O novo ministro da Pesca, senador Marcelo Crivella (PRB-RJ), confessou-se incapaz de colocar uma minhoca no anzol. Todos noticiaram a frase, mas só um dos grandes jornais, O Globo, se aventurou a apresentar alguns números do ministério, criado em 2003 como secretaria. Seu orçamento passou de R$ 16 milhões em 2004 para R$ 154,6 milhões no ano passado, com expansão nominal superior a 800%, muito além, portanto, da inflação do período. Entre 2002 e 2009, a produção de pescado aumentou, segundo a reportagem, 25,2%. No ano de transformação da secretaria em ministério, a dotação chegou a R$ 210,9 milhões.
A maior parte dos jornais passou longe de informações desse tipo. Ninguém leva a sério esse ministério como componente da administração pública. Tem servido, até agora, apenas para acomodar políticos e premiá-los com um posto elevado no organograma oficial. Quatro de seus ocupantes foram recrutados no PT.
O primeiro, José Fritsch, foi nomeado depois de perder a eleição para governador de Santa Catarina. Tentou estimular exportações e ampliou o crédito ao setor e o acesso ao “seguro defeso”, pago a pescadores durante a proibição da pesca de certas espécies. O segundo, Altemir Gregolin, conseguiu a aprovação de uma lei sobre a política nacional de pesca. A terceira figura foi a senadora Ideli Salvati, também derrotada na disputa do governo catarinense. Em pouco tempo trocou de lugar com o deputado Luiz Sérgio de Oliveira. Depois de não dar certo como ministro de Relações Institucionais, foi escalado para não dar certo no Ministério da Pesca.
Sem novidade
Estes pequenos perfis foram publicados na Folha de S. Paulo. Somados ao material do Globo, quase compõem uma história de um ministério usado até há pouco para acomodar companheiros de partido e agora destinado, afinal, a atrair a simpatia dos evangélicos. O convite ao senador Crivella foi mais um gesto para eliminar ressentimentos causados pelo secretário-geral da Presidência da República, Gilberto Carvalho, num pronunciamento em janeiro. Além disso, o afago ao PRB pode atrair mais um apoio aos candidatos apoiados pelo governo central nas eleições municipais deste ano.
Os jornais poderiam ter oferecido ao leitor um pouco mais do que os perfis da Folha e os números apresentados pelo Globo. O Ministério da Pesca pode ser, na prática, meramente um lugar de acomodação de companheiros e aliados e um instrumento do jogo eleitoral. Mas é, oficialmente, um órgão federal voltado para uma atividade-fim. Tem uma estrutura e um custo de financiamento. Por que não apresentar ao leitor, com mais detalhes, um retrato desse ministério e uma avaliação técnica de seus resultados?
Nos últimos anos, a política de apoio aos pescadores serviu de pretexto para mais um escândalo – o da concessão, denunciada como irregular, do seguro defeso a um grande número de pessoas.
Entre 2003 e 2011, o número de beneficiados com a chamada “bolsa pescador” passou de 113.783 para 553.172, todos qualificados, oficialmente, como trabalhadores dependentes apenas da pesca, praticada de forma individual ou em regime de economia familiar. Foram gastos com o programa R$ 81,5 milhões em 2003. O orçamento federal do ano passado incluiu R$ 1,3 bilhão para essa rubrica. Esse valor foi mais que o dobro da verba prevista para o Ministério da Pesca, de R$ 553,3 milhões. Algo estranho nessa história? Havia beneficiários até em Brasília.
As denúncias foram sustentadas tanto por funcionários federais quanto por especialistas em contas públicas. O pagamento das bolsas foi feito pelo Ministério do Trabalho – outro detalhe interessante. Ninguém desencavou esses números da “bolsa pescador”, mas esse esforço poderia ter sido útil para dar um rumo às pautas. Afinal, há de fato uma política de pesca neste país? Há metas oficiais, planejamento, orçamentos plurianuais?
O ministério pode ser pouco sério e isso não é novidade. Mas fazer perguntas sérias sobre o assunto pode ser uma forma de expor fatos politicamente importantes – tão importantes quanto o dinheiro do contribuinte.
Assunto pedregoso
A imprensa poderia dar um pouco mais de atenção também ao debate sobre a dívida dos estados. Governadores estiveram no Congresso no dia 28/2, uma terça-feira, para se queixar das condições de pagamento negociadas com o Tesouro Nacional no fim dos anos 1990.
Naquela época, os estados estavam quebrados e o governo central responsabilizou-se pelas dívidas estaduais. Em troca, os governadores comprometeram-se com reformas fiscais e com um programa de pagamentos ao Tesouro ao longo de 30 anos. Os juros e a correção monetária acabaram inflando essa dívida e hoje se fala em nova negociação com o Tesouro.
Governadores têm recebido apoio no Congresso. O saldo da dívida está em torno de R$ 350 bilhões. Um novo acerto parece inevitável e pode ter consequências importantes para as finanças públicas nacionais. A autorização federal para vários estados tomarem novos empréstimos no valor de uns R$ 40 bilhões foi noticiada há poucos dias, mas os governadores querem muito mais que isso.
Vale a pena olhar o assunto com cuidado, embora pareça inicialmente um tanto árido. Mas basta lembrar da crise europeia para eliminar qualquer dúvida sobre a importância das questões ligadas ao orçamento.
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[Rolf Kuntz é jornalista]