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‘No dia em que saiu a primeira crónica, na semana passada, iniciou-se nos EUA a conferência anual dos ombudsmen, organizada pela ONO (Organization of News Ombudsmen), na qual pude participar. Os 55 inscritos vinham sobretudo da imprensa, embora onze fossem oriundos da rádio e da televisão (mais desta…). Estiveram representados, entre outros The Washington Post, New York Times, Chicago Tribune, National Public Radio, todos dos EUA (de onde eram originários a maior parte dos presentes), The Observer e The Guardian, de Inglaterra, France Télévision (de França), Canadian Broadcasting Corporation e Maison de Radio-Canada (ambas do Canadá), Milliyet (Turquia), a Folha de S. Paulo (Brasil). Estiveram também outros representantes da América central e do sul (Colômbia, México, por exemplo) e ainda da África do Sul e da Austrália. Segundo David Bazay, ombudsman canadiano já com cinco anos de mandato, esta maior participação internacional trouxe um grande enriquecimento aos debates (dada a maior diversidade de entendimentos do exercício da função) e mostra o reconhecimento cada vez mais alargado da provedoria dos leitores. A conferência realizou-se no Poynter Institute, uma prestigiada escola de jornalismo (ver Bloco Notas).
Destaco quatro aspectos da conferência que me parecem mais significativos:
1 – Vários oradores referiram um novo relacionamento entre as audiências e os media caracterizado pela crescente afirmação cívica dos leitores. Em linguagem corrente significa que as audiências (ou parte destas) não «comem gato por lebre». Os públicos desejam maior intervenção e mais transparência nos media, estimulados aliás pela própria actividade jornalística. Os profissionais da informação exigem dos diferentes serviços públicos, das empresas, dos indivíduos permanente disponibilidade e transparência. Pois bem: os cidadãos exigem o mesmo dos jornalistas: isto não só porque nos EUA houve erros e falsificações que originaram grandes desconfianças nos leitores (como as que ocorreram num jornal com o prestígio e a seriedade do New York Times), mas também porque os avanços da cidadania e do conhecimento «criaram» alguns leitores mais atentos, mais exigentes, batalhando por maior qualidade da imprensa. A ideia central desta procura de novos relacionamentos mais fiáveis, mais transparentes, mais abertos foi levantada sobretudo por Tom Rosenstiel, do Projecto para a Excelência no Jornalismo, sediado em Washington, mas foi retomada noutras intervenções.
2 – Um outro aspecto muito analisado foi o das modificações que a Internet, sobretudo os bloggers, está a introduzir no mundo do jornalismo. Hoje alguns leitores não se limitam a ler o jornal, a ouvir rádio ou a ver televisão. O advento dos bloggers permitiu que alguns se tenham tornado autores, criadores de informação, pessoas que se exprimem nas mais diversas áreas e num novo espaço público. Também a função do jornalista se está a alterar, pois a procura de informação com os motores de busca tornou-se mais rápida e eficiente, permitindo, em segundos, uma pesquisa de eficiência elevada. Por outro lado, a edição de informação tornou-se mais complexa, pois, ao lado das edições em papel, existem edições online onde escrita e grafismo têm grandes especificidades. Outros salientaram o facto de as versões online dos media serem agora acessíveis em todo o mundo podendo originar interpelações (mesmo conflitos jurídicos) de cidadãos de países longínquos, agora próximos pela Web. Isso também se verifica no mundo dos ombudsmen, pois, por exemplo, Renaud Gibert, da Maison de Radio-Canada, recebe queixas de cidadãos canadianos residentes na Austrália.
3 – Kelly Mcbride, do Poynter, especialista em ética, fez uma interessante intervenção sobre o mundo das celebridades, interrogando-se sobre se as notícias sobre celebridades, sobre os famosos, seriam verdadeiras notícias ou voyeurismo. O mundo das celebridades expandiu-se, disse, sendo esta uma das novas pressões sentidas na imprensa. A compreensão deste fenómeno estaria também ligada à expansão dos canais que emitem 24 horas por dia, à Internet, ao desejo de estar de acordo com os tempos, mas também provocada pela competição acrescida pelos leitores mais jovens, cuja cultura está muito ligada ao mundo do espectáculo. Um dos casos práticos analisados incidiu sobre a série Friends, que chegou ao fim nos EUA. Na imprensa portuguesa pude ler peças sobre este assunto. Kelly afirmou que, quando uma série destas acaba, uma parte da nossa cultura desaparece. Recordo que Friends teve, nos EUA, 50 milhões de espectadores no último episódio.
4 – Afinal, (in)felizmente, a imprensa, a rádio e a televisão não estão acima de qualquer suspeita. Jean-Claude Allanic, ombudsman da France 2, recordou o agitado caso Jupé, que apareceu na televisão francesa como simultaneamente retirado da política depois de uma condenação judicial (France 2) e activo na política (segundo TF1). Isto no mesmo dia, nos telejornais das oito. O New York Times viveu também recentemente o caso do repórter Blair, um jovem jornalista, que falsificava as reportagens.
Resultados? Na France 2, demissão do director de informação e afastamento do jornalista pivot. No New York Times, demissões do director e do jornalista e criação da figura do ombudsman (ver Bloco de Notas).
Bloco de notas
POYNTER INSTITUTE – A procura de padrões de qualidade é uma preocupação em todas as profissões, também no jornalismo. O caso do Poynter Institut está ligado a esta ideia de uma forma muito clara. De facto, Nelson Poynter, o fundador do Modern Media Institut (agora The Poynter Institut), criou esta instituição a partir dos capitais da Time Publishing Company, proprietária do St Petersburg Times e actualmente também de outros títulos. Ou seja, uma companhia mediática gera lucros que são empregues no ensino do jornalismo, na formação de jornalistas bem como na investigação. Tinha pois razão Nelson Poynter, falecido em 1978, ao considerar que há uma relação directa entre o êxito económico e a excelência no mundo do jornalismo.
Jornalistas de todo o mundo conhecem o Poynter. Durante todo o ano há seminários que são frequentados por candidatos de vários países. Jornais, rádios e televisões precisam de elevar competências dos seus profissionais e por isso enviam alguns para formação, que, em geral, dura uma semana. Apenas se aceita um candidato por redacção. De meados de Maio até ao fim do ano verifiquei que se realizarão 34 seminários: Imagem, Ética e Edição (Maio 23/28), Escrever sobre Justiça Social (29 Agosto a 3 Setembro), Encontrar estórias originais (14 /19 Novembro), Inovação visual e pensamento conceptual (15/19 Novembro) são alguns exemplos desses cursos. Há também seminários para directores ou cargos de chefia. Mas o melhor é mesmo ir ver a lista completa em www.poynter.org e propor aos seus superiores uma ida de trabalho ao Poynter. Ou, se ocupar posições de chefia, não se esquecer de incluir no programa de formação uma oportunidade de valorizar algum dos colaboradores, caso a situação da empresa o permita ou possa encontrar patrocínios adequados. A qualidade do jornalismo também se (re)aprende na escola, sobretudo quando esta tem a qualidade do Poynter (sem desmerecer as que temos mais à mão).
NEW YORK TIMES – Em 2003, um jornalista jovem do New York Times (NYT), Jason Blair, foi despedido, pois as suas reportagens eram construídas sem se deslocar aos locais e citando fontes falsas ou inexistentes. Reunião de emergência no jornal, constituição de comissões internas e externas de avaliação, que funcionam, ou seja, produzem resultados em tempo curto. Um destes resultados é a criação do posto de ombudsman, não apenas um, mas dois, ambos presentes na conferência: Daniel Okrent e Artur Bovino. As medidas não se limitaram a este reconhecimento do ombudsman como garantia de maior qualidade jornalística: outra foi a adopção de novas regras sobre as fontes. Os jornalistas não podem agora ocultar às chefias as fontes em que baseiam as investigações. Maior transparência, a bem da verdade, do rigor, da objectividade, como método para a informação sobre o mundo que é notícia. Segundo o Le Monde de 6/5, o antigo director do NYT, Howell Raines, explicou-se agora sobre o incidente que levou à demissão em Junho/ 2003 num artigo aparecido no Athlantic Monthly (www.theatlantic.com).’