Imitar a natureza sempre foi um sonho do homem. Nos tempos bíblicos, se dizia que nem Salomão, em toda a sua glória e esplendor, se vestia com a beleza dos lírios do campo. Nos tempos modernos, uma das mais caras aspirações dos cientistas era, até recentemente, criar telas de televisão capazes de reproduzir a beleza das cores das asas das borboletas, da plumagem dos beija-flores, das conchas de madrepérola, das bolhas de sabão ou das gotículas de água que formam o arco-íris.
Nos últimos anos, aprendi, sem muita poesia, que toda essa riqueza cromática da natureza decorre de um fenômeno típico de nanotecnologia, que tem o nome de iridescência e que se baseia na reflexão das cores brilhantes. Mas, para nossa alegria, o sonho da imitação das cores mais belas da natureza se torna realidade, com a tecnologia dos novos painéis mirasol, que superam tudo que a eletrônica havia criado até aqui.
Num futuro próximo, com essas telas, nossos smartphones, tablets e televisores poderão exibir cores ainda mais belas, mais nítidas e mais brilhantes. Além da beleza das imagens que produzem, a tecnologia mirasol tem duas outras vantagens extraordinárias. A primeira é manter a qualidade das imagens e a legibilidade dos textos mesmo sob a incidência direta da luz do sol. A segunda é economizar energia, porque dispensam luz de fundo (backlight).
A iridescência
Entre as pesquisas mais avançadas desenvolvidas no mundo sobre o fenômeno da iridescência, estão os estudos feitos ao longo da última década pelos cientistas de várias universidades do mundo, em especial os estudos do Instituto Tecnológico da Geórgia, nos Estados Unidos. No Brasil, as pesquisas mais avançadas nessa área são realizadas pela equipe do professor Henrique Toma, do Instituto de Química da Universidade de São Paulo.
Com base no conhecimento científico das universidades, diversas indústrias no mundo têm desenvolvido pesquisas com o objetivo de reproduzir nos painéis e monitores a reflexão das cores brilhantes com a mesma beleza, contraste e nitidez da natureza, que vemos na iridescência.
A primeira empresa a alcançar esse objetivo e utilizar a nova tecnologia em bases comerciais é a norte-americana Qualcomm, com seus painéis formados por milhares de minúsculos componentes microeletromecânicos, que produzem as cores com qualidade excepcional por um processo reflexivo semelhante ao que ocorre nas cores das asas das borboletas.
Esses painéis foram batizados com o nome poético de mirasol. Ao longo da última década, a Qualcomm conseguiu desenvolver um sistema completo de monitores e telas que já são utilizados em e-readers ou leitores eletrônicos.
Os novos chips
As cores emitidas por essas telas são produzidas por milhares de minúsculos chips ou sistemas microeletromecânicos, conhecidos pela sigla Mems (do inglês, microelectromechanical systems) que constituem hoje o coração ou componente-chave dos painéis mirasol.
Os Mems são, na verdade, componentes complexos que associam os efeitos da corrente elétrica e contatos mecânicos e recriam o efeito óptico-visual da iridescência, utilizando a tecnologia do modulador interferométrico, também conhecido pela sigla Imod, do inglês Interferometric Modulator.
Por suas numerosas aplicações, não apenas nas telas e monitores, mas, também, em sensores e acelerômetros, os Mems se tornaram recentemente a grande estrela da indústria microeletrônica. Esses componentes têm a dupla função de associar não apenas os efeitos da corrente elétrica, mas também movimentos e contatos mecânicos.
Ao longo dos últimos anos, os Mems se transformaram num componente vital para os smartphones e tablets, bem como para impressoras, picoprojetores, câmeras digitais, microfones e centenas de outros produtos no mundo da eletrônica de entretenimento. Eles são, a rigor, chips ou microprocessadores associados a um sensor fixado sobre uma placa que detecta movimento, orientação ou outras mudanças no ambiente em torno do qual eles atuam.
Um dos melhores exemplos de Mems é o acelerômetro, usado para detectar qualquer movimento dos tablets e smartphones. Alguns desses dispositivos podem conter ainda um magnetômetro, que atua como uma bússola minúscula.
Mems barômetros
Outros tipos de Mems são embutidos em celulares e podem funcionar como barômetros, pois são capazes de detectar minúsculas flutuações na pressão do ar, o que lhes permite calcular as mudanças relativas da altitude, como, por exemplo, à medida que uma pessoa sobe ou desce uma escada. Com isso, os smartphones poderão identificar em que andar de um edifício está o usuário, ampliando, assim, a cobertura dos serviços de localização do tipo GPS (Global Positioning Systems) até dentro de edifícios.
Serviços como o Google Maps têm incluído planos interiores para museus e shopping centers, de modo que os smartphones em breve serão capazes de direcionar as pessoas a uma loja específica ou a uma sala de reunião. Outro segmento emergente é o dos chamados Mems de radiofrequência (RF Mems), para comunicação móvel, que permitem a mudança rápida da conexão para uma estação radiobase com a finalidade de checar se um celular está transmitindo ou recebendo eficientemente.
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[Ethevaldo Siqueira é colunista do Estado de S.Paulo]