Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Ameaças virais

Um filme de 30 minutos sobre o terrorista ugandense Joseph Kony, “postado” no YouTube no dia 5 último e, desde então, já visto por mais de 80 milhões de pessoas no mundo (quem contou?), está sendo chamado de “campanha viral”. Consultando especialistas, fui informado de que uma campanha viral é algo que se espalha pelas redes sociais, como um vírus de gripe que se pega no ar e também atinge milhões.

Há um certo esmalte na expressão campanha viral, mesmo que os assuntos que ela dissemine sejam colossalmente chinfrins. Um deles – e que, apenas nos primeiros dias, também atingiu “80 milhões de acessos” (mais uma vez, quem contou?) – referiu-se à música “Ai Se Eu Te Pego”, pelo cantor Michel Teló, depois de sua improvável descoberta pelo craque português Cristiano Ronaldo.

Uma terceira campanha viral foi a que, em poucos dias, impôs a outros 80 milhões de pessoas (sempre esse número fatal) a história de Luísa, aquela que foi, voltou ou fez qualquer coisa de que ninguém mais se lembra no Canadá. Não me surpreenderá se uma próxima campanha viral envolver o casamento de Luísa com Cristiano Ronaldo ou o sequestro de Michel Teló por Joseph Kony para fins imorais. As campanhas virais tornaram Kony, Teló e Luísa celebridades por igual – hoje, não há mais celebridades boas ou más, há apenas celebridades –, provocando confusão. E se, de repente, Kony surgir no YouTube cantando “Ai Se Eu Te Pego”?

Há algumas semanas, fui acometido pelo que, ainda a confirmar, pode ter sido uma doença da mesma natureza e família: uma encefalite viral – algo que também se pega por aí, sem aviso prévio. A diferença é que o vírus, que me atingiu chegou, fez o competente estrago e se mandou ou morreu. Enfim, agiu sozinho e não se impôs a 80 milhões de incautos. Pelo que só lhe posso ser grato.

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[Ruy Castro é jornalista, escritor e colunista da Folha]