Ao explicar a formatação dos chamados “corpos dóceis”, Foucault alerta para o aprisionamento dos homens às proibições e obrigações impostas pela sociedade de controle. A tendência em sujeitar-se aos mecanismos de poder advém, segundo ele, da formação disciplinar aplicada pelas instituições de ensino desde a mais tenra infância. O aprendizado procedente do ambiente escolar – identificado por Paulo Freire como um processo de “educação bancária”, no qual o conhecimento é meramente depositado na mente dos estudantes –, está voltado para o mercado, e não para a construção do verdadeiro saber. Este último preza pelo pensamento crítico-reflexivo, utilizando-se do diálogo e da participação de toda a comunidade acadêmica em sua concepção.
Segundo a lógica dominante, caso uma criança deixe de ir à aula para ficar em casa apropriando-se da linguagem digital – única capaz de atraí-la, por estar diretamente relacionada à sua materialidade social e psíquica – deverá ser punida pela escola e pelos pais. Contudo, ao gravar áudios, produzir e editar vídeos, ler sobre temáticas de seu interesse e escrever sobre experiências pessoais em blogs, ela está exercitando potencialidades cognitivas, e não – como equivocadamente se pensa – deixando de fazê-lo. Somente quando se consegue compreender que a educação não requer sofrimento e rigor disciplinar pode-se colaborar para a formação de indivíduos capazes de interpretar a realidade que os cerca.
Alternativas ao modelo
O avanço tecnológico influi diretamente na constituição dos códigos educacionais. Sendo assim, ao invés de proibir o uso do aparato digital no ambiente escolar – prática comum entre as instituições de ensino –, seria mais interessante utilizá-lo como ferramenta pedagógica. Hoje, quando a criança está em contato direto com a tecnologia digital, construirá um espaço de conformação dos bens simbólicos de seu interesse independente do incentivo de pais e professores. Daí a necessidade de aceitar a naturalidade desse processo e associá-lo aos conteúdos trabalhados em sala de aula. Conforme revela o legado deixado por Paulo Freire, somente pela ação dialógica se constrói, de fato, o conhecimento teórico e prático, com vistas à transformação social.
Em meio a esse cenário, chama a atenção uma pesquisa realizada pela ONG Ação Educativa, de São Paulo, intitulada “Que Ensino Médio Queremos?”. Ao serem questionados sobre o interesse no conhecimento adquirido na escola, 59% dos entrevistados disseram que nem sempre se sentem instigados pela didática oferecida. O principal anseio dos jovens não é aprender, mas sim, “aprender a querer aprender”. Cabe aos profissionais da área ajudá-los a pensar por si próprios, o que só é possível desenvolvendo junto aos educandos métodos de aprendizagem condizentes às suas aptidões.
Em 2008, a partir de uma iniciativa do Ministério da Educação (MEC), passaram a ser ofertadas oficinas de educomunicação nas escolas da rede pública de ensino. Através do projeto “Mais Educação”, estão sendo promovidas ações sócio-educativas durante o contra-turno escolar, as quais incluem a educação para a mídia. O uso da rádio-escola, por exemplo, representa mais do que a simples apropriação da técnica de transmissão radiofônica, pois coloca em evidência a possibilidade de promover novas propostas de comunicação. No entanto, tal prática requer uma conjugação de esforços. Além de ser capaz de identificar a ideologia presente nos conteúdos midiatizados, é preciso que os jovens se sintam motivados a construir alternativas ao modelo apresentado pela mídia hegemônica.
A regulamentação da comunicação
Nos final dos anos 1970, através da Comissão Internacional para o Estudo dos Problemas da Comunicação, a Unesco formulou um relatório que discutia essa questão. A Nova Ordem Mundial da Informação e da Comunicação (Nomic) preocupou-se em desenvolver estratégias capazes de libertar os países latino-americanos do imperialismo cultural estadunidense. Com esse intuito, emergiram inúmeras iniciativas, com destaque para a Associação Brasileira de Vídeo Popular (ABVP), que se fez presente em todo o país durante a década de 80. Se, ainda hoje, as mobilizações em torno de uma comunicação mais justa e solidária não se consolidaram – devido à forte influência ideológica que as indústrias de comunicação exercem sobre o público – é preciso evidenciar, ao menos, o mérito dos movimentos sociais em inserir o debate sobre a democratização da mídia na agenda política nacional, como ocorreu, em 2009, por intermédio da Conferência Nacional de Comunicação (Confecom).
O projeto proposto pelo MEC, somado a alguns outros – de âmbito local ou estadual – tem, ao menos, modificado a relação estabelecida entre a escola e as tecnologias de informação e comunicação. O programa do governo federal está sendo implementado em ambientes de ensino com baixo IDEB – índice que mede o desenvolvimento das escolas brasileiras. Quando teve início, em 2008, eram apenas 55 municípios e 386 mil estudantes participando das oficinas. Dois anos depois, já contabilizava mais dois milhões de jovens cadastrados. Em 2012, a meta é agregar 4,5 milhões de estudantes, fazendo-se presente em aproximadamente 3,5 mil municípios.
Cabe ao Estado, portanto, promover a inserção de disciplinas específicas para a análise critica da mídia nas escolas, aliando a esse processo uma renovação nos métodos de ensino, os quais precisam estar voltados para a atual realidade tecnológica. Mesmo longe de solucionar a demanda por uma comunicação livre e independente, projetos que incluam a educomunicação no macro-campo das ações pedagógicas possibilitam a conscientização dos jovens quanto à necessidade de regulamentação da comunicação no Brasil. Assim, torna-se possível o avanço das políticas nesta área, pois se retira a discussão do âmbito legislativo realocando-a ao principal espaço capaz de influir na tomada de decisões do governo.
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[Eduardo Silveira de Menezes é jornalista graduado pela Universidade Católica de Pelotas (UCPel) e mestre em Ciências da Comunicação pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos)]