‘A novela mostra mulheres bonitas que não andam seminuas. Tem cenas de luta divertidas, quase um desenho animado. Tem romance, intriga, maldade… Giovanna Antonelli faz sua primeira vilã; Taís Araujo é a primeira protagonista negra; o quase estreante Rocco Pitanga está indo bem, Matheus Nachtergaele estréia em novelas e Reynaldo Gianecchini não decepciona no papel de gêmeos. ‘Da cor do pecado’, a novela das 19h da Globo, tem também um autor estreante, João Emanuel Carneiro; a direção sempre cuidadosa de Denise Saraceni e a supervisão de texto do veterano Silvio de Abreu.
A lista foi cansativa? Mas ainda não explica por que a novela trouxe para a Globo uma audiência que há oito anos não era registrada no horário. Semana passada, em São Paulo, ‘Da cor do pecado’ deu média de 45 pontos, ibope de novela das oito. ‘Salsa e merengue’, comédia romântica que lançou os autores Miguel Falabella e Maria Carmem Barbosa em 1996, foi a última trama que mereceu tanta atenção do público das 19h.
Procura-se, pois, um bom motivo para explicar o sucesso. Como Carneiro está escrevendo sozinho sua primeira novela – ele foi da equipe de roteiristas de ‘A Muralha’, ‘Os Maias’ e fez a escaleta de ‘Desejos de mulher’ – é claro que todo mundo pensa logo nele. Mas, mesmo que João convença ao dizer que tem um texto ágil, cinematográfico, não dá para apostar que o roteiro, um clássico folhetim, carregue sozinho os louros da vitória. João entrega detalhes da sua receita:
– Meus capítulos não têm nem meia página de monólogo. Isso é diferente de todas as outras novelas, porque a história não estaciona. Conto uma fábula com dados reais. Meus personagens não são clichês, por mais que pareçam. A Bárbara (Giovanna Antonelli) é uma vilã que chora, entra pelo cano.
Mas será que o público consegue reconhecer e se animar com estes detalhes? Denise Saraceni, que detesta teorizar sobre televisão porque acredita na intuição, vê-se obrigada a racionalizar:
– Eu me pergunto se algum crítico conseguirá pensar por nós. O João é um rapaz de outra geração que trouxe um olhar novo sobre uma realidade conhecida. Será que é o respeito de olhar o outro sem a empáfia de sermos a melhor televisão?
Denise especula mais: foi a novela ou o público que mudou? À cata de locações, a diretora esteve em lugares bem pobres, do país. E acha que as pessoas querem ver suas histórias contadas de maneira objetiva:
– Fico comovida ao ver atores veteranos, como Lima Duarte, Aracy Balabanian, batendo um recorde. É a câmera olho no olho do ator, sem apelação de mostrar corpos bonitos.
Aracy, que interpreta a submissa Germana, também acha que o fenômeno pode ser explicado pelo olhar novo de Carneiro:
– Será que o público não estava precisando de um conto de fadas? De uma história que nos leve ao tempo em que um homem poderoso como Afonso (Lima Duarte) se enternece com um menino como o Raí (Sergio Malheiros)?
Ôpa! Eis aí um ingrediente polêmico. A escritora Ivana Bentes acha a história retrógrada justamente porque narra a mesma trama que já foi contada milhares de vezes. Desanimada, ela reconhece que o recurso funciona:
– Só que acaba reforçando velhos papéis, sem levantar nenhuma discussão. Uma mulher negra e pobre só vai se dar bem na vida porque arranja um homem rico, bonito, branco, e se casa com ele. Quando é que se vai fazer alguma coisa diferente?
A questão incomoda outra ensaísta, Anelise Pacheco. Para ela, um dos atrativos de ‘Da cor do pecado’ é o fato de mostrar imagens folclóricas para uma classe média que está anestesiada:
– Quando se chega a um limite máximo de saturação, apela-se para o sonho. E este passa a ser o mundo ‘real’ de quem não tem nenhuma expectativa.
É mais ou menos assim: dificilmente um menino de 8 anos pode ser tão doce, inteligente, solidário e cúmplice com a mãe do que o fictício Raí. Então, por que não imaginá-lo? O problema é que este exercício paralisa.
A polêmica esquenta quando Silvio de Abreu afirma que a chave de sucesso da novela pode ser a protagonista negra, honesta, não chata, que reivindica seus direitos e não se interessa pela riqueza de Afonso. Diferente, portanto, da mocinha descrita por Ivana.
Taís Araujo, feliz da vida com o sucesso e longe das discussões teóricas, acha que a novela agrada porque é leve, divertida, atrai homens, mulheres, crianças. E conta que se esforçou para construir uma relação verdadeira com Sergio Malheiros.
– Eu não podia fazer uma mãe clássica porque não tenho aparência para ser mãe dele. Então resolvi fazer dele o meu amigo, construí uma cumplicidade que deu certo.
Abreu não abre mão do chavão: ‘Não existe a receita de sucesso’. Mas afirma que o grande gol está na escolha do elenco:
– O público queria ver o Gianecchini fazendo o papel de gêmeos, queria ver uma negra como protagonista, queria ver a Giovanna Antonelli encarando o papel de uma vilã.
Giovanna faz coro. E como só trabalhou em produtos de sucesso nos últimos tempos – ‘Laços de família’, ‘O clone’ e ‘A casa das sete mulheres’ – não custa lançar a aposta. Será ela o pé-de-coelho de ‘Da cor do pecado’?
– Sou pé-quente, sim. Entro tão inteira em tudo que eu faço que levo um astral positivo para o trabalho. Até agora, só tinha feito mocinhas. Até eu estava curiosa para saber como me sairia no papel de vilã, e estou amando.’
***
‘Os números do horário’, O Globo, 11/03/04
‘‘DA COR DO PECADO’: Na primeira semana, registrou audiência média de 38 pontos com share de 62%.
‘KUBANACAN’: Carlos Lombardi estreou em abril de 2003 com uma comédia que se passou num país fictício da América Latina, onde muitos disputavam o segredo de uma arma e a presidência. Registrou, na primeira semana, 37 pontos de média.
‘O BEIJO DO VAMPIRO’: A novela de Antônio Calmon que começou em 2002 era uma comédia romântica. Tarcísio Meira fazia o vampirão-mor e protagonizou, com Ney Latorraca, as cenas mais engraçadas. Na primeira semana, a trama registrou 32 pontos.
‘DESEJOS DE MULHER’: A trama de Euclides Marinho, de 2002, trouxe de volta a dobradinha entre Regina Duarte e Glória Pires, mas não agradou. Registrou, no início, médias de 26 pontos. E teve que entrar às pressas no ar para substituir ‘As filhas da mãe’, que foi encurtada porque a audiência foi baixa: em média 28 pontos em toda a novela.’
CASSETA & PLANETA
Paulo Henrique Ferreira
‘‘Cassetas’ na berlinda no Salão do Humor’, O Globo, 11/03/04
‘Como transformar fatos em piadas? Essa foi a primeira pergunta que o curador do Salão Carioca de Humor, Ricky Goodwin, fez a Bussunda e Hélio de La Peña, da turma do ‘Casseta & Planeta’. A dupla participou da mesa-redonda cujo tema era humor na TV, promovida pelo salão no teatro da Casa de Cultural Laura Alvim, na noite de terça-feira.
– Uma piada surte efeito quando os fatos são conhecidos pelas pessoas – explica De La Peña. – Temos que ter a sensação de que a notícia tem importância, que as pessoas prestaram atenção nela. Não adianta fazer piadas se o fato não repercutiu a ponto de brincarmos com ele.
‘TV Pirata’ foi divisor de águas no humor brasileiro
Bussunda destacou que o contato com o público é essencial para o trabalho da equipe.
– Muita gente cobra que o ‘Casseta’ faça piada de alguns fatos – disse. – Um exemplo foi quando o Brasil perdeu a Copa do Mundo de 1998. As pessoas queriam que falássemos disso.
Bastante didática, a dupla deu uma pequena aula sobre a transição da antiga tradição do humor televisivo para um novo olhar sobre o estilo, que começou com o programa ‘TV Pirata’, do qual os integrantes do ‘Casseta & Planeta’ participavam como redatores.
– Antes do ‘TV Pirata’, havia a claque, aquelas risadas de fundo, que indicavam quando o povo deveria rir, mas tiramos isso. Acreditávamos na inteligência do espectador e por isso apostamos num humor mais inteligente – explicou Bussunda.
– Mudamos o estilo e o ritmo do programa de humor, caprichamos no aspecto-espetáculo deste tipo de programa, que antes era totalmente calcado nos personagens interpretados pelos humoristas – completou de La Peña.
Como integrantes de um programa com uma dose bastante ácida de humor, o público quis saber: existe censura no ‘Casseta & Planeta’?
– A TV Globo censura menos do que as pessoas pensam – explicou Bussunda. – Também usamos o bom senso. Um desastre, por exemplo: enquanto existe comoção, não dá para falar sobre o assunto.
Na palestra, a dupla também falou da paixão que tem pela televisão.
– No Brasil, a televisão sofre preconceito. Mas a produção de TV aqui é a melhor. – destaca Bussunda. – Na Espanha e na Itália, por exemplo, as TVs parecem um enorme SBT.
Curiosa, a platéia que assistiu ao debate quis saber como os ‘cassetas’ se relacionavam com os alvos de suas provocações.
– Noventa por cento dos atores e políticos pedem para fazermos sátiras deles, porque isso indica que eles fazem sucesso – contou Bussunda.’
MERCHANDISING SOCIAL
Daniel Castro
‘Globo bate recorde de merchandising social’, Folha de S. Paulo, 10/03/04
‘A TV Globo veiculou no ano passado 1.188 merchandisings sociais em suas telenovelas, 4% a mais do que em 2002, quando exibiu 1.138 ações. São merchandisings sociais cenas que falem, por exemplo, de prevenção à Aids e de proteção dos idosos e alcoolismo.
Os números estão na revista ‘Balanço Social’, que a Globo começou a distribuir a formadores de opinião. O capítulo sobre merchandising social nas novelas leva o título de ‘A ficção vira lei’.
Nele, a emissora comemora que a novela ‘Mulheres Apaixonadas’ ‘deu uma contribuição decisiva para a aprovação, no Congresso, do Estatuto do Idoso, do Estatuto do Desarmamento e de lei que tipifica o crime de ‘violência doméstica’, que inclui agressões à mulher’.
O texto cita depoimento do presidente da Câmara, João Paulo Cunha (PT-SP), que diz que a novela ‘desengavetou projetos’. O deputado está no ar em campanha da Globo sobre seus feitos. É a primeira vez que a emissora faz ‘balanço social no ar’.
Segundo a revista, ‘Mulheres Apaixonadas’ bateu o recorde de merchandisings sociais, com 623 ações, seguida por ‘Malhação’ (227; Aids, preconceito sexual, adoção) e ‘Agora É que São Elas’ (145; cooperativismo, coronelismo, voto consciente). Em 2002, ‘O Clone’, teve 269 ações.
A Globo conta merchandisings sociais desde 2000, quando teve 580 ações. Em 2001, foram 483.
OUTRO CANAL
Cofre A Record vai gastar R$ 250 mil por programa, ou R$ 1 milhão por mês, com seu novo ‘Domingo Total’, que pretende ser uma versão do ‘Fantástico’. A emissora comprará material das redes americanas e terá correspondentes em Nova York e Londres, mas ainda não contratou repórteres para a produção, que estréia dia 29.
Exposição 1 Ex-HBO e no ar no canal pago Multishow e na Rede 21, a série ‘Sex and the City’, que acabou nos EUA em fevereiro, vai passar também no Fox. O canal vai exibir as três primeiras temporadas a partir do dia 4 de maio, dois episódios a cada terça.
Exposição 2 No Multishow, estréia em abril a sexta e última temporada de ‘Sex and the City’. O canal também irá reprisar a primeira temporada do seriado, logo após o episódio inédito, nas segundas-feiras.
Telhado Não houve acordo entre a Record e a apresentadora Olga Bongiovanni, que a emissora queria contratar para o novo ‘Vida ao Vivo’ (programa que discutiria casos reais, dramatizados). Ex-Band, Olga está negociando com a Rede TV!.
Estresse São cada vez mais freqüentes na Rede TV! reuniões para discutir por que a emissora está perdendo audiência. Um diretor da emissora já ameaçou: quem não subir no Ibope vai sair do ar.’
TELEJORNALISMO
Antonio Brasil
‘O antimanual do telejornalismo’, Comunique-se (www.comuniquese.com.br), 12/03/04
‘Apesar da crise e do desemprego no setor, o jornalismo de TV continua na moda. Ainda tem muita gente tentando uma boquinha na telinha. No entanto, para aprender telejornalismo muitos estudantes se matriculam em cursos universitários duvidosos ou em cursinhos milagrosos em produtoras de vídeo à beira da falência. A maioria desses cursos, tantos os universitários como os ‘milagrosos’, é, sem dúvida, muito ruim. Tentam o impossível. Pretendem ensinar a tocar ‘piano’, sem ter um piano. É muito difícil ensinar jornalismo de TV sem uma TV. Mas tanto no telejornalismo, no amor como na educação, em um país com muito desemprego e a beira de um ataque de nervos generalizado, vale tudo.
Um outro caminho possível para aprender telejornalismo seria recorrer a um manual de redação. Pura perda de tempo.
Por incrível que pareça e apesar de contarmos com vários exemplos de manuais de redação de nossos principais jornais, até hoje não temos nenhum manual de telejornalismo produzido pelas nossas TVs. E isso não é uma mera coincidência.
Manual de redação serve para esclarecer e identificar práticas profissionais. E a verdade é que o nosso telejornalismo não tem uma tradição educativa, social e muito menos, democrática. Ao desprezar a transparência profissional junto ao público e o treinamento de seus futuros profissionais esse mesmo telejornalismo aprofunda a crise de audiência e de identidade. Todas as pesquisas a longo prazo confirmam que o público dos nossos telejornais diminui, envelhece e em momentos decisivos de nossa história, ainda tem sérias dúvidas sobre as suas verdadeiras intenções. Os verdadeiros interesses por trás do nosso jornalismo de TV ainda são muito nebulosos, envoltos em segredo e extremamente sensíveis a quaisquer críticas.
Sem rumo e sem manual
Expor os princípios que norteiam a produção dos nossos telejornais deveria ser uma obrigação de todas as emissoras brasileiras. Afinal, TV é um concessão pública e jornalismo, uma prestação de serviço.
Já que adoramos falar mal da TV e apontar as tais ‘baixarias’, insisto que os nossos telejornais são muito chatos e na grande maioria dos dias, altamente previsíveis. Todas as tentativas de mudança se resumem a contratar estrelas globais a peso de ouro, encomendar novas vinhetas e fazer algumas gracinhas na telinha para enganar o público. Mudança de verdade nos nossos telejornais requer pesquisa, tempo e dinheiro. Depois, quando não der certo, é só voltar com ar humilde buscando os favores da viúva com o pires na mão. Nossa TV e principalmente nosso telejornalismo, continuam sendo negócios familiares envoltos em muitos segredos. Telejornalismo se aprende fazendo, e no Brasil pelo jeito se aprende errando e se afastando do público.
Não é a toa que as pesquisas mais recentes demonstram que os jovens tendem a se afastar dos telejornais. O mais deprimente é constatar uma opinião generalizada, principalmente entre o público mais jovem e bem informado de que os nossos telejornais são pouco criativos e que tendem a manipular as notícias movidas por interesses corporativos.
O Antimanual
O telejornalismo brasileiro não investe na sua própria pesquisa e segurança. Continua ‘no ar’ completamente perdido, sem um código de princípios , sem um manual de redação.
Mas como até agora nenhuma televisão brasileira se dispôs a mudar esse quadro e tornar suas práticas jornalísticas mais transparentes, resolvi encarar o problema de forma ousada e original. Já que as emissoras de TV não escrevem seus manuais de telejornais, estou preparando uma surpresa: o primeiro ‘Antimanual de telejornalismo’. Desde já conto com a colaboração dos colegas jornalistas, estudantes e leitores do nosso Comunique-se para colecionarmos os bons exemplos de tudo que ‘não’ deveríamos fazer em nossos telejornais.
O antimanual pretende ser guia dos nosso erros. A tarefa parece impossível, afinal são tantos desacertos em nosso telejornalismo, mas, como bons brasileiros, acreditamos na arte de esperar sempre pelo ‘impossível’.
O antimanual seria, antes de tudo, um alerta sobre as práticas profissionais do nosso telejornalismo que continuam ignoradas pelo público. Os truques da profissão. Afinal, são tantos exemplos que o antimanual pode vir a se tornar uma verdadeira ‘enciclopédia’ Um curso de telejornalismo às avessas.
Capitulo 1: Câmeras e intenções ocultas
O objetivo é mostrar aos estudantes, futuros jornalistas de TV e principalmente ao público, como identificar as práticas profissionais duvidosas.
O primeiro capítulo, obviamente, versará sobre um tema polêmico: as ‘câmeras ocultas para um jornalismo preguiçoso e obscuro’. O titulo já diz tudo.
No capítulo sobre entrevistas, pretendemos enfatizar as principais características da Arte da Entrevista para TV. Antes de tudo, devemos destacar a importância de jamais prestar atenção no que o entrevistado está dizendo. Ouvir as respostas dos entrevistados é totalmente supérfluo em um telejornalismo com pautas decididas pelas editorias.
O importante em telejornalismo é aparecer bem na TV com muitas perguntas e intervenções intempestivas, de preferência em contraplano. Explico. São aquelas perguntas de mentirinha, feitas pelos repórteres de TV após as entrevistas que ‘enganam’ o telespectador. O entrevistado já se foi e o repórter faz de conta que está perguntando e prestando atenção no entrevistado.
Magias da edição e o Povo não Fala!
O antimanual de telejornalismo vai ensinar todos os truques da edição dos fatos para criar uma realidade ‘conveniente’ aos princípios sagrados do jornalismo, dos editores e dos donos das emissoras, é claro. Vamos desvendar as pequenas sutilezas que fazem os nossos jornais nos darem a ‘impressão’ de que ficamos sabendo tudo sobre a nossa cidade, o nosso país e o mundo em menos de 30 minutos. Telejornalismo é poder.
Vamos alertar o público sobre os ‘perigos’ embutidos em inocentes edições de matérias do nosso dia-a-dia. Mais adiante vamos tratar de um outro tema polêmico: o povo não fala. Trata-se daquelas pesquisas populares que sempre confirmam as pautas dos nossos editores e que tendem a parecer pesquisas representativas, inocentes e verdadeiras.
Telejornalismo adora povo fala. Tente contar o número de matérias de qualquer telejornal que recorre ao truque da ‘voz do povo’, mais conhecida como a voz de Deus Em nossos telejornais, a verdade é que o povo não fala, confirma.
Mas no primeiro antimanual de TJ mostraremos como os editores selecionam as ‘boas’ falas, aquelas que declarações que confirmam a pauta pré-existente e como excluímos as declarações contrárias. Magias do telejornalismo. Já que as nossas emissoras se recusam a revelar seus segredos ou objetivos profissionais, o antimanual de TJ vai mostrar tudo.
Mas nem tudo no nosso antimanual é crítica ou denúncia. No capítulo final, ‘Faca você mesmo o seu telejornal’, vamos convencer os telespectadores a parar de reclamar, desligar a TV e ir a luta. O antimanual de TJ ensina ao telespectador a fazer o seu próprio telejornal. Pode ser um telejornal do seu condomínio, da sua escola ou da sua favela. O antimanual de telejornalismo também ensina o caminho das pedras.
A Arte da Entrevista ‘Armadilha’
Ainda no capítulo sobre entrevistas, descreveremos a importância de ‘enfrentar’ sempre os entrevistados. Um bom jornalista de TV deve considerar todo o entrevistado uma presa fácil, uma vítima a ser devorada pela argúcia do bom repórter de TV. No telejornalismo vale tudo. A não ser, é claro, que a vítima, quero dizer, o entrevistado seja um rico empresário, político influente ou poderoso qualquer. A vaidade das pessoas garante um lugar garantido nas ‘armadilhas’ das entrevistas ao vivo na TV.
Além disso, se o entrevistado for rico, poderoso e importante, é melhor não arriscar o futuro profissional garantido pelo emprego certo em alguma assessoria de imprensa. Nesse caso o antimanual recomenda fazer somente perguntas no gênero ‘eu levanto e o senhor chuta’.
O capítulo entrevistas do antimanual de telejornalismo, sem dúvida, será um dos mais úteis para o sucesso dos futuros profissionais.
As mentiras das imagens
No capítulo imagens vamos enfatizar a importância de sempre aparecer bem na frente nas câmeras. Não se importe jamais com a investigação dos fatos. Em telejornalismo ao vivo o importante é estar à frente da notícia. O importante é aparecer bem na telinha, bem na frente dos fatos. Tanto faz se o repórter estiver obstruindo a notícia com as suas constantes intervenções que nada acrescentam. O antimanual garante que o importante não é o que o repórter de TV diz, mas como ele se apresenta. Ele não precisa se preocupar em buscar informações. Deve, sim, caprichar na maquiagem, na escolha do guarda-roupa elegante a e na cara bonita, seja ela masculina ou feminina, tanto faz.
Em um telejornalismo ao vivo, o antimanual indica que o importante é o repórter e não a notícia.
A caixa preta do TJ
No capítulo especial sobre as reuniões de pautas que decidem as notícias que farão parte de nossos telejornais, vamos mostrar a importância do segredo. Telejornalismo é coisa séria e não devemos incomodar o público com as suas sutilezas. Jornalismo de TV adora cobrar transparência do governo, mas é um dos segredos mais bem guardados de nossa TV. Os bastidores do nosso telejornalismo permanecem ocultos. Não interessam a ninguém, muito menos ao público. A caixa preta do nossos telejornais é um segredo mais bem guardado do que as negociações do nosso congresso. Pelo menos, os deputados e senadores, permitem que os seus debates sejam transmitidos pela TV.
Devemos lembrar que 120 milhões de brasileiros vêem TV diariamente. Eles recebem cerca de 78 % de toda a sua dose diária de informação pelos nossos telejornais. Nem toda a informação é boa ou confiável, mas esse poder deveria ser analisado com muito cuidado. Em tempos de empréstimos milionários e negociações com as autoridades do governo, conteúdo de telejornal deveria ser considerado ‘estratégico’ para a sobrevivência da nossa claudicante democracia.
E já que as emissoras de TV brasileiras não produzem os seus próprios manuais de jornalismo, o nosso antimanual de telejornalismo promete não só preencher um vazio editorial e profissional, mas também promete incomodar muita gente.
Mas vamos todos participar desse Antimanual de telejornalismo. Aguardamos ansiosos pelas contribuições dos nossos leitores. Afinal, estamos em climas de mudanças com novas contratações milionárias na Band, dinheiro sobrando em empréstimos milionários, expectativas de um novo telejornalismo estatal na novíssima TV a cabo obrigatória da Radiobrás, a TV Voz do Brasil e muitas outras novidades no ar. Mais do que nunca, precisamos com urgência do nosso Antimanual de TV e TJ. Em verdade, não existe nada mais chato e previsível do que os nosso velhos telejornais. E também não é a toa que muita gente prefere assistir as novelas mexicanas!’