Quando Gavin Newsom, prefeito de São Francisco, desafiou a lei estadual da Califórnia ao permitir casamento entre pessoas do mesmo sexo, o New York Times louvou-o, considerando ‘suas motivações puras e embasadas’, entre outros elogios. Mas quando Roy Moore, chefe da Justiça de Alabama, também desafiou a lei, um perfil do jornalão disse que ‘grupos de luta pela liberdade civil acusou-o de transformar o tribunal em igreja’. O próprio Times criticou Moore em um editorial, de acordo com Howard Kurtz [The Washington Post, 1o/3/04].
O jornal não está sozinho. Centenas de meios de comunicação exaltaram Newsom como pioneiro no assunto e os casamentos de São Francisco como uma ocasião festiva, mesmo com a recente afirmação do presidente Bush de uma emenda na Constituição a fim de acabar com esse tipo de casamento. A oposição também é citada, mas o destaque ficou mesmo para Newsom e os casais agraciados pela lei – entre os quais, a apresentadora Rosie O’Donnell e sua parceira.
Alguns jornalistas, como Debra Saunders, do San Francisco Chronicle, e a radialista Laura Ingraham, criticam o título de herói que está sendo dado a Newsom, dizendo que, apesar de defender uma causa nobre e popular, o prefeito está indo contra a lei. ‘Quando o juiz Roy Moore resolveu contrariar a lei, o público o espezinhou. Foi ridicularizado na imprensa’, disse Laura.
Enquanto pesquisas indicam que a maioria do povo americano é contra casamento gay, os editoriais de alguns dos principais jornais dos EUA apóiam-no. ‘Casamento entre indivíduos do mesmo sexo não é ameaça a ninguém, apenas afirma um comprometimento de amor, uma emoção universal’, diz o Boston Globe. ‘Acreditamos que estender os benefícios e responsabilidades do casamento a casais do mesmo sexo seria justo e benéfico; entendemos que muitos americanos sintam o contrário’, afirma o Washington Post. ‘Aqueles que afirmam que esse é o fim da civilização precisam ajustar seus medidores de indignação’, diz o Los Angeles Times.
Deb Price, colunista do Detroit News que casou com sua companheira, Joyce Murdoch, no Canadá no ano passado, diz que a cobertura foge ao contexto. ‘A mídia noticiosa tende a transformar esse grande movimento por direitos civis em um jogo político, e não procura entender porquê os gays querem casar’, afirma Deb. ‘Há algo memorável acontecendo e está sendo coberto como um futebol político’.
Política no ventilador
John Podhoretz, do New York Post [2/3/04], relaciona a polêmica a outras coberturas políticas. Para ele, a maioria das análises e reportagens que chegam ao público sobre a corrida presidencial estão erradas e continuarão assim, justamente porque a mídia deu uma visão tão anti-Bush aos três assuntos que considera os principais deste ano até agora (casamento gay, economia americana e guerra ao terror), que fará o mesmo em se tratando das eleições. A mídia, para Podhoretz, não é apenas oposição ao governo, mas uma ‘oposição apaixonada’ quase unanimemente, e é essa oposição que acaba ofuscando a real situação política nos EUA.
O articulista do Post diz que a defesa do casamento gay provém de uma cisão distorcida dos próprios jornalistas sobre a realidade, uma vez que, mesmo sabendo que a maioria dos americanos é contra a união homossexual, continuam se posicionando a favor dela. O mesmo tipo de distorção, embora em menor grau, assola os campos da economia e da guerra contra o terrorismo. Podhoretz dá o exemplo das críticas ao corte de impostos e do desemprego, noticiados a partir de informações dos democratas a fim de abalar o governo Bush. Sobre a guerra, afirma que a maioria dos jornalistas acha exagerado – senão errado – o comportamento dos EUA desde o fim da guerra no Afeganistão.
‘Não acredite no que lê. Não aceite as análises que ouve na televisão. A inabilidade da imprensa política de lidar com a complexidade da eleição de 2004… já é uma das grandes histórias do ano, e o erro está apenas se aprofundando’, conclui.