Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Esquizofrenia no New York Times

O que será que leva o New York Times justo agora a publicar o mais famoso esquerdista anti-sionista convicto dos EUA? Será porque ele tem sido um defensor implacável da corruptíssima corte de Haia que agora inicia o processo de destruição do Estado de Israel? Será porque o mesmo Chomsky contribuiu com seu apoio intelectual à destruição da Iugoslávia que tanto serve (a destruição do país, não o país em si) aos interesses americanos na zona em torno da ex-URSS?

O fato é que o New York Times está botando pra quebrar literalmente. Considerando a reputação de Chomsky na esquerda americana e mundial; considerando que essa mesma esquerda vê o NYT como ‘a voz do establishment liberal-capitalista’; considerando que os livros de Chomsky supostamente representam a mais ferrenha oposição nacional por muitos anos à política da Casa Branca, o artigo, para quem acompanha um pouco da política internacional, é uma explosão. Uma explosão de informação altamente reveladora. Mas toda essa informação está nas entrelinhas, no nível ‘simbólico’ do texto. Vejamos alguns dos pontos ‘involuntariamente’ esclarecidos por esta publicação:

1) Dado que a imprensa e a televisão americanas nunca foram tão controladas pelo governo como agora, e que o NYT tem apoiado maciçamente a política internacional dos EUA, independentemente do partido do presidente; dado que o NYT tem sido implacável em seus ataques quase diários ao Estado de Israel – especialmente na coluna de Thomas Friedman; dado que muitos artigos publicados no NYT sobre o Iraque foram favoráveis à invasão, este artigo de Chomsky revela, por eliminação, que os EUA, apesar da imagem contrária por eles mesmos difundida, têm tanto interesse na destruição de Israel quanto a maioria dos árabes. Ainda mais importante: o fato de terem aberto raríssimo espaço para o mais ferrenho crítico interno do establishment americano justamente para atacar Israel no momento em que este país sofre as piores conseqüências do fascismo islâmico revela que o interesse americano no fim de Israel é prioritário.

2) A súbita e totalmente inesperada aparição de Noam Chomsky (cuja profissão é a lingüística, não o jornalismo ou a ciência social) no NYT em 23/2 para atacar Israel, exatamente quando a política de defesa deste país é injustamente levada a uma corte internacional corrupta, mostra que o ataque a Israel é uma das poucas políticas (senão a única) que unem esquerda e direita num bloco monolítico. No caso da Iugoslávia, a esquerda se dividiu entre o apoio e a oposição à invasão da Otan. No caso de Israel o ataque é tão unânime que chega a desafiar a mais básica lógica política. Uma vez que o conflito israelo-palestino, embora grave, nem de longe se aproxime em horror das grandes tragédias da humanidade nos últimos 20 anos – como os genocídios de Timor Leste, de Ruanda e do Congo (este perpetrado ininterruptamente pelos belgas há um século) –, como entender este paradoxo? Por que tal desproporcional atenção a um conflito comparativamente menor?

A resposta parece residir no cerne da estrutura de poder internacional que se formou na década de 40. Com o fim da Segunda Guerra Mundial e a Europa falida, as duas novas potências no pós-guerra – EUA e URSS – passaram a competir pelo poder econômico e ideológico. O Estado de Israel, fundado em 1948 basicamente por judeus europeus de diferentes países e ideologias – parte dos quais sobreviventes do Holocausto nazista –, representava (e representa) em si o mais fiel testemunho histórico das qualidades e defeitos da civilização ocidental. Foi uma decisão da então recentemente fundada ONU que legitimou no mundo ocidental a proclamação do país, após muitos problemas com o Mandato Britânico na região. O conflito com os árabes, que remontava ao fim do século 19, foi acirrado na medida em que os árabes não aceitaram a partilha da Palestina de 1947. Mas o que determinou a política das potências na região foi algo de natureza muito diversa: o petróleo. Foi a busca do petróleo que determinou a política anti-sionista unânime dos EUA e da URSS, bem como das renascentes potências européias. Por quê? Porque tornou-se fundamental agradar aos líderes árabes para melhor extrair o petróleo a custos razoáveis.

Assim, diversas operações de inteligência foram executadas com vistas a favorecer os líderes árabes e dificultar a vida em Israel, conforme explicado por John Loftus (ex-procurador-geral dos EUA) em seu The Secret War Against The Jews. Povos como os de Ruanda ou Timor Leste foram sumariamente ignorados em suas tragédias simplesmente porque não tinham nenhuma importância econômica para as potências ocidentais.

Por outro lado, a propaganda árabe obteve enorme sucesso no Ocidente tanto na direita como na esquerda. Na direita porque lhe interessava muito financeiramente, e na esquerda porque, com a implosão da URSS sem guerras ou conflitos, era necessário encontrar uma causa externa plausível para tal queda. A causa então forjada foi a reavivação do libelo racista anti-judaico produzido na Rússia tzarista segundo o qual os judeus conspiram para dominar o mundo, desta vez ‘através dos EUA.’ Com isso, a esquerda adotou princípios ainda mais fascistas que os de Stalin, que representou o início da gradual decadência do comunismo. Ainda com isso, esta mesma esquerda que defendia ideais humanitários se aliou a forças de extrema direita no Oriente Médio, a ponto de ignorar por completo que a verdadeira causa do terrorismo palestino, hoje amplamente legitimado pela imprensa e chamado pelo eufemismo de ‘militância’, é o fundamentalismo islâmico, cujos métodos de coerção foram adotados diretamente da Alemanha nazista, quando o líder religioso muçulmano palestino no período da Segunda Guerra, Hajj Amin Al-Husseini, se associou voluntariamente ao Eixo e chegou a alta patente nazista, tendo sido encarregado de reunir um batalhão SS na Bósnia islâmica e exterminar todos os ciganos, sérvios e judeus da Iugoslávia ocupada.

Da mesma maneira ignoram hoje que o terrorismo islâmico palestino em nada difere daquele da Chechênia, do Kosovo, do Hizbollah iraniano, da Indonésia, da terrível opressão contra a minoria chinesa da Malásia e da al-Qaida. Ignoram inteiramente a origem do problema palestino e defendem uma causa inteiramente desprovida de embasamento histórico. Ao manter sua postura anti-sionista, a esquerda enterra seus ideais históricos e acaba servindo aos ideais da extrema direita fascista que ela historicamente abominava, até mesmo facilitando sobremaneira a expansão imperialista ocidental no Oriente e na Ásia Central.

A presença de um paladino da extrema esquerda como Noam Chomsky no NYT para atacar Israel (o mesmo que antes atacou a Iugoslávia) é o sintoma máximo desta decadência. Que Chomsky tenha mudado seu discurso ligeiramente apenas para este artigo do NYT ao dizer que ‘aceita Israel desde que dentro das fronteiras de 1948’, enquanto em seus livros defende o desmanche do país e a formação de uma utópica ‘federação árabe-judaica’ (que daria indigestão crônica em qualquer antropólogo) é muito sintomático de sua enorme desonestidade intelectual.

Por fim, o fato de que ele e alguns outros anti-sionistas proeminentes sejam judeus pode parecer ao leitor no mínimo uma ironia, especialmente em momento tão delicado da história de Israel. Mas todos os povos sempre tiveram seus traidores nacionais, e os judeus não são uma exceção. Os anais dos serviços de inteligência inglês, russo e americano, por exemplo, estão plenos de exemplos semelhantes.

Alexandre J. Eisenberg, bolsista da Capes