Em oportuno artigo publicado em 7/3/2012 ("Fundação Padre Anchieta, o destino"), o ex-ministro Almir Pazzianotto Pinto lança um alerta a respeito da possibilidade de a Fundação Padre Anchieta, pessoa jurídica de direito privado criada há quase 45 anos para gerir a TV e a Rádio Cultura, ser convertida, por decisão judicial, em fundação pública, sujeita, nessa condição, à ingerência direta e aberta do governo do Estado. Afirma o articulista, que foi ministro do Trabalho e presidente do Tribunal Superior do Trabalho: “Serão de tal ordem, e de tão funestas consequências, as transformações decorrentes da alteração de natureza jurídica, que não excluo a ideia do colapso da Fundação Padre Anchieta no caso de julgamento irrecorrível vir a lhe impor mudança da órbita privada para a esfera pública, na qual definhará e acabará estrangulada”.
A ameaça que hoje paira sobre a Fundação Padre Anchieta tem origem em demandas trabalhistas de iniciativa de funcionários, individualmente ou em grupos, que ao longo dos anos têm reivindicado os benefícios concedidos pela legislação aos servidores públicos, como estabilidade no emprego e aposentadoria integral. Essas demandas, sistematicamente indeferidas pelo Tribunal Regional do Trabalho em São Paulo, se fundamentam no argumento de que, por se tratar de uma entidade mantida com recursos públicos, aquela fundação deve ser considerado um ente público, e não privado, como consta de seus estatutos sociais.
Apesar da fragilidade e inconsistência do argumento básico com que funcionários da fundação têm procurado conquistar privilégios reservados aos servidores públicos por um Estado paternalista que só recentemente começa a despertar para a inviabilidade econômica desse sistema a longo prazo, a espada que paira ameaçadora sobre a cabeça da Fundação Padre Anchieta se torna agora mais pesada, uma vez que tramita no Supremo Tribunal Federal (STF) uma ação idêntica à outra, de responsabilidade não mais de funcionários insatisfeitos, mas do Ministério Público do Trabalho. O relator designado, ministro Ricardo Lewandowski, aguarda apenas a manifestação do procurador-geral para levar a questão ao julgamento do plenário.
Visão míope
Uma eventual decisão judicial que altere o status da Padre Anchieta, além dos graves e inevitáveis problemas de ordem administrativa e financeira que acarretará, violentará o espírito com que a entidade foi criada pelo então governador Abreu Sodré, em 1967. Como recorda em seu artigo o ministro Pazzianotto, ao propor para a entidade a condição de pessoa jurídica de direito privado, a intenção de Sodré era mantê-la “livre de ingerência do seu e de futuros governos, de deputados e de partidos políticos”. É claro que ao longo de todos esses anos, dependendo do nível das convicções democráticas e republicanas dos governantes de turno, a autonomia da TV Cultura na administração dos conteúdos que leva ao ar, especialmente o noticiário e programas de debates como o tradicional Roda Viva, tem sofrido, em alguma medida, tentativas, às vezes bem-sucedidas, de interferência do governo estadual. Muito recentemente, por exemplo, o Palácio dos Bandeirantes não conseguiu disfarçar sua desaprovação ao fato de o Roda Viva ter colocado sob seus holofotes o ex-ministro e deputado cassado José Dirceu, o famoso “chefe do mensalão”. Mas a reação, até onde se sabe, conteve-se nos limites do jus esperniandi.
Assim, amparada por seus estatutos e pela ação de um Conselho Curador cuja composição procura dar voz a representantes da chamada sociedade civil, a Fundação Padre Anchieta tem logrado preservar sua autonomia, pelo menos da interferência direta e ostensiva de governantes que, como ressalta o texto de Pazzianotto, “não vacilariam em tentar transformá-la em instrumento dócil de propaganda político-partidária”.
Uma visão política míope que se rende à sedução fácil do corporativismo rasteiro e do estatismo populista ameaça agora comprometer a contribuição que, há quase meio século, a Fundação Padre Anchieta tem oferecido a São Paulo e ao Brasil, nas áreas da cultura, da educação, do entretenimento e da informação. Está nas mãos do STF preservar essa tradição, ou escancarar as portas da entidade às forças do atraso.