Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Estudo disseca a imprensa dos EUA

A Escola de Jornalismo da Universidade de Colúmbia, em Nova York, produziu uma alentada pesquisa sobre os meios de comunicação nos Estados Unidos intitulada ‘The State of the News Media 2004’ – uma ação do Projeto para a Excelência em Jornalismo daquela instituição de ensino.

O objetivo do trabalho foi concentrar o máximo possível de informações sobre cada um dos oito maiores setores de jornalismo dos EUA: jornais, revistas, TVs aberta e fechada, internet, rádio, imprensa alternativa e étnica. Cada uma destas áreas foi analisada a partir de seis tópicos: conteúdo, audiência, economia, propriedade, investimentos e atitudes públicas. Com as respostas encontradas, foi produzido um relatório de 500 páginas.

O resultado é um presente para jornalistas, estudantes de Jornalismo, empresários do setor de mídia e cidadãos em geral. Além da análise realizada especialmente para este trabalho, o relatório conta também com pesquisas feitas anteriormente por outras organizações. Financiado pelo Pew Charitable Trusts (http://www.pewtrusts.com/), o projeto tem a intenção de produzir um novo relatório a cada ano.

Dos oito setores analisados, apenas três vão na contramão das sombrias tendências apresentadas pelo estudo. As mídias online, étnica e alternativa são as únicas a exibirem um crescimento. A circulação de jornais em espanhol, por exemplo, triplicou na última década, enquanto a de jornais de língua inglesa encolheu 11% desde 1990. Outra exceção foi a rádio pública americana, National Public Radio, cuja audiência dobrou nos últimos 10 anos.

Momento de transformação

Esse primeiro estudo foi conduzido separando a mídia em duas categorias de análise: mídia impressa, que inclui jornais, revistas e internet; e mídia eletrônica, com os canais de notícias das TVs aberta e a cabo. Os veículos estudados foram observados de janeiro a outubro de 2003. O trabalho foi realizado com a ajuda de um substancial número de colaboradores, especialistas das áreas e grupos de pesquisa.

A conclusão encontrada é a de que o jornalismo encontra-se no meio de um período de transformações significativas. Ele não está se tornando irrelevante, e sim cada vez mais complexo. ‘Nós estamos testemunhando tendências conflitantes de fragmentação e convergência simultâneas’, diz o relatório. Enquanto o público se fragmenta, buscando as mais variadas fontes de notícias, estas fontes tendem a ser concentradas nas mãos de alguns poucos conglomerados gigantescos.

Os americanos estão buscando mais e diferentes fontes de informação, mas essas fontes estão pertencendo a cada vez menos e mais poderosas empresas – 22 companhias controlam 70% da circulação de jornais; na TV local, 10 companhias possuem as estações que atingem 85% dos EUA. Além disso, mais pessoas estão competindo pelas reportagens. Ao mesmo tempo, como se nota pelas repetições exaustivas dos canais de notícias de TV a cabo, cada vez menos matérias são produzidas.

‘Jornalismo é a forma das pessoas saberem sobre o mundo além de suas experiências diretas’, disse Tom Rosenstiel, diretor do projeto. ‘À medida que nosso jornalismo se fragmenta, há repercussões sobre o que sabemos, quão conectados estamos e qual a nossa habilidade de resolver problemas.’

Para onde escoa o dinheiro

A maior parte do investimento no jornalismo vai para a distribuição de notícias, e não sua coleta. Os fatos são menos checados e postos em perspectiva do que antes. Segundo o estudo, os jornais têm hoje 2.200 pessoas a menos empregadas em redações do que em 1990. Emissoras de TV noticiosas cortaram um terço de seus correspondentes desde os anos 1980, revela o estudo. Não é à toa que emissoras como Fox, CNN e MSNBC elegem cerca de cinco histórias toda manhã e as reciclam durante o dia. Apenas 5% das matérias na TV a cabo têm novas informações, informa o estudo.

Também faltou investimento em novas estratégias para alcançar as respectivas audiências. O relatório alerta para o fato de que muitos veículos estão atrás de uma audiência estagnada ou em decadência. A menos que as empresas jornalísticas comecem a investir agora em criar e cativar novos públicos-alvo, os cortes nas redações para aumentar a lucratividade podem ameaçar a longo prazo a percepção dos meios de comunicação tradicionais.

Alguns resultados

Segundo o estudo, os jornais são o meio com conteúdo mais completo e rico. Mesmo assim, a televisão mostra-se o meio preferido da audiência. Em uma das pesquisas apresentadas no relatório, constatou-se que 83% dos americanos se informam na maioria das vezes pela televisão. Outros estudos mostram que o índice de confiabilidade do público na televisão é altíssimo, e costuma crescer ainda mais em tempos de crise – como por exemplo durante a guerra do Iraque ou logo após os ataques terroristas de 11 de setembro de 2001.

Os canais de TV a cabo apresentam uma tendência a abandonar matérias editadas e a dar cada vez mais espaço a entrevistas e flashes ao vivo. Já as chamadas news magazines (revistas de informação) estão abandonando as notícias factuais e abusando das matérias de comportamento e estilo de vida, com temas como finanças pessoais e dietas da moda. Ao mesmo tempo, observa-se um aumento no número de novas revistas segmentadas no mercado – que cobrem assuntos relacionados à pesca ou coleção de bonecas, por exemplo.

No quesito atitudes públicas, constatou-se que os americanos acham que os jornalistas de hoje são mais parciais, menos profissionais, mais desleixados, menos preocupados e menos honestos com relação aos seus próprios erros do que há vinte anos.

Sobre a mídia online, vale uma análise mais profunda. É verdade que muitas das notícias que estão na rede são providas pela mídia tradicional – os 20 principais sítios noticiosos são compostos na maioria por jornais e organizações noticiosas tradicionais –, mas a competição é acirrada e muitas vezes resulta em jornalismo mal feito e pouco checado por priorizar-se a velocidade. A linguagem das informações on-line também é diferente: tende a ser irreverente para atingir o público jovem.

‘Isso muda a responsabilidade do jornalismo e torna nosso trabalho mais complicado’, diz Rosenstiel. No mundo fragmentado e menos filtrado das notícias 24 horas, consumidores e provedores valorizam cada vez mais a velocidade e a conveniência, muitas vezes às custas da precisão. Em um mundo sedento por notícias imediatas e dúzias de veículos capazes de dá-las, toda a mídia encontra-se em fase de provação.

Nas páginas seguintes desta rubrica, comentários sobre a pesquisa ‘The State of the News Media 2004’. O relatório completo do estudo está disponível no endereço (www.stateofthenewsmedia.org)