%

31,6%

Jovem menina

12,6%

12,3%

Professor de universidade

9,9%

12,3%

Forças Armadas

9,9 %

Protagonista menino

8,1 %

Jovem menino

7,2%

10,5%

Cidadão comum

6,8%

10,5%

Criança

2,7 %

Legislativo

1,8%

Aluno – Adolescente-

7%

Outros

7,7%

15,8 %

Rondon de 1967

Criado durante a ditadura militar, o Projeto Rondon consistia em enviar universitários voluntários para prestarem assistência em comunidades carentes do Brasil. Durante o período em que permaneceu em atividade (1967-1989), a iniciativa mobilizou mais de 350 mil estudantes de todas as regiões do País. A nova versão do programa pretende ultrapassar o atendimento assistencialista e imediatista: tem como objetivo reunir informações sobre problemas e necessidades das populações para, depois, de posse de um diagnóstico da situação, propiciar a elaboração de políticas sociais permanentes na região.

Apesar de ter agradado a diversos atores sociais, o relançamento do programa também foi criticado. A cobertura de janeiro praticamente não transpareceu os descontentamentos: de todos os 213 textos publicados sobre o assunto, apenas quatro deram espaço a posicionamentos contrários e/ou indagadores à retomada do programa. A principal crítica foi feita pela antropóloga e ex-primeira dama Ruth Cardoso. Em artigo publicado em 30 de janeiro em O Estado de S. Paulo, ela escreveu que o governo do PT surpreendeu ‘negativamente’ ao evitar a avaliação crítica de uma das ‘marcas’ da ditadura e ignorar a experiência de projetos como o Universidade Solidária. Para Ruth, a UniSol prega mais solidariedade que o Rondon, pois valoriza os recursos da comunidade.

Repercussão em fevereiro

Como já é costumeiro na mídia, as políticas públicas recebem bastante destaque e visibilidade logo ao serem lançadas. Passados os eventos e anúncios oficiais, a repercussão tende a diminuir. Foi justamente o que aconteceu com o Projeto Rondon. De 213 textos publicados em janeiro – 40,8% concentrados entre os dias 18 e 20, por ocasião da cerimônia de lançamento do programa –, a cobertura do tema minguou para 37 no mês seguinte.

As tendências já verificadas em janeiro se repetiram em fevereiro: houve pouca variedade de atores ouvidos e as fontes oficiais, principalmente do Executivo, foram as mais consultadas.

A cobertura sobre o Rondon em fevereiro esbarrou novamente na barreira do factual. Desta vez, um dos acontecimentos que mais geraram repercussão na mídia foi a resposta de Lula às críticas feitas por Ruth Cardoso em artigo já mencionado. O presidente rebateu os argumentos da ex-primeira dama dizendo que, num passado recente, a juventude tornou-se ‘epicentro’ da violência no País pela falta de emprego e de políticas voltadas aos jovens. Segundo ele, o Rondon vai permitir que o estudante ensine e aprenda muito. Essa reação de Lula figurou em 21,6% dos textos.

Importância social

Embora tenha sido criado no regime militar, o Projeto Rondon nunca teve caráter assistencialista e ideológico, avalia o professor Roque de Barros Laraia, pesquisador associado do Departamento de Antropologia da Universidade de Brasília (UnB), que na década de 70 participou do Rondon como coordenador do Campus Avançado da UnB em Aragarças (MT). Ele conta que naquela época as viagens e os campus avançados promoviam o conhecimento da realidade do interior e a busca de desenvolvimento das populações das áreas mais afastadas dos grandes centros.

Segundo Laraia, havia um atendimento permanente à população. Ele lembra que alguns estudantes de Medicina acabaram se radicando e constituindo família nas localidades, o que permitiu o avanço dos serviços de saúde no interior do País.

O pesquisador afirma que tem acompanhado a reedição do programa pelos meios de comunicação e considera interessante a iniciativa. Para ele, o fato de ser uma idéia nova ou um relançamento não é o mais importante.

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Número de veículos monitorados: 64

Número de veículos que trataram do Projeto Rondon em fev/2005: 19 jornais e 1 revista

Número de textos que abordaram/mencionaram a iniciativa: 37