Até que ponto o jornalismo brasileiro está disposto a ir para assegurar sua audiência? Ao que parece, pelo menos nesses últimos tempos, o mais longe possível. Isso se faz perceber ao analisarmos a qualidade e a credibilidade das notícias que recebemos diariamente. Em vez de matérias que tratem de forma objetiva e clara os problemas da sociedade ou os seus avanços, somos bombardeados por conteúdos de entretenimento de baixa qualidade e sensacionalista.
A TV Globo, por exemplo, vem abusando de um recurso bastante polêmico ultimamente. Refiro-me à câmera escondida. No domingo (18/3), o Fantástico exibiu uma matéria que dizia mostrar o mundo da propina, da fraude e da corrupção do jeito que o telespectador nunca viu. Com a ajuda da direção do hospital de pediatria da Universidade Federal do Rio de Janeiro, o programa dominical infiltrou um repórter na instituição de saúde – que assumiu o cargo de gestor de compras – para gravar diálogos que “desvendam” como as fraudes nas licitações públicas são realizadas.
O Código de Ética dos Jornalistas é bem claro em seu artigo 4°: o compromisso fundamental do jornalista é com a verdade no relato dos fatos, deve pautar seu trabalho na precisa apuração dos acontecimentos e na sua correta divulgação. Porém, ao assumir o lugar do gestor de compras do hospital já mencionado e acompanhar as negociações, contratações e compras de serviços, será que o repórter Eduardo Faustini não influenciou os personagens da história a agirem de forma ilícita?
Encontrar essa resposta é muito difícil, pois a forma como a matéria foi editada não nos deixa perceber como Faustini abordou os representantes das empresas. A única coisa que podemos ter certeza é que toda a construção da notícia foi muito bem planejada, inclusive nas escolhas das empresas que iriam participar das licitações fictícias. Todas estão sendo alvo de investigações pelo Ministério Público.
Câmeras escondidas e microfones ocultos
O leitor deve estar se perguntando: mas não é dever do jornalista combater e denunciar todas as formas de corrupção? Respondo com toda convicção: sim! Mas o jornalista não precisa recorrer a meios questionáveis para conseguir sua matéria. Ir a uma boca de fumo e registrar o comércio ilegal de entorpecentes com uma câmera escondida não é retratar a realidade das drogas em uma dada região, pois toda a gravação pode estar fora de um contexto e para o telespectador mais crítico fica difícil identificar o que lhe está sendo transmitido como real ou uma mera teatralização.
Vale lembrar que também é dever do jornalista não divulgar informações de caráter sensacionalista. Peço a permissão para retomarmos alguns pontos do Código de Ética do Jornalista. Ele diz de forma bem clara que o jornalista não deve divulgar informações obtidas de maneira inadequada como, por exemplo, com o uso de identidades falsas, câmeras escondidas ou microfones ocultos, salvo em casos de incontestável interesse público e quando esgotadas todas as outras possibilidades de apuração. De fato, desmascarar a fraude nas licitações públicas é de interesse público, mas será que todas as outras formas de apuração foram esgotadas? Acredito que não. Por que o Ministério Público e o Tribunal de Contas não foram ouvidos na matéria em questão? Será que eles, como órgãos fiscalizadores, não teriam capacidade de explicar como as fraudes comumente acontecem? O fato é que usar identidade falsa, câmera escondida ou microfone oculto se tornou a maneira mais prática no jornalismo brasileiro de se produzirem matérias de impacto (sensacionalistas).
Quero deixar claro que minha intenção não é defender as empresas nem seus funcionários que apareceram na reportagem do Fantástico, longe disso. Minha indignação é quanto ao uso indiscriminado de câmeras escondidas e microfones ocultos na construção de uma matéria. Se o conteúdo registrado fosse transmitido na íntegra, acharia menos ruim, mas como não o é, o diálogo é editado e, da forma como o veículo deseja abordar o assunto, o trabalho se torna questionável e o papel do jornalismo perde credibilidade, pois cada vez mais as notícias são tratadas de forma sensacionalista pelos veículos de comunicação para que esses aumentem sua audiência e com isso incrementem suas receitas com anúncios.
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[Nicolas Braga é jornalista, Rio de Janeiro, RJ]