Será que a revista Claudia retomou a tradição do bom jornalismo e discussão dos problemas femininos de forma mais ampla do que o relacionamento com maridos ou namorados? A edição do mês de março – que comemora o mês da mulher – parece apontar para essa mudança (bem-vinda, aliás) de rumo. Seis páginas foram dedicadas à entrevista com “A mulher que balançou a Justiça” – Eliana Calmon, a corregedora do Conselho Nacional de Justiça, responsável pela maior investigação sobre juízes corruptos que este país já viu.
Na entrevista, Eliana fala de casamento, aborto, família e, é claro, de sua luta no Supremo:
“Eu parecia uma louca enfrentando o Supremo de forma solitária. Todos diziam: ‘Ninguém perde para o STF. Como é que você faz isso?’ Eu respondia: ‘Estou lutando por minhas convicções.’ As pessoas precisam acreditar no seu juiz e considerá-lo indispensável. Não queria agradar a magistratura nem me promover. Não sou inimiga do ministro Cezar Peluso (presidente do STF e do CNJ). Só penso diferente.”
Depois de Eliana é a vez de Graça Foster, a nova presidente da Petrobras que, de acordo com a revista, está sendo considerada pelo jornal inglês Financial Times “uma das 50 mulheres em ascensão no mundo”. Mais reservada do que Eliana, Graça falou pouco – ou quase nada – sobre sua vida pessoal, lamentando apenas a solidão do poder. Mas fez uma boa análise sobre as diferenças entre homens e mulheres:
“Mulheres e homens são diferentes. Eu não tenho força para levantar essa mesa. Um homem talvez levante. Mulheres ficam grávidas, são mais sensíveis por causa dos hormônios. Elas, em geral, são mais perspicazes. Numa negociação, sabem a hora de diminuir a pressão para não perder o controle e voltam depois buscando harmonia. Agora, do ponto de vista do intelecto, são exatamente iguais e ambos devem estar igualmente preparados.”
O piloto de uma nova revista
Na sequência das matérias anunciadas na capa como histórias de coragem e amor, duas reportagens, dignas desse nome: a primeira sobre o casal que foi à Índia em busca de uma barriga de aluguel e a segunda sobre uma brasileira que ajudou o resgate de vítimas do navio Costa Concordia. Com essas entrevistas e as duas reportagens, Claudia aparentemente promete uma nova orientação de pauta, muito bem-vinda por sua atualidade e compromisso com as mulheres de hoje.
Claro que a revista continua com suas matérias de moda e beleza e comportamento, prestando um serviço a que as leitoras estão acostumadas. Mas se essas matérias forem apenas uma parte da receita da revista, que passa a atender também aos quesitos informação e atualidade, a revista, sem dúvida, se enriquece, melhora sua imagem e a imagem da sua leitora.
Parece, enfim, que Claudia tenta retomar o caminho que trilhou nos tempos em que entre suas colaboradoras estavam pessoas com a pioneira Carmen da Silva, que ajudou a formar toda uma geração de mulheres.
Vamos torcer para que a edição de março não seja apenas um especial do mês da mulher, mas o piloto de uma nova revista. E esperar que os perfis voltem a ser feitos por jornalistas. Sem entrar no mérito do trabalho de uma antropóloga, é difícil acreditar que entre os milhares de jornalistas que saem das escolas todos os anos, ou entre os profissionais que são obrigados a viver de free lancer, não exista pelo menos uma dúzia deles capazes de fazer um perfil no mínimo igual, mas possivelmente melhor.
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[Ligia Martins de Almeida é jornalista]