A prática jornalística migrou para um caminho perigoso quando viu no sensacionalismo um padrão para atingir grande parte da população. Empresas de comunicação têm na informação o seu principal produto, porém deve-se questionar até que ponto a sociedade é informada verdadeiramente quando temas como violência, prostituição, drogas e crimes hediondos são a prioridade da mídia, transformando notícias e reportagens em espetáculos.
O ideal iluminista do jornalismo, que busca cumprir seu papel promovendo a cidadania e dando voz à sociedade, acaba sendo suplantado pela ambição comercial que o sensacionalismo envolve. Certamente, o jornalismo tem um amplo destaque na vida das pessoas, pois é ele o grande mediador e difusor de informações no meio social. No entanto, a reflexão e a análise mais aprofundada dos fatos são deixadas de lado em prol de uma informação capitalista, com alto teor de venda.
A promoção do direito à cidadania, à igualdade e à informação de qualidade são simplesmente descartadas. O fazer jornalístico passa a apropriar-se de vidas humanas ao se valer do argumento eficaz de ser o divulgador dos males da sociedade. No entanto, com isso, acaba destruindo a informação ao intensificar a dor de vítimas de uma realidade cruel.
“Circo dos horrores”
O sensacionalismo é inimigo do público, pois ele contempla o que há de mais frágil na alma humana: ao priorizar os sentimentos, utiliza um tom persuasivo, de forma que o sujeito passa a ser o objeto de venda da matéria. Uma pessoa doa sua tragédia e desgraça para o enriquecimento de grandes empresas jornalísticas e eles as vendem a valores extremos para o público em bancas de jornais e revistas ou programas televisivos ou radiofônicos, conquistando grandes audiências.
O alto custo cobrado no sensacionalismo está justamente nas vidas das vítimas desumanizadas e coisificadas como objetos de uma caçada selvagem ao lucro imediato. Vidas de pessoas humildes são midiatizadas de maneira errônea, sem a contextualização necessária para o público refletir, sendo tudo mostrado de maneira nua e crua para os espectadores que, como elo de uma cadeia, na maioria das vezes nem percebem em que estão envolvidos.
A reflexão, um dos grandes trunfos da sobrevivência do jornalismo impresso na era digital, não é compreendida por muitos donos de jornal, ao banalizarem a violência e a tragédia de forma irresponsável e pouco ética. Para o público, resta assistir ao “circo dos horrores” ou simplesmente fechar os olhos diante de uma maneira de corrupção que não vê fronteiras para explorar o aspecto mórbido, o bizarro de um acontecimento.
Ficção e realidade
O filme O quarto poder, de Costa Gavras, de 1997, reflete bem sobre esta prática da mídia. Nesta produção cinematográfica ocorre um sequestro e o sequestrador vira uma celebridade sob os flashes da mídia, que acompanha de forma massiva e incessante o desenrolar do crime. A imprensa explora o caso de maneira brutal, fazendo da história uma novela diária acompanhada por milhares de pessoas. Devido à demasiada exposição do sequestrador, ora tratado como um herói sofrido, ora como vilão, a história toma rumos inesperados.
Psicologicamente fragilizado, ele, então, comete suicídio. Surge a seguinte questão: quem o matou? Ele próprio ou a mídia, em sua cobertura exaustiva do acontecimento? Este simples caso fictício toma grandes proporções ante a simples lembrança do caso Eloá Pimentel, no qual a mídia abusou da transmissão do sequestro, atrapalhando as negociações da polícia e permitindo que a história tivesse o final que ninguém queria ver. Neste ponto está a real gravidade do sensacionalismo, ao utilizar o ser humano como se fosse uma mercadoria, não se importando com a vida dele.
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[Valério Cruz Brittos e Éderson Silva são, respectivamente, professor titular no Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação da Unisinos e graduando em Comunicação Social – Jornalismo da mesma instituição]