‘O mercado publicitário brasileiro foi, pelo segundo ano consecutivo, tema de pesquisa realizada pelo Comunique-se junto à comunidade jornalística. Entre 22/01 e 06/02, 456 jornalistas de todo o país responderam a pesquisa e emitiram seus pontos de vista sobre o cenário em que se encontra a propaganda no Brasil.
Nizan Guanaes e a Africa foram apontados, respectivamente, como o melhor publicitário e a melhor agência de 2003. Ao saber da notícia, o publicitário vibrou: ‘Só mesmo muita Brahma para comemorar’, disse. Aos 45 anos e com 27 de profissão, Nizan é fundador da Africa, agência que apresentou um crescimento acelerado desde o seu surgimento. O publicitário é o único brasileiro a ter tido trabalho incluído na lista dos melhores filmes publicitários do século XX – o comercial ‘Hitler’, criado para a ‘Folha de S. Paulo’ nos anos 80. Foi também o único brasileiro a ter presidido o júri do Festival de Cannes, de onde trouxe os dois únicos Grand Prix já conquistados pelo País no festival francês.
A Africa foi fundada em dezembro de 2002 e em seis meses já estava entre as vinte maiores agências do país. Do ínicio de 2003 ao início de 2004, dobrou o número de clientes. A agência é uma das três que compõem o Grupo Ypi de Comunicação (também idealizado por Guanaes, que tem como sócios Joao Augusto Valente, presidente da DM9, e o Grupo Icatu).
A campanha da Nova Schin foi lembrada como a melhor do ano passado, seguida das campanhas da Skol, do Banco Itaú e das sandálias Havaianas.
Os entrevistados responderam também o que pensam sobre o futuro do mercado publicitário e o quanto a publicidade interfere no conteúdo editorial dos veículos de comunicação, além de avaliarem quesitos como criatividade, ética, qualificação profissional e a visibilidade internacional da propaganda brasileira no ano que passou.
Para o presidente do Comunique-se, Rodrigo Azevedo, a pesquisa ganha mais importância devido ao público junto ao qual se realizou. ‘Quando se fala em público formador de opinião, logo lembramos dos jornalistas. E por isso, qualquer pesquisa feita com esse público já teria alta relevância. Porém, em se tratando de uma pesquisa sobre o mercado publicitário tendo os jornalistas como fonte, o resultado é ainda mais relevante. Afinal, ambos os mercados estão fortemente ligados. Não se trata de um prêmio. Trata-se sim de uma pesquisa, baseada em critérios técnicos. Apesar disso, no final das contas, a pesquisa revela, na opinião dos jornalistas, os melhores publicitários, agências e campanhas. Dado o peso que tem a opinião deste público, não deixa de ser um belo reconhecimento ao trabalho realizado.’
A edição 2004 da pesquisa trouxe novidades. Desta vez, todo o processo foi acompanhado por um instituto de pesquisa, a Enfoque Pesquisa de Marketing. ‘Independência e isenção, além de um aprimoramento técnico. É isso que ganha uma pesquisa que conta com o assessoramento de um instituto. O Comunique-se, ao se manter mais distante da manipulação dos dados, conseguiu a transperência necessária para divulgar corretamente os resultados. Achei muito interessante o tema, porque o jornalista tem mais senso crítico do que o resto da população, ele tem um olhar único sobre a sociedade e é menos suscetível aos encantos da propaganda. Por isso, fazer com que os jornalistas avaliem o trabalho dos publicitários é assistir a um ‘duelo de Titãs’, é ver um lado da informação analisando o outro’, analisa Zilda Knoploch, diretora-executiva da Enfoque. Ela disse também que a parceria entre as duas empresas ampliou a possibilidade de trabalho do instituto, que teve a possibilidade de lidar com o mercado de comunicação.
Com a parceria, deu-se mais importância à metodologia de pesquisa, que utilizou dados como a região geográfica onde se encontrava o entrevistado e função que ele ocupava para ponderar os resultados de acordo com o universo de jornalistas cadastrados no Comunique-se. ‘O que fizemos foi dar um caráter mais técnico à pesquisa. A ponderação foi uma prova disso. Com certeza, esse tipo de procedimento ao se realizar uma pesquisa se transforma em um diferencial’, explica a consultora Lúcia Maria, da Enfoque.
O resultado completo da pesquisa será divulgado em uma coletiva de imprensa, que será realizada em breve, seguida de um almoço que deve reunir a imprensa especializada e os profissionais destacados pelos entrevistados.’
MERCADO DE TRABALHO
Eduardo Ribeiro
‘Delícia de texto’, Comunique-se (www.comuniquese.com.br), 11/03/04
‘O companheiro Luiz Augusto Michelazzo, o velho Mic como os amigos o chamam, curte uma enorme preguiça lá pras bandas de Ribeirão Preto, cidade onde nasceu e que cultiva com grande fervor e carinho, e está (aparentemente) tão de bem com a vida, que não quer nem saber de procurar emprego e muito menos trabalho. Na verdade querer ele até quer, mas a vontade, quando chega, passa tão rápida que nem dá tempo de se coçar.
Mic está aposentado e não esconde de ninguém que o doutor (ou jornalista) Roberto Marinho teve um importante papel na sua quase emancipação econômica, ao lhe conceder um substancioso abono para deixar a Redação de O Globo, anos atrás, quando ele ainda era repórter da sucursal paulista do jornal. Com o dinheiro recebido pôde investir em alguns bens que até hoje o ajudam a ter uma vida relativamente sob controle financeiramente. Ele sempre dizia que o Dr Roberto explorava pra burro, mas cumpria rigorosamente com as obrigações e até pagava um bom salário. Sempre galhofeiro, Mic também esteve do outro lado do balcão como assessor de imprensa da General Motors e Philip Morris e recentemente sofreu uma recaída, aceitando convite da Autodata (revista dirigida pelos colegas Vicente Alessi Filho, S. Stefanni, Márcio Stefanni e Fred Carvalho), para ser editor da Agência, em São Paulo. Voltou para Sampa, ficou quase dois anos por lá, mas, na primeira bobeada do quarteto, pegou o boné e bandeou-se novamente pra Ribeirão, atrás do sossego que décadas de metrópole lhe tiraram.
Todo este preâmbulo é para introduzir um texto delicioso que o Mic me encaminhou na tarde desta terça-feira (9/3) e que considero injusto guardar apenas comigo. Mic é um dos mais brilhantes textos da imprensa brasileira (opinião deste modesto colunista), repórter de fibra, de uma sensibilidade de dar inveja. Faz prosa com feitio de poesia e escreve tão fácil e gostoso que dá até água na boca.
O texto por ele enviado comenta suas andanças, detalhes familiares e as descobertas que fez da Serra da Canastra, um lugar que de tão arcaico delicia-nos tanto quanto seus textos. Eu os convido a viajar num deles comigo.
‘Caro Dudu como vão as coisas por aí?
Eu, por sua vez, como dizia o grande líder sindical collorido, Rogério Magri, por enquanto estou na moleza, aqui em Ribeirão. Ainda não fui à luta atrás de trabalho, esperando o resultado dos vestibulares, esperando passar a ressaca do Carnaval, Semana Santa, esperando a preguiça acabar, me acostumando com a idéia de voltar ao trampo.
A boa notícia vem da minha filha mais nova, Ana Luiza: entrou na Odontologia de Bauru, tida como a melhor da USP, do País, do Cone Sul. Eis aqui um papai orgulhoso, podes crer… Agora tratemos de manter apartamento em Bauru, comprar caminha, prateleiras, aquelas coisas… Daqui uns quatro anos, teremos de montar consultório, comprar os ferrinhos, espelhinho na ponta da varinha. Tenho a impressão que beirando os 70 anos, sem dúvida, poderei usufruir egoisticamente da minha polpuda aposentadoria, hoje em impressionantes mil e cem mangos.
Mas falando de coisa boa, coisa realmente boa foi ter sacramentado a tal compra do sítio na serra da Canastra, em Minas, – na época ainda estava de carteira assinada – um dos lugares mais bonitos e interessantes que conheço. O acesso é por Piumhí, que fica exatamente a 250 km de Belo Horizonte e 250 km de Ribeirão. Meio longe, mas é bom justamente por causa disso, do isolamento.
Acabei a reforma de uma casinha velha que havia lá, ficou mais gostosinha e ajeitada. Mas ainda bem rústica, sem energia elétrica por enquanto. Aliás, não tenho pressa alguma dela, em homenagem às lamparinas do sítio do Tio Mané, da minha infância querida que os anus não trazem mais. Enfim, luz e chuveiro, só a gás. O ganho fica por conta do romantismo, do desbunde de mirar um céu acachapantemente estrelado (paulistano não faz idéia do que seja isso), ficar apartado de tv e de tudo que não funciona com pilha – celular incluído dentre as bugigangas que por lá também não enchem o saco. Aliás, ressuscitamos o rádio. Lá pega a Cultura AM, em ondas curtas, e seus bons programas de música só brasileira. Tá de bom tamanho.
O Ibama não deixa fazer nada produtivo naqueles rincões. Arrancar um capim pode dar bode. O sítio fica à beira do Parque Nacional da Serra da Canastra, menos de dois mil metros da nascente do São Francisco. É, o Véio Chico, que vai regar o Nordeste e desaguar em Pernambuco. Por sorte minha, a terrinha é formada com pastagem, braquiária, o que me permite alugar o pasto. Sou um dos únicos produtores rurais – já tenho registro no Incra, acredite! – que conheço que consegue tirar uns trocados da terra. Isso me dará o privilégio de ser solenemente fuzilado quando os islamitas tomarem o poder por aqui também.
O povo dali da Canastra é uma relíquia viva. Está-se num outro planeta, as casas não têm fechadura (só taramelas), a palavra ainda vale, o tempo continua nos anos 30, tem ‘Santo Reis’, tem terço (reza), com leilão de prendas – ovos, galinha, leitoa, lata de conserva, – para arrecadar fundos para os mais pobres assistidos pela Conferência de São Vicente de Paulo. O turismo ainda não perverteu aquela boa gente, por enquanto. Tem vizinhança de antigamente, calor humano desinstitucionalizado, sem lei ruanê nem desconto no imposto de renda. Todo mundo se conhece. As casas não têm forro, as vaquinhas vêm sozinhas para o curral, os cavalos conhecem a gente e dão bom dia. Tem bandos de macacos que fazem uma gritaria em coro, tem tamanduá, ararinha azul, bandos de canários da terra, tucanos – daqueles honestos, que têm penas e não voam às custas do erário – aos quilos, lobo guará, ariranha, sapo, cobra, pomba, borrachudo, periquitos, borboletas, pato mergulhão (à beira da extinção, os últimos do Brasil e mundo), gambá, ratão-do-banhado, solidão de roça, silêncio barulhento de mato. Ainda há juntas de bois trabalhando, puxando carro, arando terra. No século XXI!
Sempre que posso estou por lá, apesar da distância. Os filhos também gostam dessas rusticidades. Do quintal da nossa terrinha dá para ver a Casca D’Anta, a primeira queda d’água do Véio Chico, que nasce num chapadão, pertinho, mas 256 metros acima. Na beira da casa passa o Córrego Luciano, primeiro afluente do São Francisco, que tem dois metros de largura e corredeiras cantantes, virginalmente limpas. A água da casinha vem de nascente, friinha, deliciosa, diurética. É uma delícia dormir ouvindo a música da água nas pedras. O que isola a Canastra do mundo são 65 km em terra, lama, pedras, muito piores com chuva. E chove para cacete! Tem umas 30 cachoeiras pela região, cavernas com pinturas milenares, um lugarejo que foi quilombo, umas 10 serras diferentes, paisagens de tirar o fôlego. Ali se faz também o melhor queijo mineiro do mundo, o famoso Queijo da Canastra – a maioria que a gente vê por aí não tem certificado de origem – para não falar do pão do dito cujo, das carnes de porco conservadas na banha do indigitado, tutu com torresmo e couve, frango caipira, quitandas – brevidades, biscoitos, tudo feito com polvilho de mandioca -, enfim, a deliciosa culinária que, se entope artérias, leva-nos, por outro lado, ao nirvana caboclo sem remorsos nem perdão… Também tem meu compadre Osmar – que coloca suas vaquinhas no meu pasto – e a Tia Neusa, sua mulher, melhor cozinheira da Canastra, a Tida, filha adotiva dos dois, que é a fazedeira de queijo da casa. Fico horas ouvindo os causos do Osmar. Dia desses gravei, sem ele saber, seu primeiro contato com um automóvel, nos idos de 1950. Uma delícia.
Pois é, agora, é tratar de me reacostumar com idéia do batente e sair em busca de frilas pelaí, como outrora, para defender uns trocados e comprar querosene para o lampião canástrico.
Sabendo de algo, dê um toque.
Beijo fraterno do Mic
PS.: Meus telefones continuam os mesmos: 16 632-2467/8903.’’
A ARTE DE CHICO CARUSO
Luiz Garcia
‘Coitado do ganso’, O Globo, 12/03/04
‘Como alguns leitores europeus não puderam vir para a inauguração da exposição do Chico Caruso no Rio (com uma sala só para o Paulo Caruso) aqui vão, com leves adaptações, algumas das coisas que digo num pequeno prefácio.
A pena, como todo mundo está exausto de saber, é mais poderosa que a espada. Ao longo dos séculos, isso tem causado grandes contrariedades aos militaristas e profundo sofrimento pessoal para gerações de patos e gansos.
Está mais do que na hora de pensar em outro lugar-comum: a pena é mais poderosa que o teclado. A pena de um humorista como Chico Caruso, o teclado do computador em que se esboça esta introdução. Não se trata de falsa humildade: o texto do jornalista, do político ou do pensador funciona quando há uma premissa de confiança ou disposição para o convencimento. O traço do bom chargista dispensa adesão prévia: o que você vê é o que você leva para dentro da cabeça.
Pergunte a Fernando Collor. A figura do então presidente, no desenho de Chico, vendo a gradual transformação de seu terno Armani num uniforme de presidiário mostra uma mistura de pasmo e aceitação do inevitável: mais ou menos a mesma sensação que estavam tendo os leitores, adversários ou aliados de Collor.
Um texto poderia conduzir ao mesmo resultado, mas com maior dificuldade, em espaço bem maior, atingindo menos pessoas.
O poder do traço como formador de opinião na imprensa vem do século XIX. Em 30 de outubro de 1884, o ‘New York World’, de Joseph Pulitzer, publicou um cartum satirizando um jantar oferecido a James Blaine, candidato republicano a presidente. Do jeito que Chico aprecia: em toda a largura da primeira página. Blaine perdeu a eleição.
Hoje há cartunistas no mundo inteiro. Foi nos Estados Unidos que o traço político se universalizou como formador de opinião. Isso ficou bem claro, por exemplo, quando o pessoal do teclado enfrentou com certa timidez a onda negra do macarthismo – e brilharam os traços de chargistas como Herblock (já famoso como o grande cartunista da Segunda Guerra Mundial) e Walt Kelly. Este, num gênero com raros praticantes no Brasil, com a notável exceção de Henfil: a historinha em três ou quatro quadros.
Herblock parecia estar falando do trabalho de Chico quando descreveu o cartum: é algo que mostra ‘a coisa certa’: aquele dado ou detalhe que rasga a máscara da retórica ou da demagogia e define o fato político. A caricatura tem seu lugar, mas é secundária. O recado do cartum é mais importante do que brincadeiras com orelhas e narizes.
O chargista do GLOBO (a exposição celebra seus primeiros 20 anos no jornal) em pouco tempo conquistou, graças a uma combinação de talento e insistência, um espaço permanente na primeira página, sempre em cores. Há alguns anos, uma reforma gráfica limitou o tamanho de seus cartuns a um espaço freqüentemente inferior à sua importância. Como ele já disse, reclamando: ‘A charge tem de ser usada como uma carga de canhão para criar um impacto equivalente ao seu potencial.’
Mas as pesquisas mostram que a redução do calibre físico do desenho não diminuiu o impacto do trabalho de Chico.
E aí o temos. Um homem de esquerda, mas sem carteirinha de partido, ele mantém intato o poder de ajudar o cidadão a fazer sua própria cabeça. Tão bem quanto, às vezes melhor e sempre mais depressa do que qualquer batucador de teclado.’
CASTELLO
"‘Uma vítima dos próprios erros’", Comunique-se (www.comunique.com.br), 16/03/04
"O golpe militar que levou o país a 20 anos de ditadura não saiu como foi articulado. A estratégia original foi detalhadamente delineada pelo general Humberto de Alencar Castello Branco (1900/1967), chefe do Estado Maior do Exército, mas teve alguns de seus pontos alterados. A história do golpe e da vida de Castello Branco estão nas páginas de ‘Castello – a marcha para a ditadura’, do jornalista Lira Neto, a biografia mais completa do primeiro presidente militar do Brasil após o golpe de 64.
De acordo com Lira, a intenção de Castello Branco era tornar-se mártir inspirador do movimento, que poderia durar até dois meses. Com o acirramento entre o presidente Jango e a linha dura do exército, e tendo ele articulado todo o movimento militar, Castello esperava ser exonerado, o que de fato esteve muito próximo de acontecer. O general, então, se recusaria a deixar o cargo, obrigando Jango a ordenar a sua prisão. Esse seria o sinal para que as tropas de Minas e São Paulo se deslocassem para o Rio de Janeiro, iniciando o levante. O Nordeste e o Rio Grande do Sul também veriam movimentos terem início.
No entanto, na manhã do dia 31/03, Castello descobriu que o general Olímpio Mourão Filho já havia ordenado que suas tropas deixassem Minas. Uma atitude precipitada que irritou profundamente o principal articulador do golpe, já que a ação estava marcada para somente dois dias depois e os outros comandantes envolvidos ainda não estavam preparados. Para que tudo não fosse perdido, Castello decidiu retomar o que estava definido no plano original, mas a estratégia já estava fortemente comprometida.
‘Na verdade, o projeto do golpe de 64 era visto pelo grupo do Castello, chamado de Sorbone, apenas como uma intervenção necessária. O poder seria devolvido em breve aos civis. Mas como tudo foi dando errado, Castello acabou perdendo o apoio dos seus aliados e acabou recuando, cedendo à Linha Dura e a seu grande desafeto, Costa e Silva, a quem considerava ser apenas um jogador de pôquer despreparado para o poder’, conta Lira Neto. A partir daí o general mais recuou do que avançou, levando o país para o abismo e tendo, mais tarde, que passar a presidência para Costa e Silva. O jornalista cita um episódio narrado por Raquel de Queirós, que exemplifica perfeitamente o cenário da troca de poder de Castello para Costa e Silva e o sarcasmo daquele general: ‘Quando Castello passou a presidência para Costa e Silva disse sobre a situação: ‘O Brasil está trocando um presidente sem pescoço por um presidente sem cabeça.’‘
Castello era considerado o mais controvertido dos presidentes militares que se seguiram ao golpe de 64. Sua conduta, no entanto, era vista de duas formas bastante distintas: os aliados o consideravam um intelectual e um grande estrategista, enquanto seus adversários enxergavam um marechal vaidoso e dissimulado, um homem vingativo que agia apenas por rancor e ambição. ‘Castelo era um homem complicado em todos os aspectos da vida. Pessoalmente, tinha grande complexo de inferioridade (era baixinho e sofria de coluna, o que não é compatível com o perfil de um militar) e ao mesmo tempo uma grande vaidade intelectual. Como presidente, acabou recuando mais do que avançando, apesar de ter convicções democráticas, para não deixar que o poder militar ruísse. É esse homem contraditório que o livro retrata’, diz o autor, que completa: ‘Castello foi vítima dos seus próprios erros.’
Em ‘Castello: a marcha para a ditadura’, o autor faz um retrato detalhado da personalidade do general, além de levar o leitor para uma viagem por momentos essenciais da história política brasileira ao longo do século XX: o movimento tenentista, a coluna Prestes, a Revolução de 30, a Intentona Comunista, a participação do Brasil na 2ª Guerra, a renúncia de Jânio e a queda de Jango. Além desses fatos que se cruzam à vida de Castello Branco, há ainda intrigas, traições, disputa pelo poder e o fim marcado pelo misterioso acidente aéreo, até hoje cercado de polêmica e controvérsias. ‘No fim do livro, os leitores terão mil perguntas na cabeça sobre a morte de Castello. Conversei com o piloto do caça que se chocou contra o avião que levava o general e com várias pessoas envolvidas no episódio. Todas elas têm convicção de que tudo não passou de um acidente. Mas aqueles que acreditam na teoria conspiratória encontrarão muitos fatos estranhos e coincidências inexplicáveis’, adianta o autor. Lira Neto contou com a revisão de dois historiadores, para garantir o rigor e a veracidade das informações históricas que passa no livro.
Para escrever a biografia, Lira Neto consultou mais de 3 mil documentos, muitos deles inéditos, incluindo cartas pessoais, correspondência oficial, memorandos secretos, bilhetes e diários, que fazem parte do arquivo pessoal de Castello, hoje sob a guarda do Exército. Além disso, entrevistou mais de cem personagens e testemunhas dos fatos descritos na obra e compilou centenas de entrevistas. Foram seis anos de pesquisa e muito trabalho. ‘Tive duas grandes fontes: a primeira foi o arquivo de Castello guardado com o Exército e a segunda foi o material que recebi de John Walter Foster Dulles, que escreveu, entre o fim dos anos 70 e o início dos 80, a biografia autorizada do general. Ele tinha notas de cerca de 300 entrevistas, um material que, até por ser uma biografia autorizada, não foi totalmente utilizado’, revela Lira Neto.
O jornalista afirma que escreveu o livro para o grande público, mas que acredita que dois grupos se interessarão mais. ‘O livro chamará a atenção de todos os que amam a História do Brasil, principalmente o período do regime militar. Gostaria também que interessasse aos jovens, que não presenciaram essas cenas históricas e que tão pouco sabem sobre seu passado. Eu mesmo nasci no ano do golpe e tenho poucas lembranças de Castello. No entanto, foi buscando no meu imaginário, nas coisas que eu lembrava sobre a sua morte, nos comentários dos meus pais na época, que percebi que grande personagem ele representou’, conclui."