‘O Fernando Sabino e a mulher, o Otto Lara Resende e a mulher, meu pai e minha mãe andavam por Paris (final dos anos 50) quando deram com o Jorginho Guinle, que os convidou a irem a um bar que conhecia, para ouvir jazz. O Sabino, outro apaixonado por jazz, aderiu logo, e os outros foram pela oportunidade de uma noitada com o playboy milionário, que certamente pagaria por tudo. Beberam bem, comeram bem, e na hora da conta todos fizeram a encenação de praxe – ‘Vamos dividir, vamos dividir’, começando a tirar a carteira do bolso. E não foram interrompidos pelo Jorginho, que manteve sua pose, e sua carteira no bolso, enquanto os outros pagavam toda a despesa. Depois das despedidas na calçada, o Jorginho se afastou e as mulheres caíram em cima dos homens. Então era para aquilo que tinham se controlado na viagem, não comprado nada para não comprometer o orçamento apertado? Para gastarem tudo num bar, inclusive nas despesas do Jorginho Guinle? O Otto apontou um dedo acusatório para o Sabino.
– Culpa deste inconsciente que… Jorginho!
Por trás do Sabino tinha ressurgido o playboy. Ele se lembrara que ali perto havia outro bar que precisavam conhecer, e convidou-os de novo. E eles contavam que quase aceitaram. Pois o fato é que tinham se divertido muito. Era bom estar com o Jorginho. Mesmo com o risco constante de ficar com a conta.
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Há dias comentei um livro que está para sair na França com acusações ao guia Michelin de hotéis e restaurantes e concluí que, se não dava mais para confiar nem no famoso ‘Guide Rouge’, eu estava pronto a desistir da Humanidade depois de dar só mais uma chance à Salgueiro no carnaval. Numa carta bem-humorada, o gerente de comunicações do Michelin para a América do Sul, Lourivaldo Ferreira, me pede ‘respeitosamente, isonomia com a Salgueiro e, pelo menos, o benefício da dúvida’ e esclarece que o autor do tal livro, um ex-inspetor da Michelin demitido por falta grave, tentou chantagear a empresa com a ameaça das falsas denúncias, e que o Guia Vermelho – cuja edição de 2004 será lançada este mês – continua com a mesma respeitabilidade conquistada em mais de cem anos de existência, e os mesmos critérios rígidos. E termina dizendo que ‘se depender mesmo da honestidade com que nossos guias são feitos, temos certeza de que o senhor pode dar mais uma chance à Humanidade’. Que bom. Agora, quero ver a Salgueiro. E o PT.’
MEMÓRIA / FLAMARION MOSSRI
O Globo
‘Obituário’, O Globo, 15/03/04
‘Flamarion Mossri, 71
O jornalista Flamarion Mossri foi um dos primeiros repórteres da sucursal do GLOBO em Brasília, para onde se transferiu com a mudança da capital. Depois, trabalhou simultaneamente como repórter das sucursais do ‘Jornal do Brasil’ e do jornal ‘O Estado de S. Paulo’. No ‘Estadão’, onde se aposentou, exercia também as funções de colunista político, assinando com as iniciais F. M.
Mineiro de Passa Quatro, Flamarion, ou Flama, como era mais conhecido, foi um dos mais influentes jornalistas de sua geração. Dele, Tancredo Neves costumava dizer, em tom de brincadeira:
– Eu passei minha vida toda tentando incluir minha São João Del Rey nas ilustrações da Loteria Federal e nunca consegui. E o Flamarion, com um simples telefonema, sabe-se lá para quem, conseguiu botar Passa Quatro.
Não houve um só político que se projetou em Brasília, entre as décadas de 60 e 80, que não tenha reverenciado Flamarion. Na ditadura, usou sua influência para proteger colegas e políticos perseguidos pelos militares, missão para a qual teve como parceiro inseparável o seu amigo Mário Covas. Juntos, conseguiram, por exemplo, salvar a vida do hoje ministro-chefe da Casa Civil, José Dirceu, irmão de Neide Morssi, agora viúva de Flamarion, que deixa também órfãos quatro filhos.
Depois de um transplante de rim, Flamarion começou a se debilitar. Flamarion Mossri morreu de derrame cerebral, na madrugada de sábado, aos 71 anos, em São Paulo, e foi enterrado ontem em Passa Quatro.’
MEMÓRIA / NEY SROULEVICH
O Globo
‘Obituário’, O Globo, 15/03/04
‘Ney Sroulevich, produtor de cinema, aos 64
Pelo menos uma vez por mês, o jornalista e produtor cinematográfico Ney Sroulevich, de 64 anos, costumava almoçar com os amigos para jogar conversa fora. Ontem à tarde, o encontro foi na casa do cineasta Zelito Viana. Ney, gaúcho de Porto Alegre que veio para o Rio aos 6 anos, estava bem, segundo contaram antigos companheiros como o petista Milton Temer, que participou da confraternização.
Ao chegar em casa, Ney começou a se sentir mal. Foi levado pela mulher, Claudia Furiati, ao Hospital Adventista Silvestre, onde chegou por volta das 19h. Uma hora depois, estava morto. Segundo os amigos, teve um enfarte.
– Ney era diretor da UNE em 1964 – conta Milton Temer. – Durante a ditadura, ele acabou exilado. Chefiou a redação da ‘Manchete’ em Paris e transformou o escritório numa espécie de abrigo para exilados. Ele chegou a ter problemas por causa disso.
O cineasta Zelito Viana lembra que Ney produziu os filmes ‘Joanna Francesa’, de Cacá Diegues, ‘A queda’, de Rui Guerra, e ‘O homem célebre’, de Miguel Farias Júnior. Ele produziu também o documentário ‘Getúlio Vargas’, primeiro longa-metragem de Ana Carolina. Em 1984, criou o Festival Internacional de Cinema e Vídeo do Rio de Janeiro (Fest-Rio). Ultimamente tentava produzir um filme sobre a vida de Juscelino Kubitschek.
– Ele era uma pessoa extremamente generosa. Abria mão de qualquer coisa para fazer um ato de generosidade com a família – afirma Zelito.
O próprio Ney cunhou o apelido de Kid Megalô, por causa de sua mania de grandeza. Em 1984, organizou o Fest-Rio – ao qual se referia como ‘o maior evento cultural da América Latina’ – quase sem apoio. A mostra, que exibiu filmes como ‘Paris, Texas’, foi sucesso e acabou reeditada.
Amigo de Fidel Castro, Ney sempre foi um entusiasmado defensor de Cuba, uma de suas paixões. Ele foi dono de uma agência de turismo especializada em levar brasileiros à ilha. Os charutos cubanos faziam parte de sua rotina: chegava a fumar sete por dia. Ney detinha exclusividade na venda de charutos cubanos no Brasil.
Trabalhou ainda como diretor comercial da Embrafilme e secretário extraordinário de Assuntos Internacionais da prefeitura de Niterói. Ultimamente, escrevia para o ‘Jornal do Commércio’ e para o ‘Pasquim’. Deixa viúva Claudia Furiati, e dois filhos: Helena, de 25 anos, e Daniel, de 22.’
HABEAS CORPUS PARA JABOR
Thélio de Magalhães
‘Jabor consegue habeas-corpus em processo’, O Estado de S. Paulo, 10/03/04
‘A 3.ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo concedeu ontem habeas-corpus ao jornalista Arnaldo Jabor. A decisão anulou inclusive a denúncia que originou o processo contra Jabor na 25.ª Vara Criminal da Capital, no qual ele é acusado de incitar ‘ódio e preconceito contra a religião islâmica’.
A ação não poderá ser reiniciada, pois o Tribunal de Justiça reconheceu a ocorrência de decadência do direito de propor nova queixa, pelo tempo já decorrido.
O processo foi motivado pela crônica ‘Os terroristas querem matar o amor e a alegria’ – publicada na edição de O Estado de 22 de outubro de 2002 -, enfocando atentado a bomba contra uma discoteca em Bali, na Indonésia, atribuído à Al-Qaeda.
Dois promotores de Justiça, Saad Mazloum e Nadin Mazloum, entraram com representação na Procuradoria-Geral de Justiça contra o jornalista. O promotor Nélson Luiz de Freitas apresentou denúncia, enquadrando Jabor na Lei 7.716/89, que define crimes resultantes de preconceitos de raça, religião ou cor.
O juiz Marco Antonio Pinheiro Machado Cogan, da 25.ª Vara Criminal, recebeu a denúncia, abriu o processo e determinou o indiciamento direto do jornalista.
Contra a decisão do juiz de primeiro grau, o advogado Manuel Alceu Affonso Ferreira entrou com pedido de habeas-corpus, que foi concedido pelos desembargadores Oliveira Ribeiro e Walter Guilherme, da 3.ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado.
Foi vencido o desembargador-relator Segurado Bráz, que negava a concessão do habeas-corpus.’