Quando a cidadã Danúbia de Souza Rangel (105.000 resultados Google em 6/3/2012) foi presa, a imprensa passou a chamá-la de “xerifa da Rocinha” e o apelido pegou (640.000 resultados Google em 6/3/2012). Os crimes atribuídos a ela pela mídia foram vários: associação ao tráfico, viver de maneira suntuosa às custas do marido traficante etc… Sua imagem foi exibida na televisão e existem pelo menos 764 vídeos sobre a “xerifa da Rocinha” na internet (Google em 6/3/2012), assim como fotos dela na internet (são 120.000).
A superexposição desta cidadã pela mídia é um fato evidente. O companheiro dela pode até ser um criminoso, mas ela mesma não havia cometido crime algum. E a imprensa a transformou publicamente em criminosa por suspeita, o que é inapropriado. A escolha afetiva de Danúbia de Souza Rangel não poderia ser condenada, pois a Constituição garante a todos o direito à liberdade de consciência e ninguém deve ser condenado por amar, mesmo que o seu amor tenha cometido crimes. No sistema brasileiro, cada qual só responde por seus atos e amar, caros jornalistas, ainda não é crime.
A jornalista Júnia Nogueira de Sá define notícia como:
“Se um cachorro morde um homem, isso não é notícia. Se o homem morde o cachorro, também não é notícia. Se o homem estivesse pagando ao cachorro por seus favores sexuais, aí sim, seria notícia. Mas não seria uma notícia de primeira página. Para ser manchete, o cachorro teria de ser menor de idade e o homem deveria ter um cargo importante no governo. Ou o cachorro e o homem deveriam ter, ambos, o mesmo sexo – a menos que trabalhassem no cinema, o que transformaria a manchete numa notinha da coluna de fofocas. Se o cachorro tivesse falsificado o nome de alguém bastante conhecido num cheque, aí seria notícia de novo. Agora, se o cachorro fosse um grande anunciante, o caso teria muito menos interesse do que poderia parecer a princípio.”
O estrago já foi feito
Mulheres fazerem escolhas afetivas inadequadas, ou péssimas, é fato corriqueiro. Todos os dias milhões de mulheres são brutalmente agredidas por seus esposos, namorados, noivos e companheiros. Todos os dias milhares delas abandonam o lar chorando, pedem separação de corpos ou se divorciam dos maridos pelos mais variados motivos. E até os mais repugnantes criminosos condenados têm suas devotadas e amorosas companheiras. Nenhuma delas pode ser considerada culpada pelo que eles fizeram, pois no Brasil a condenação criminal não pode passar da pessoa do réu. Mas não foi isto o que ocorreu no caso de Danúbia de Souza Rangel.
No caso de Danúbia, o sensacionalismo parece ter cegado os jornalistas. O efeito de circularidade ou de eco na mídia foi mais forte que o bom senso. Tanto que praticamente suspendeu o necessário cuidado e respeito aos direitos da personalidade dela. E agora? O que a própria mídia vai fazer? Os jornalistas que souberam crucificar preventivamente esta moça vão pedir desculpas? Pelo que tenho visto, não (ver aquie aqui).
A notícia da absolvição e libertação de Danúbia tem sido dada de maneira burocrática e frígida, como se o Poder Judiciário tivesse cometido um erro em não partilhar do julgamento público que dela fez a mídia. Todavia, o julgamento do Judiciário é o único que tem valor jurídico e dele nem mesmo a mídia pode se furtar. Quando é que os jornalistas vão aprender que não devem destruir as pessoas? Como em outros casos, neste também fiquei com a impressão de que o jornalismo tende a tratar algumas pessoas, aquelas que ganham notoriedade súbita e negativa, como se elas fossem apenas personagens. Mas as pessoas são mais do que isto.
Se esta moça resolver processar todos os veículos de imprensa que exageraram na sua exposição e que a ofenderam publicamente, ela certamente será indenizada. Mas este dinheiro de lágrimas não vai reparar o estrago que já foi feito porque na internet as notícias sobre a “xerifa da Rocinha” vão continuar a circular ad eternum et infinitum.
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[Fábio de Oliveira Ribeiro é advogado, Osasco, SP]