Thursday, 28 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

“Lei de acesso está entre as 30 melhores”

A lei brasileira de acesso a informações públicas está entre as 30 melhores do mundo, em um ranking de 90 países feito pela organização não governamental Centre for Law and Democracy. A revelação foi feita por Toby Mendel, dirigente da organização e consultor da Unesco, braço da ONU voltado à educação, à ciência e à cultura.

Em entrevista ao Estado de S.Paulo, Mendel considerou “boa” – mas não ótima – a lei que, a partir de maio, obrigará os governos e órgãos públicos brasileiros a abrir seus dados e atender a pedidos de informações dos cidadãos. Para ele, um dos problemas é a falta de um órgão independente a quem o público possa recorrer quando suas requisições não forem devidamente respondidas.

Como o sr. avalia a legislação brasileira em comparação com a de outros países?

Toby Mendel– A organização em que trabalho criou uma ferramenta para avaliar a qualidade das leis de acesso a informações públicas nos países. Lançamos um ranking em setembro de 2011, com a avaliação de 89 leis, todas as existentes na época. Depois que o Brasil aprovou a sua lei, em novembro, nós a avaliamos e demos a nota 94, numa escala que vai de zero a 150. Com isso, ela se situa entre as 30 melhores do mundo. Não é uma lei ótima, mas é boa. Levamos em conta apenas o texto, não a implementação da legislação.

“Não é uma lei para países não democráticos”

Segundo a lei, quando algum pedido de informações ao governo federal não é respondido, o público pode recorrer à Corregedoria-Geral da União, um órgão do próprio governo. Segundo os críticos, esse aspecto pode afetar a efetividade da lei. O sr. concorda?

T.M. – Sim, esse é um dos problemas da lei. Em primeiro lugar há uma instância interna de recursos, o que é bom. Trata-se de uma instância superior no mesmo órgão público em que a informação é solicitada. E, por fim, se pode recorrer a uma espécie de ombudsman, mas ainda dentro do próprio governo. Creio que o ideal é haver um órgão de fiscalização independente do governo, como os que existem em vários países. Esse seria um modelo muito mais robusto. Mas temos de ver, com o passar do tempo, como esse órgão de recursos se comportará.

Hoje há leis de acesso a informação em países como Paquistão, Bulgária e África do Sul, com democracias recentes ou precárias. Os governos de fato levam a sério a aplicação desse tipo de legislação?

T.M. – Eu diria que, das cerca de 90 leis de acesso a informações em vigor no mundo, a vasta maioria é de países que são ao menos parcialmente democráticos. A África do Sul é uma democracia, com eleições livres. O Nepal, que também tem uma lei, é uma democracia muito mais frágil. Essa legislação faz parte do pacote do regime democrático, por assim dizer. Uma exceção é a China, que tem uma lei de acesso apesar de não ser uma democracia. Em casos assim, é muito difícil que a lei funcione. Na China, independentemente da lei, no final das contas são as autoridades do governo quem têm total controle sobre a liberação ou não de uma informação. Não há nada parecido com um órgão de fiscalização independente na China. Não é uma lei para países não democráticos. Por outro lado, não é preciso ter uma democracia de estilo suíço em vigor para adotar esse tipo de legislação. É uma boa lei para países em transição para a democracia.

“Onde há altas taxas de analfabetismo, o desafio é maior”

Em países onde não há familiaridade com a democracia, as pessoas percebem a importância desse tipo de legislação?

T.M. – Creio que, nos países onde não há plena democracia, os cidadãos entendem melhor a importância da transparência do que em nações como a minha, o Canadá. Às vezes, nas democracias, as pessoas veem as coisas como garantidas, por não ter de lutar por direitos. Em alguns dos países com os principais casos de sucesso desse tipo de legislação, as pessoas realmente abraçaram a ideia. O México, por exemplo, virou uma democracia de verdade muito recentemente, e por causa disso os cidadãos valorizam muito o acesso à informação pública. Na Europa do Leste, países aprovaram leis de acesso a informações 10 ou 15 anos atrás, quando estavam dando seus primeiros passos como democracias. Lá as pessoas sabem a importância da informação.

Mas não há maiores dificuldades onde as instituições são mais frágeis?

T.M. – Talvez possamos analisar as dificuldades não com base no grau de democracia, mas do próprio desenvolvimento dos países. Onde há, por exemplo, altas taxas de analfabetismo, existe um desafio muito maior do ponto de vista do acesso à informação.

“Uma ferramenta de combate aos corruptos”

Quando uma gestão de governo decide ser mais aberta e transparente, isso fortalece seus críticos e adversários políticos. Como o sr. responde ao argumento dos que veem a abertura como uma fraqueza?

T.M. – Sem dúvida, uma atitude de abertura fortalece a crítica, mas é um engano encarar isso como uma fraqueza. A crítica pode ser muito construtiva. Se você pensar no papel da mídia na sociedade, na maior parte do tempo ela é crítica, aponta problemas, joga luz em áreas onde algo não funciona, onde há corrupção. Isso não enfraquece a democracia, pelo contrário, a fortalece. Governos que são abertos e valorizam a crítica são os mais fortes.

Que tipo de mudanças no equilíbrio de poder essa legislação pode proporcionar? O sr. pode dar exemplo de transformações reais em países que adotam leis de acesso a informações?

T.M. – O exemplo mais forte é o da Índia. Não se trata apenas de mudança no equilíbrio das forças políticas. Essa lei não vai mudar a natureza fundamental da política, mas, se um partido se envolve em corrupção, e a legislação ajudar a expor esse fato, esse partido pode perder a próxima eleição. Isso aconteceu até no meu país, o Canadá. Na Índia, o que mudou de verdade foi o equilíbrio de poder entre os cidadãos e os burocratas. A lei de acesso a informações deu à população uma ferramenta poderosa de combate aos corruptos, aos desonestos, aos que enganam o público.

“As pessoas não querem apenas votar, mas participar”

Quais são os grandes exemplos de governo aberto hoje em dia?

T.M. – É preciso fazer uma distinção entre os países que têm leis de acesso a informações há mais tempo, que estão acostumados à sua vigência, e os demais. Suécia, Estados Unidos e Canadá são bastante abertos. São países de democracia consolidada, onde o governo aberto funciona muito bem porque, no fundo, a maior parte das coisas funciona bem. Mas há outro grupo de países onde a abertura tem sido usada como ferramenta para resolver os problemas. São exemplos mais interessantes para o Brasil analisar, como México, Índia, Eslovênia, Bulgária – nações que abraçaram a causa da abertura mais recentemente, onde há maior entusiasmo e engajamento por parte da população. A Suécia pode até ser mais aberta, mas duvido que lá haja tantos pedidos de acesso por parte dos cidadãos como na Índia.

É claro que a ideia do direito à informação precede a internet, mas o sr. considera que a popularização do acesso à rede mundial aumentou a ânsia por dados governamentais e transparência?

T.M. – Sem dúvida. Ao fazer palestras sobre esse assunto, eu identifico três fatores que têm estimulado a demanda pelo direito à informação em várias partes do mundo. Um deles é o crescimento da importância dos governos participativos. As pessoas não querem apenas votar nas eleições de tantos em tantos anos, querem participar das administrações, querem ter controle sobre as decisões que lhes dizem respeito. Há 15 ou 20 anos não havia esse tipo de demanda. É um fenômeno global. No Egito, essa foi uma das causas da revolução. A tecnologia é outro fator. Com a tecnologia as pessoas passam a entender melhor o valor das informações, principalmente daquelas que costumam ser retidas pelos governos. Por fim, há o fenômeno da globalização. As pessoas estão conectadas, independentemente de fronteiras, podem ver o que os cidadãos de outros países têm e exigem os mesmos direitos.

***

[Daniel Bramatti e Fernando Gallo, do Estado de S.Paulo]