Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Guálter George

‘O jornal The New York Times lançou editorial na última quinta-feira, dia 26, no qual anuncia aos seus leitores que considera John Kerry o melhor nome entre os candidatos do Partido Democrata para enfrentar o republicano George W. Bush na sucessão presidencial dos Estados Unidos. Um daqueles bons exemplos de maturidade que a mídia norte-americana nos oferece, abrindo brecha para discutirmos a possibilidade de um dia vir a ser copiado entre nós. O que parece é que, no Brasil, uma combinação algo medíocre entre meios acomodados e público pouco consciente inviabiliza que se discuta de maneira mais séria a possibilidade de os jornais, rádios e televisões também poderem manifestar sua opção institucional dentro de uma campanha eleitoral, sem que isso influencie no acompanhamento editorial. O resultado é o que se costuma ver, muitas vezes. Um apoio dissimulado, que muito comumente passa pelo noticiário, contaminando-o. Sou, particularmente, defensor da idéia de que um órgão noticioso, quando apoiar uma candidatura, deve fazê-lo de maneira aberta, exprimindo sua opção em editorial.

A opinião e a informação

Há uma série de aspectos que, naturalmente, precisariam ser considerados. O mais importante envolve a questão cultural, onde no ambiente dos Estados Unidos, e de vários outros países, especialmente da Europa, o alto nível de consciência dos leitores já lhes permite raciocinar sobre a questão de maneira diferente, por exemplo, da média dos cidadãos brasileiros. Ver a coisa por este ângulo representa um certo comodismo de quem o faz, pois deixa de considerar o necessário elemento educativo do processo de informação. Quando, para citar um exemplo concreto e recente, O Povo manifestou sua opinião institucional e crítica sobre um fato (a agressão ao ministro Ricardo Berzoini com uma torta no rosto, no último dia 12), ao mesmo tempo em que deixou a redação à vontade para um acompanhamento editorial equilibrado e para publicar artigos contra e a favor, cartas idem, estamos diante de uma situação de cunho educativo, na qual os leitores percebem que uma coisa é o pensamento do jornal, como instituição, outra é a necessidade que ele tem de fazer um acompanhamento jornalístico dos fatos. Inclusive aqueles sobre os quais tem opinião e a manifesta de maneira legítima.

A dúvida nasceu primeiro

No jornal O Povo, hoje, sequer em perspectiva é considerada a hipótese de manifestar uma opção institucional sobre candidaturas dentro de um processo eleitoral. A despeito da postura vanguardista que o órgão costuma adotar dentro de um cenário profundamente marcado pelo conservadorismo. O problema, alega-se, é que existem dúvidas quanto à eficácia de comportamento como esse adotado pelo jornal novaiorquino. Há dez anos no O Povo, diretor de redação desde 1998, Arlen Medina se diz certo de que um posicionamento editorializado inevitavelmente afeta a cobertura jornalística, que, concordo com ele, em qualquer circunstância precisa ser isenta. Uma grande parte do nó da questão estaria no próprio leitor – considerando-se o meio jornal -, que não parece devidamente preparado para conviver com uma situação na qual o editorial recomenda o voto no candidato ‘x’ sem que, com isso, o noticiário pareça comprometido com aquela candidatura. A tendência, diante da dúvida, é vivermos um impasse eterno devido ao desinteresse de levar o debate adiante, buscando saber se a atitude é evitada por medo da reação do público, ou, ao contrário, se o público não reage ao assunto porque sua opinião nunca foi solicitada.

Transparência tem limite

Com o assunto fora de sua pauta de prioridades para o curto, médio ou longo prazo, O Povo busca formas para garantir imparcialidade ao seu processo de cobertura eleitoral, preocupação que volta à tona agora em 2004, ano de disputas municipais. Arlen Medina lembra que desde 1998 é feita a publicação no jornal das regras gerais que balizam a cobertura de cada campanha, expondo ao leitor suas linhas principais e, com isso, abrindo-se a cobranças posteriores. Na concepção do jornalista esta atitude, somada a várias outras de âmbito interno (está sendo definido uma espécie de manual de conduta para os profissionais que integram a redação para vigência a partir de março), expõe a preocupação de se permitir ao público que acompanhe o comportamento adotado ao longo de uma campanha a partir dos compromissos assumidos e publicados. O que imagino é que um jornal que se cerca de tantos cuidados, que diz ao leitor como pretende agir jornalisticamente dentro de um processo eleitoral, que chama os seus jornalistas à responsabilidade diante da função que exercem e das peculiaridades do momento que precisarão relatar, poderia, como mais um passo, começar a discutir a conveniência de manifestar sua opinião quanto às candidaturas postas, desde que, claro, tenha convicção firmada sobre qual seja a melhor.

Ser imparcial é parecer imparcial

Arlen Medina lembra que as campanhas eleitorais costumam ser marcadas pelo emocionalismo e, em situações assim, poderia gerar graves distorções uma manifestação oficial de um jornal a favor de candidatura ‘x’ ou ‘y’. É fato, como é fato que mesmo sem editorializar apoios hoje os jornais, O Povo dentre eles, dificilmente saem de uma campanha sem acusação de terem ajudado este ou aquele candidato, de terem feito uma cobertura para favorecer um ou outro, enfim, é raro o caso no qual um órgão de comunicação recebe rótulo de imparcial ao fim de um processo eleitoral. Um editorial como este do The New York Times naturalmente que não garante ao veículo tranqüilidade para uma campanha como a que se arrastará até novembro próximo nos Estados Unidos, mas, por outro, legitima seu comportamento, especialmente quanto às críticas que vier a fazer contra este candidato e sua campanha. Pior do que praticamente inexistir exemplos iguais do Brasil – excetuando-se, que eu lembre, uma atitude de O Estado de São Paulo em 1998, ao apoiar a reeleição de Fernando Henrique Cardoso -, é a ausência completa de discussão sobre o tema, inclusive cá no O Povo.’