Já está ficando monótono. Há sempre um presidente, candidato ou político do alto escalão americano envolvido em algum escândalo sexual. Desta vez trata-se de rumores de infidelidade do americano John Kerry, pré-candidato presidencial democrata, com uma estagiária. O ‘causo’ ganhou rapidamente destaque na mídia internacional. Tudo começou com uma nota pouco embasada no sítio Drudge Report, do conservador Matt Drudge, no dia 12/2. Rapidamente, a história se espalhou, chegando a diversos veículos brasileiros e a tablóides britânicos como The Sun e The Evening Standard, ambos citando o nome da tal estagiária na edição de 13/2.
A maior parte da mídia americana se conteve e não reportou as acusações até que o radialista Don Imus, cujo talk show é transmitido em rede nacional, recebeu Kerry na manhã do dia 13/2. O pré-candidato negou os rumores e disse que não faria mais comentários. Essa declaração, no entanto, deu vazão à publicação de comentários que não foram provados. No dia 14/1, a história dominou as capas do New York Daily News e do New York Post, além de breve menção da Newsday. Também foi comentada em programas de rádio conservadores e em notícias na TV.
Como o rumor virou notícia, segundo James T. Madore [New York Newsday, 17/2/04], novamente lança questões sobre a pressa da mídia em fazer julgamentos. Alguns analistas do jornalismo ficaram preocupados com a deterioração dos padrões midiáticos com o advento das notícias 24 horas e a intensa corrida para dar a notícia antes dos concorrentes, mesmo sem verificar.
‘Jornalistas soltam rumores o tempo todo. Faz parte da profissão’, disse George Kindel, professor de Jornalismo da Universidade de Richmond. ‘Mas não podemos ou não deveríamos confiar nessas informações enquanto forem apenas rumores’. O caso ficou ainda mais preocupante quando, no dia 16/2, a suposta estagiária, Alexandra Polier, afirmou nunca ter tido uma relação com o senador e nem mesmo trabalhado para ele.
Ainda assim, alguns analistas políticos elogiaram as organizações noticiosas americanas por mostrar reserva em relação a meios de comunicação estrangeiros. É isso que, no Brasil, se chama de ‘nivelar por baixo’.
Paródia no West Wing
Para Lawrence O’Donnell, analista político da MSNBC, toda a indignação da mídia com o rumor gerado por Drudge soa familiar. Um script da série The West Wing, escrito em novembro de 2003, que vai ao ar em 25/2, fala exatamente de rumores no Drudge Report de um escândalo sexual no governo. Nada mais conveniente.
No episódio de O’Donell, o sítio ‘revela’ que a New York Times Magazine está apurando um caso que expõe verdades sórdidas sobre a demissão do vice-presidente Hoynes. Outro repórter do Times diz publicamente não acreditar no ‘boato’ mas, particularmente, acredita em Drudge.
Segundo Joe Hagan [The New York Observer, 23/2], Drudge se divertiu com a reação da imprensa, particularmente a do âncora Chris Wallace, do Fox News Sunday, que disse à rádio WABC que se nega a discutir o rumor porque era apenas fofoca; mais tarde, dedicou um quadro inteiro de discussões ao assunto em seu programa.
Drudge ‘fala à mídia o que está por vir’, disse O’Donnell. ‘Ele diz o que a mídia vai fazer e ela faz… Se sua credibilidade não fosse tão grande não haveria essa confusão sobre como lidar com tal factóide’. E acrescentou: ‘A notícia de Drudge não era sobre Kerry, mas sobre a imprensa’. Em outras palavras, enquanto âncoras e comentaristas usam Drudge de bode expiatório, lavando suas mãos publicamente, no fundo acreditam no que disse o conservador exatamente porque este se pauta nos bastidores da própria mídia. ‘Isso mostra que a credibilidade de Drudge é imensa, muito poderosa’.
Sob o prisma de O’Donnell, a moral da história desse episódio de West Wing não poderia ser diferente: os ataques a Drudge vêm exatamente das organizações noticiosas que já trabalhavam na apuração do escândalo sexual, mesmo o negando.
Erros das pesquisas, erros da imprensa
O resultado da primária do Partido Democrata em Wisconsin, no dia 17/2/04, surpreendeu a todos. Não pelo primeiro lugar, que mais uma vez ficou para o senador John Kerry, mas pela grande margem de erro nos resultados das pesquisas realizadas antes da votação.
Enquanto os institutos de pesquisa mostravam um enorme vácuo na intenção de voto entre Kerry e o senador John Edwards, a votação mostrou que a distância entre os dois era bem menor do que se esperava. No total, Kerry ficou com 40% dos votos e Edwards, com 34%. Na pesquisa realizada uma semana antes pelo American Research Group, por exemplo, Kerry tinha 53% das intenções e Edwards, apenas 16%.
Nenhum instituto de pesquisa conseguiu detectar o rápido crescimento na popularidade de Edwards. A imprensa, segundo The New York Times [19/2/04] baseou sua cobertura antes da votação nos índices apresentados pelas pesquisas, e revelou jornalistas desprevenidos e surpresos na hora de reportar o resultado final da primária de Wisconsin. O âncora Wolf Blitzer, da CNN, desabafou aos telespectadores: ‘(Esta é) uma corrida muito mais apertada do que esperávamos’.
A falha nas pesquisas levantou críticas e um velho debate. Questiona-se se há um excesso de confiança da imprensa nos resultados divulgados pelas pesquisas, e se não deveria haver mais cautela na cobertura de um evento que já se mostrou um verdadeiro caos para a mídia há quatro anos.
Howard Dean se reconcilia com a imprensa
O ex-pré-candidato democrata à presidência americana Howard Dean fez as pazes com a imprensa, que culpou pela ascensão e queda de sua candidatura. O golpe final foi a repetição exaustiva pela mídia de um urro que ele deu em comício no estado de Iowa.
Dean tentava animar seus eleitores, desapontados com o mau desempenho na primeira votação prévia do partido. Ele recebeu o grupo de repórteres que o cobriam em Milwaukee. Matea Gold, do Los Angeles Times, lhe entregou uma camiseta com os dizeres ‘Establishment Media – We have the Power, Dean Press Corps 2004‘ (algo como ‘Grande imprensa – Nós temos o poder, Grupo de Dean 2004’). ‘De fato, vocês têm o poder’, conformou-se Dean, rindo. Ele ainda brincou repetindo o grito que o deixou com imagem de descontrolado. As informações são do Washington Post [18/2/04].