‘A gíria se serve de palavras conhecidas, incluindo alguns neologismos, e imprime-lhes outros significados. Algumas delas têm vida efêmera, mas outras são incorporadas à língua.
Curiosa, veio do latim curiosa, com o significado de cuidadosa. Mas a gíria a tomou como sinônimo de parteira sem direito a exercer o ofício. Recorte de jornal dos anos sessenta dá conta de que ‘uma curiosa que vinha praticando abortos foi presa ontem em São Paulo’.
Enlatado designou originalmente o conteúdo de uma lata. Mais remotamente, o latim tardio latta designava pau ou vara comprida que servia para acomodar, por exemplo, os galhos da parreira. A madeira foi substituída por vigas, tiras ou chapas de metal ou de ferro. A lata ganhou outras formas e novos significados. Com a industrialização, não foram apenas os alimentos que foram postos em latas, mas também os filmes. E enlatado passou a sinônimo de filme de baixa qualidade, facilmente entendido pelas massas, destinado preferencialmente a ser exibido na televisão. Foi a embalagem que determinou a designação. A imprensa registrou o surgimento da palavra nos albores dos anos setenta: ‘O presidente do Sindicato dos Radialistas afirma que irá empenhar-se na difícil tarefa de lutar pela regulamentação dos chamados enlatados’. A presença de ‘chamados’ indica que ‘enlatados’ ainda não tinha circulação franca.
Maconha é outro exemplo. Consolidou-se para designar a ‘cannabis sativa’, mas no começo da década de 1970 era conhecida por nomes como ‘diamba’, ‘liamba’, ‘fumo-de-caboclo, fumo-de-angola’. Maconha, porém, tornou-se palavra hegemônica para designar o fumo especialíssimo.
Fusca, do alemão Volkswagen (carro do povo), hoje marca registrada da empresa que fabricava o conhecido automóvel, é palavra criada pelos brasileiros. Com o sentido de pato selvagem, de penas escuras, estava na língua desde finais do século 19. E em Cabo Verde, também escrito ‘fuska’, indica embriaguez.
O colunista Zózimo Barroso do Amaral registrou inúmeras palavras e expressões de gírias na célebre coluna social que fazia para o Jornal do Brasil, muitas das quais foram depois incorporadas à língua. No dia catorze de fevereiro de 1970, comentando a forma cautelosa com que famoso músico reentrara na atmosfera brasileira, depois de uma temporada no exterior, Zózimo escreveu no Caderno B: ‘Durante o carnaval, na moita, chegou da Europa o Wilson Simonal’. ‘Na moita’ é resquício de um tempo em que alguém podia ocultar-se no capim que grassava, primeiramente no campo, e depois também nas cidades.
Por complicada redução de palavra bem brasileira, combinada com insólita influência do inglês, ‘niver’ passou a designar festa de aniversário. Nos finais dos anos sessenta, encontramos registro na imprensa que aludia à festa que um marido dera aos amigos ‘para festejar o niver de sua bonita e louríssima esposa’.
Tão logo o dinheiro deixou de ser apenas moeda de metal e passou a ser impresso em papel, surgiram os qualificativos para nota: ‘nota alta’, ‘nota graúda’, ‘nota violenta’, ‘nota viva’, ‘nota preta’.
Ainda não estava oficializada a existência do novo tipo que oferecia prestação de serviços sexuais extraordinários, a conhecida garota-de-programa, mas a imprensa já registrava, no alvorecer de 1970, que ‘sair com ela custa uma nota alta’. Primeiramente, na ‘garçonnière’, palavra francesa que designava o apartamento para este fim. E mais tarde, no motel, do inglês ‘motel’, que designou originalmente hotel de beira de estrada, freqüentado preferencialmente por viajantes e com garagem para cada apartamento.
Os novos costumes retiraram os eufemismos e o motel substituiu a ‘garçonnière’ em escala industrial.’
JORNAL DA IMPRENÇA
Moacir Japiassu
‘O pai de Maria Clara’, copyright Comunique-se (www.comunique-se.com.br), 26/02/04
‘Exaurido por causa do desfile das escolas de samba de Cunha, do qual participou, domingo, como destaque dos Acadêmicos da Catioca, Janistraquis passou o restante da folia em rigoroso retiro aqui no sítio, a esquadrinhar nosso arquivo recente. Assim, reencontrou, em vários sites de fofocas televisivas, este título pré-carnavalesco e altamente explosivo:
‘Celebridade’: Maria Clara pode não ser filha de Lineu Vasconcelos
Amigo íntimo e colaborador de Glória Magadan, ainda na infância das novelas globais, meu secretário examinou as notícias, avaliou a dose de oportunismo que Celebridade deve ter para se atualizar em meio a tanto merchandising e concluiu: ‘Considerado, se bem conheço o Gilberto Braga, bom discípulo da Glória, o verdadeiro pai de Maria Clara Diniz é o Waldomiro Diniz.’
Abrindo o olho
O considerado Alex Cavalcanti, de Vitória (ES), envia mais uma pérola do jornalismo capixaba, ‘dessas que fazem voar qualquer dentadura e causam arrepios até na alma…’, segundo afirma, mais dramático do que um discurso da senadora Heloísa Helena: ‘Veja em A Gazeta o título da matéria cujo tema é a volta do menino Iruan ao Brasil’:
Avó materna quer evitar exposisão de Iruan
Janistraquis concorda com você, Alex; essa tal de esposisão pode ser doença contagiosa como a gripe do frango e é melhor a avó do menino abrir mesmo o olho!
Atletas do TRT
Depois de pular três dias no Carnaval de Fortaleza, fantasiado de Aurelião Eletrônico, Celsinho Neto, diretor de nossa sucursal cearense, escreve à coluna, nesta calma manhã de quinta-feira:
‘Não obstante as duas carreiras que já levei de colegas das redações, todos querendo me dar os parabéns pelos comentários que envio, vamos a mais uma preciosidade publicada pelo infatigável Diário do Nordeste, sobre o teste físico dos aprovados na primeira fase do concurso para o TRT do Ceará:
‘Stefânio Sales da Silva, 27º lugar em Vigilância, foi eliminado porque correu os 100 metros em 15 minutos e 28 segundos, enquanto o tempo máximo para homens é de 15 segundos e, para mulher, 17. ‘Cheguei na frente de outro candidato, mas escorreguei’, explicou.
Arriégua!!! Cem metros em 15 minutos e 28 segundos? Nem eu, com os meus 93 quilos, demoraria tanto tempo para percorrer, engatinhando, essa distância…’
Janistraquis garante que, se não escorregar, como o azarado Stefânio, também bate esse recorde, Celsinho.
Paralisação
José Paulo Tupynambá, considerado jornalista do Senado Federal, escreve à coluna:
‘Prezado Janistraquis, não sei se você também critica periódicos de entidades, mas esta é muito boa: A AMBr Revista (publicação mensal da Associação Médica de Brasília) traz, na capa, a seguinte chamada:
Entrevista: Presidente da AMBr fala sobre o movimento de paralisação.
Movimento de paralisação!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! Achei maravilhoso.’
Nós também, Tupynambá; nós também.
Haja carro!!!
Willians Barros, nosso considerado amigo porto-alegrense que andava mais sumido que Benedita da Silva, reaparece com esta singela nota do Informe Econômico de Zero Hora:
Menina-dos-olhos da indústria automotiva mundial, a China vai cancelar suas cotas de importação de veículos a partir de 2005.
Pelos acordos assinados depois de sua entrada na OMS, o país concluirá seu período de protecionismo da indústria nacional do motor no final deste ano, e suas tarifas de importação devem reduzir-se em até 25% do valor atual, em julho de 2006.
No ano passado, os chineses importaram 14,45 bilhões de veículos e produtos relacionados, 84% mais que no ano anterior.
Willians leu, releu, fez as contas e exalou esta perplexão:
Quem sabe a coisa fosse mais tranqüila se em vez de entrar para a Organização Mundial de Saúde (OMS) a China entrasse para a Organização Mundial do Comércio (OMC), né mesmo?
Mais espantoso, no entanto, é o número de carros importados em 2003 pelos nossos irmãos de olhinhos puxados: 14,45 BILHÕES de veículos!!! Haja rodízio para dar conta de tal frota nas ruas! Estatisticamente, dá quatro carros para cada chinês. Vai faltar garagem…
Xamadinha…
Kleber Gutierrez, considerado poeta, escritor, jornalista e ‘triste assinante do famigerado portal’, envia pérola que encontrou no UOL, em chamada da Folha de S. Paulo:
Vídeo mostra corrupção e derruba acessor de Dirceu
‘O ‘acessor’ é aquele acusado de ser mais um adepto da ‘propinomania’ que assola o país. Ou eu deveria escrever ‘açola’?
É um absurdo que, com tantos coleguinhas desesperados por uma vaga, este que vocifera ser o maior portal da América Latina não é capaz de atualizar suas informações mais que duas vezes durante todo um dia. E, quando o faz, nos apresenta belezas como essa.’
Revisor da pomba!
Deu na Folha do Maranhão de 22/2 e foi flagrado pelo O Revisor Maranhense:
(…) disparou outro tiro na direção de R.N., que tentou socorrer a irmã, mas ela conseguiu se desviar do projétil e fugiu.
‘Mais rápido do que uma bala, só o Super-Homem e o Neo, de Matrix. Ou será que o jornalista foi lento demais?’, indaga o Revisor.
Coisas de Portugal
Do Diário Íntimo do muito viajado diretor de nossa sucursal brasiliense, Roldão Simas Filho:
Quinta do Cachão
Há um vinho português – muito bom, por sinal – cuja marca é ‘Quinta do Cachão’. Eu pensava que o nome cachão fosse uma referência a grandes cachos de uvas (‘cachão’) mas não era isso. A quinta onde o vinho é produzido fica perto de uma cachoeira nas corredeiras do rio Douro, um cachão.
Besteira: 100%
O considerado Daniel Sottomaior, diretor da sucursal paulistana desta coluna, profissional de respeito e que não é chegado em Carnaval, passou os últimos dias a organizar suas leituras e encontrou esta surpresa entre as páginas de um de seus livros:
‘Em matéria sobre executivos de comércio exterior, um texto do Estadão tascou a seguinte pérola: ‘Recente pesquisa divulgada pelo BNDES mostra que 17,2% das dificuldades internas em planejamento e implementação de investimentos no exterior se deve a falta de capacitação gerencial’.
Ora, mas como é que se pode quantificar dificuldades, e ainda por cima com três algarismos significativos? Se eu tenho câncer no cérebro e unha encravada, a unha corresponde a 50% das minhas dificuldades na área de saúde?
É claro que algumas vezes é possível quantificar entidades subjetivas associando-as a algum efeito objetivo. Mas se não sabemos que efeito foi medido, o número perde o sentido.
Como no caso acima, que me deixou 13,87% mais entristecido com o analfabetismo científico que impera nas redações.’
Janistraquis concorda com quase tudo, considerado mestre Sottomaior, porém faz ligeira ressalva quanto ao exemplo citado: ‘Não é por nada, mas tem redator por aí que se tiver unha encravada e alguma lesão cerebral, a unha corresponderá, certamente, a 100% de suas dificuldades na área de saúde…’.
Nota dez
O texto da semana é da lavra de Luís Fernando Veríssimo em O Globo:
O amor, segundo a letra da velha valsa, é um holocausto de palpitações. O Brasil está vivendo um holocausto de hipocrisias. Uma hipocrisia explode de dentro da outra, como nos fogos de artifício. Difícil saber qual a maior, ou a mais barulhenta.
(…) Como pano de fundo disto tudo, como o céu profundo atrás dos fogos, está a hipocrisia institucionalizada de um país em que o jogo é proibido e é onde mais se joga, e das maneiras mais variadas, em todo o mundo. E a da falta de uma legislação sobre financiamento de campanhas. Que pode vir, por ironia, junto com uma lei para regular os bingos.
Errei, sim!
‘IRADO REMETENTE — Da revista Domingo, que se homizia entre os cadernos do Jornal do Brasil: ‘Num país como o nosso é uma ofença. Ofença à população miserável…’. Como se tratava, porém, de carta de leitor, leitor mais histérico que dona de galeria de arte, Janistraquis ficou em dúvida: ‘Considerado, é difícil saber se o redator enlouqueceu ou apenas sacaneou o irado remetente’.’ (outubro de 1993)’
PALAVRA, IMAGEM E PODER
André Luis Mansur
‘Jornalistas que usavam bico-de-pena e não tinham medo das exclamações’, copyright O Globo, 26/02/04
‘Palavra, imagem e poder – O surgimento da imprensa no Brasil do século XIX, de Marco Morel e Mariana Monteiro de Barros. DP&A ed., 130 pgs. R$ 17
O nascimento da imprensa brasileira, de Isabel Lustosa. Jorge Zahar Editor. 76 pgs. R$ 17
Muitos estudantes de jornalismo podem não acreditar, mas as máquinas de escrever ainda podiam ser vistas em algumas redações brasileiras até o início dos anos 90. E mesmo aqueles veículos já totalmente informatizados parecem de um tempo muito distante quando comparados às modernas técnicas de impressão e editoração de hoje. O que imaginar então de uma época em que a notícia era escrita a bico-de-pena, as fotografias copiadas por desenhistas e o noticiário internacional recebido com um mês de atraso?
Com certeza, o famoso 11 de Setembro teria virado 11 de outubro nos tempos analisados nestes dois livros. No caso de ‘O nascimento da imprensa brasileira’, Isabel Lustosa aborda o período que vai de 1808, quando surgiram o ‘Correio Braziliense’ e a ‘Gazeta do Rio de Janeiro’, os primeiros jornais brasileiros, até os anos posteriores à Independência.
Antes dos jornais, panfletos expressavam opinião pública
Marco Morel e Mariana Monteiro de Barros também estudaram o período, mas vão mais longe, até o início do século XX, quando os jornais se tornaram empresas e começaram a deixar o romantismo de lado. Neste livro, os autores mostram como a opinião pública, expressão tão comum nos dias de hoje, já se fazia presente, mesmo antes dos jornais brasileiros, através do disse-que-disse pelas ruas, muitas vezes a partir de panfletos afixados em locais públicos. E apesar de a impressão ser proibida no Brasil, circulavam livremente por aqui jornais europeus, como a ‘Gazeta de Lisboa’.
Já no período da Independência, quando começaram a circular diversos jornais brasileiros, quase todos extremamente combativos na divulgação de suas idéias, os autores fizeram uma pesquisa sobre o perfil dos leitores daquela época, com resultados bastante curiosos. ‘Os homens se dividiam entre os que trabalhavam, os que rezavam e os que lutavam, de acordo com uma mentalidade originária da Idade Média’.
O livro é rico em abordagens, como a ligação entre literatura e jornalismo – que aos poucos foi adotando uma linguagem própria -, o surgimento do jornalismo feminino e suas corajosas pioneiras, a importância da ilustração e a utilização das tipografias como locais de encontro, onde os jornais eram vendidos e muitas vezes debatidos em calorosas discussões.
Os anúncios da época também se revelam pitorescos quando vistos com o distanciamento que a História exige. Um deles, publicado no jornal ‘O Retirante’, chama a atenção pela linguagem nada politicamente correta. Ao descrever um escravo fugido que teria cometido diversos crimes e ‘bebe aguardente como quem chupa caju’, o longo texto termina com o seguinte brado: ‘Retirantes! Vós que sois irmãos, pais e parentes das seis donzelas que esse infame deflorou, quebrai a cara desse cabra!’.
Já o livro de Isabel Lustosa apresenta um caráter bem mais didático, como parece ser a proposta da série Descobrindo o Brasil. Isso não impede, entretanto, que apareçam detalhes bem interessantes sobre o surgimento do jornalismo no país, entre eles trechos de um artigo escrito por d. Pedro I, sob pseudônimo e repleto de expressões chulas, a respeito de João Soares Lisboa, um inimigo político comparado pelo imperador jornalista a ‘uma vala, onde se lançam todas as imundícies da imoralidade pública’. A cordialidade não faria parte dos manuais de redação da época se eles existissem. D. Pedro foi, segundo a autora, o primeiro jornalista a cobrir uma eleição, no caso a da Assembléia Constituinte de 1823.
A influência da maçonaria na imprensa do século XIX
A autora mostra como a maçonaria exerceu influência na imprensa da época, possibilitando uma livre expressão das idéias, o que não impedia que de vez em quando alguém fosse surrado nas ruas exatamente por causa dessa liberdade. Luís Augusto May, por exemplo, ao publicar um artigo ofensivo no seu jornal ‘Malagueta Extraordinária’, apanhou de um ‘grupo de embuçados’ a mando provavelmente do próprio imperador.
Um nome extremamente importante nos dois livros é o de Hipólito José da Costa, fundador do ‘Correio Braziliense’ e do jornalismo brasileiro. Nascido na Província Cisplatina, que seria mais tarde o Uruguai, sua vida é repleta de aventuras e reviravoltas. O que se sobressai, no entanto, é a atualidade de suas idéias e opiniões, como Isabel Lustosa mostra, ao afirmar que ele não era um democrata, mas ‘queria que as reformas fossem feitas pelo governo antes que o povo as fizesse’. Nestes tempos em que tanta gente fala em convulsão social, o pensamento de Hipólito poderia muito bem estar na página de opinião do jornal de hoje. ANDRÉ LUIS MANSUR é jornalista’