Em novembro de 2005, a nova Bizz chegou ao terceiro número de sua fase atual, comandada pelo corajoso Ricardo Alexandre. A revista musical da Editora Abril, que foi marcante na cultura pop da década de 80 no Brasil, havia saído de circulação há pouco mais de três anos e sua lacuna não conseguiu ser preenchida por qualquer outra publicação. Outras publicações havia, mas elas tiveram repercussão pequena e vida curta, como Frente e Zero.
A imprensa musical no Brasil, tal como conhecemos, começou na década de 70, com a imprensa ‘udigrudi’ (underground), inspirada na imprensa alternativa dos anos 60. A cultura pop ainda não era sinônimo de hit-parade (tal como conhecemos hoje), já que ‘pop’, nos anos 60, era uma espécie de ‘palavra mágica’ que definia, em termos culturais, tudo que era moderno, jovial e, simplesmente, ‘legal’ (conforme a gíria de então).
No Brasil, é um marco a filial brasileira da revista norte-americana Rolling Stone, lançada em 1971 e cuja redação teve à frente pessoas como o escritor e diretor de teatro Luiz Carlos Maciel. Nessa época, vários jornalistas especializados em música se tornaram famosos: Ezequiel Neves (mais tarde produtor do Barão Vermelho), Okky de Souza e o casal Ana Maria Bahiana e José Emílio Rondeau (que preparam o primeiro filme, 1972).
Jejum de meia década
Em seguida, ainda nos anos 70, a Editora Abril lançou a revista Geração Pop, enquanto a pequena editora carioca Mandacaru lançava a publicação Rock: A História e a Glória. Esta última era um misto de fascículos com revista cultural normal e, embora o rock – dos Beatles e Rolling Stones aos grupos de classic rock e rock progressivo da época, além do cenário nacional que ia dos famosos Raul Seixas, Secos & Molhados a Rita Lee a O Terço e o obscuro O Peso, que chegou a fazer parte das atrações do Hollywood Rock 1975 – fosse o gênero de destaque, a publicação também falava de MPB, sobretudo dando espaço a artistas obscuros.
A Geração Pop – também conhecida apenas como pop, já que o logotipo põe esta palavra em destaque – era de música pop em geral. Seu estilo era mais comportamental, mainstream, não se prendendo ao rock, mas a outras tendências populares da música jovem, como a soul music (Jackson Five, Stevie Wonder) e o pop romântico (Carpenters, Elton John). A decadência da revista se deu porque ela não conseguiu acompanhar as tendências musicais atuais. Sobre o punk rock, arriscou-se a fazer matéria fictícia, com dois meninos de rua, aparentando pivetes, que seriam integrantes de um inexistente grupo de punk rock. Foi sua sentença de morte.
Entravam os anos 80 e a Editora Três lançou a revista Roll, que estava sintonizada com as tendências musicais do início daquela década. A revista viveu seu auge durante o período do Rock In Rio, divulgando suas principais atrações. Mas a Editora Abril, depois de um jejum de meia década, investiu numa nova publicação chamada Bizz, cuja edição zero vinha com um disco flexível com trechos de sucessos recentes de Gang 90, Eurithmics, Talking Heads e outros.
Fase decadente
A revista foi uma grande enciclopédia de música, com informações diversificadas sobre várias tendências e várias épocas, embora o rock alternativo dos anos 80 seja o maior destaque. Mas a opção pela vanguarda causou polêmica, sobretudo numa eleição da crítica para os Melhores do Ano de 1987, quando o grupo Fellini, desconhecido do grande público, foi escolhido o melhor grupo. Para não causar problemas (ou melhor, na tentativa vã de evitá-los), a redação também escolheu os Titãs como melhor grupo, empatando com o Fellini, grupo cujos integrantes principais são Cadão Volpato (então repórter da revista de cinema Set, da mesma Abril, escritor e também apresentador de um programa para jovens no Sesc TV) e Thomas Pappon (então jornalista da Bizz, hoje morando na Europa, com passagem pela BBC de Londres).
Ao lado de rádios alternativas como a Fluminense FM (Niterói), 97 FM (Santo André), Ipanema FM (Porto Alegre) e Estação Primeira (Curitiba), a revista enriquecia a cultura jovem com novidades nacionais e internacionais, numa década (a de oitenta) em que o mainstream era medíocre (porque era mais visual e coreografia do que música), mas o underground era bem mais instigante, com muitas bandas criativas em vários países do mundo.
No entanto, ao findar-se o ano de 1991, a Bizz já entrava numa fase decadente, sob o comando de André Forastieri (hoje empresário da editora Conrad, ligada às histórias em quadrinhos). Além de reduzir o espaço de bandas alternativas, a Bizz passou a adotar uma linha iconoclasta, sarcástica, que exaltava o rock barulhento ou as tendências comerciais ou alienadas (o rock engraçadinho, por exemplo), provocando uma reação negativa dos leitores. Houve uma cisão na equipe e Forastieri fundou a sua atual editora, lançando a revista General, de curta duração, porque foi mais uma revista feita para os críticos, principalmente aqueles deslumbrados com o modismo grunge, que colocou o rock pesado nas paradas de sucesso, garantindo a catarse de sua platéia.
Foco em comportamento
Em 1995, a Bizz mudou seu nome para Showbizz e viveu outra fase decadente, dando ênfase ao comportamento e às tendências comerciais dos anos 90, com uma linguagem debochada, embora sem a iconoclastia de Forastieri e companhia. Mesmo assim, o público reagiu negativamente, o que fez as vendas declinarem.
Em 1998, a Showbizz iniciou uma cobertura mais contida, sem o deboche de antes, e aos poucos fazendo reportagens sobre tendências pouco badaladas da Música Popular Brasileira. Em 2000, a revista mudou de visual e passou a ser adotada pela subsidiária da Abril, a Editora Símbolo. Deu seqüência à linha editorial do final dos anos 90 – quando a crítica musical avaliava a crise da cultura brasileira com a hegemonia popularesca que continua até hoje –, com alguns bons momentos, como as reportagens sobre o Rock In Rio I de 1985, a fase psicodélica de Ronnie Von e a história do grupo punk Aborto Elétrico (cujo repertório foi regravado pelo Capital Inicial, a banda atual dos sobreviventes do AE, os irmãos Flávio e Felipe Lemos). Apesar das boas intenções, a revista não conseguiu evitar a falência e saiu de circulação em 2001.
Nessa época surgiram revistas que tentaram suprir a lacuna da Bizz/Showbizz, entre elas a Frente e a Zero, numa linha editorial parecida com a da Showbizz do fim dos anos 90, às vezes com o ranço noise rock/grunge da General. Mas nenhuma delas conseguiu ter a repercussão esperada e elas praticamente desapareceram. Enquanto isso, havia a revista MTV, que, apesar de ser a MTV (Music Television) uma TV surgida originalmente para ser musical, sua linha é mais o comportamento. Havia também as revistas das rádios (Jovem Pan 2, 89 FM, Transamérica), bem mais publicitárias que informativas e mais voltadas ao comportamento, restringindo o espaço da música aos nomes da moda. E circulou um boato de que a revista Rolling Stone teria novamente uma edição brasileira, mas que não chegou a render sequer um ‘embrião’ (no caso, um ‘número zero’ para testar a freguesia).
Instinto de pesquisa
Passando o tempo, com as FMs cada vez mais apegadas ao hit-parade (e, agora, também à agenda-setting), os referenciais musicais dos jovens, desprovidos de mídias alternativas autênticas ou de revistas que mostrassem muito além do óbvio, se tornaram cada vez mais pobres, previsíveis e restritas ao mundo do ‘só sucesso’. A internet poderia ser uma solução, mas o desestímulo dos jovens em procurar novidades os faz prisioneiros de ídolos supérfluos, tendências superficiais, e a tendência de memória curta faz com que eles só apreciem os fenômenos aparecidos nos últimos 15 anos.
Com o revival dos anos 80, a revista Bizz ensaiou, aos poucos, sua volta. No meio de 2005, foi lançada uma retrospectiva sobre o rock brasileiro, em quatro volumes, que foi uma espécie de ‘aquecimento’ da redação. A Bizz, então, retornou como revista de retrospectiva, mostrando a história da música pop internacional, as tendências do rock, pop e MPB, os principais concertos realizados no Brasil etc..
Em setembro, voltou a ser uma revista de atualidades. A fase retrospectiva serviu para apresentar a revista às novas gerações, muito crianças para compreender a fase áurea da revista (os jovens de hoje só puderam conhecer a Bizz nas fases decadentes de Forastieri e da primeira Showbizz). O estilo voltou a ser o mesmo dos anos 80, misturado com o instinto de pesquisa da Showbizz de 1998. Juntando as três primeiras edições, a Bizz inclui informações que vão dos Strokes à bizarra origem do Rock Brasil, quando uma cantora de serestas, Nora Ney, por cantar em inglês impecável, gravou uma versão para Rock Around The Clock, sucesso de Bill Halley and The Comets, em 1957. A revista promete cobrir do rock alternativo ao samba de raiz, suprindo assim as carências de uma platéia curiosa em conhecer novidades, mesmo que elas tenham vindo da década de 80 para trás.
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Jornalista