Sunday, 24 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Isto é mesmo um juiz?

 

Em junho de 2006 Amílcar Roberto Bezerra Guimarães era (e continua a ser) o juiz titular da 1ª vara cível do fórum de Belém. Tinha centenas de processos para instruir e julgar. Mesmo assim foi designado para ocupar interinamente a 4ª vara cível da capital paraense. Responderia pela função durante os três dias em que a titular, Luzia do Socorro dos Santos, estaria no Rio de Janeiro, fazendo um curso técnico.

Mas o primeiro dia da interinidade não contou. A portaria de nomeação tinha erro e precisou ser refeita. Na quinta-feira o juiz não apareceu na 4ª vara. Nem no último dia, sexta-feira. Mas mandou buscar um único processo, volumoso, com 400 páginas e dois anexos.

Quatro dias depois, na terça-feira da semana seguinte, ao devolver os autos, o juiz Amílcar Guimarães juntou nele sua sentença, de cinco páginas e meia. Como desde o dia anterior a juíza titular reassumira o seu lugar, a sentença era ilegal. Para ludibriar a lei e os efeitos da portaria do presidente do tribunal, o juiz datou sua peça como se a tivesse entregue na sexta-feira.

Além de violar a lei e ofender os fatos, testemunhados por todos que trabalhavam na 4ª vara, inclusive seu secretário, que expediu uma certidão desmentindo o juiz substituto, Amílcar cometeu outro erro: ignorou o implacável registro do computador. E lá estava gravado: ele só entregou o processo e a sentença na terça-feira, quando já não tinha jurisdição sobre o caso.

Mesmo assim a sua decisão foi confirmada diversas vezes pelos desembargadores que, na 2ª instância, apreciaram diversos recursos que opus contra a sentença. Ela me condenou a indenizar, pelo dano moral que eu lhe teria causado, o maior grileiro de terras de todos os tempos, o empresário Cecílio do Rego Almeida.

Ele se disse ofendido pelo tratamento que eu lhe dera, de “pirata fundiário”. Sua grilagem abrangia 4,7 milhões de hectares, o equivalente a um quarto do território do Estado de São Paulo. Pirata fundiário igual nunca houve. Nem com a mesma suscetibilidade, provavelmente falsa.

Escândalo renovado

Não consegui a punição do juiz fraudador nem a reforma da sua sentença absurda. Depois de 11 anos tentando fazer justiça, desisti da justiça. Não recorri mais da manutenção da sentença e decidi pagar a indenização ao grileiro.

Como não tenho dinheiro para isso, recorri ao público. Aproveitei para denunciar a vergonhosa parcialidade do poder judiciário do Pará. Em menos de uma semana a subscrição alcançou o valor atualizado da pena, estimada em 22 mil reais. No dia da execução da sentença, as vítimas desse crime da justiça irão ao suntuoso palácio do tribunal apontar-lhe a culpa e a responsabilidade.

A grilagem não deu certo: a justiça federal a anulou, no final do ano passado. Talvez os sucessores do grileiro tenham perdido o prazo do recurso ou decidido não recorrer, tal a evidência da apropriação ilícita de terras do patrimônio público. Mesmo que recorram, sua causa está perdida, tal a contundência das provas dos autos.

Quando parecia que não havia mais nada capaz de aumentar o escândalo nessa história, o juiz Amílcar Bezerra voltou ao palco. Desta vez, numa das redes sociais da internet. Por livre e espontânea vontade, sem qualquer provocação, fez esta primeira postagem no seu Facebook:

“O jornalista Lúcio Flávio Pinto ofendeu a família Maiorana em seu Jornal Pessoal. Aí o Ronaldo Maiorana [um dos donos do grupo Liberal, afiliado à Rede Globo de Televisão] deu-lhe uns bons e merecidos sopapos no meio da fuça, e o bestalhão gritou aos quatro cantos que foi vitima de violência física; que a justiça não puniu o agressor etc…

“Mais tarde, justa ou injustamente, o dito jornalista ofendeu o falecido Cecílio do Rego Almeida. A vítima, ao invés de dar o…s sopapos de costume, como fez o Maiorana, recorreu CIVILIZADAMENTE ao judiciário pedindo indenização pela a ofensa.

“Eu fui o juiz da causa e poderia ter julgado procedente ou improcedente o pedido, segundo minhas convicções.

“Mas minha decisão não valia absolutamente nada, eis que a lei brasileira assegura uma infinidade de recursos e o juiz de primeiro grau nada mais faz do que um projeto de decisão que depende de uma série de recursos a ser confirmada pelos Tribunais.

“Tomei uma decisão juridicamente correta (confirmada em todas as instâncias), mas politicamente insana: condenei a irmã Dorothy [assassinada no Xingu com seis tiros por pistoleiros um mês depois da agressão física que sofri em Belém] do jornalismo paraense em favor do satanás da grilagem.

“Aí o jornalista faz um monte de insinuações; entre elas de que fui corrompido etc…

“Meu direito de errar, de graça ou por ignorância, não foi respeitado. A injustiça tinha necessariamente que resultar de corrupção, não é Lucio?

“Detalhe, é que a condenação foi ao pagamento de R$- 8.000,00, de maneira que se eu tivesse sido comprado seria por um valor, imagino, entre 10 e 20% do valor da condenação.

“Isto é o que mais me magoa; isto é o que mais me dói: um magistrado com a minha história; com o meu passado, ser acusado por um pateta como LFP de prolatar uma sentença em troca de no máximo R$- 1.600,00.
Pensei em dá-lhe uns sopapos, mas não sei brigar fisicamente; pensei em processá-lo judicialmente, mas não confio na justiça (algo que tenho em comum com o pateta do LFP).

“Então resolvi usar essa tribuna para registrar o meu protesto.
Mas se o Lúcio for realmente MACHO e honrar as calças que veste, esta desafiado para resolver nossas pendências em uma partida de tênis.

“Escolha a quadra, o piso, as bolas, o local, data e hora,

“CANALHA!!!!!”

Seguiu-se um segundo post:

“Eu quero me aposentar. bem que esse otário do LFP poderia fazer uma reclamação no CNJ. Juro que não me defendo e aceito a aposentadoria agora. Me ajuda, babaca!!!!!!”

Você não deve acreditar no que está lendo. Leia e releia com atenção. Embora estarrecedor para a imagem e a credibilidade da justiça brasileira, é a verdade. Que, com sua participação, comentarei na próxima coluna.

Leia também

A Justiça avacalhada – Luciano Martins Costa

***

Juiz do PA usa rede social para atacar jornalista

Aguirre Talento # reproduzido da Folha de S.Paulo, 6/3/2012

Um juiz que condenou um editor de jornal do Pará a pagar indenização a um empresário usou o Facebook para atacar o próprio jornalista.

Titular da 1ª Vara Cível de Belém, Amilcar Guimarães, 50, escreveu na rede social ter pensado em “dar sopapos” no jornalista Lúcio Flávio Pinto, 62, a quem chamou de “pateta” e “canalha”.

“Pensei em dar-lhe uns sopapos, mas não sei brigar fisicamente; pensei em processá-lo judicialmente, mas não confio na Justiça”, disse.

À FolhaGuimarães confirmou a autoria das mensagens -disse tê-las escrito como forma de “protestar”. “Fui satanizado [por Flávio Pinto].”

Em 2005, o juiz condenou o jornalista a pagar R$ 8.000 ao empresário Cecílio do Rego Almeida como indenização por danos morais.

O motivo da condenação foi reportagem do Jornal Pessoal, mantido há 25 anos por Flávio Pinto, que citou Almeida, fundador do grupo C.R. Almeida, como “pirata fundiário”, acusando-o de grilagem (apropriação ilegal) de terras na Amazônia.

Flávio Pinto é crítico do Judiciário paraense e questiona o fato de o juiz ter dado sentença ao processo, de 400 páginas, em um final de semana, quando substituía o juiz responsável.

Guimarães reconheceu à Folhanão ter lido todos os autos. “O que é que o juiz precisa além de ler a reportagem?”, questionou.

No Facebook, o juiz pede que seja denunciado ao CNJ (Conselho Nacional de Justiça) para ser aposentado compulsoriamente. “Não seria punição, seria um prêmio.”

O Tribunal de Justiça do Pará disse que considera as declarações do juiz de caráter pessoal, e que, por isso, não iria comentá-las.

***

[Lúcio Flávio Pinto é jornalista e editor do Jornal Pessoal (Belém, PA)