Artigo publicado na revista Carta Capital confirmou desconfiança antiga. A elaboração do jornal televisivo de maior audiência do Brasil é baseada na certeza, revelada pelo editor-chefe e apresentador do telejornal, de que boa parte dos telespectadores brasileiros é constituída de réplicas do Homer, o impagável chefe da família Simpson, do seriado norte-americano. Ou seja, cidadãos de fraco entendimento, preguiçosos e chegados a rosquinhas acompanhadas de cerveja, acomodados em seus sofás.
A bem da verdade, guardo algumas semelhanças com o Homer – a barriga saliente e o gosto por uma boa cervejinha, fora o fato de que se esparramar no sofá diante de uma TV é uma das melhores coisas da nossa estafante e ridícula existência. Mas levo alguma vantagem sobre o pai de Bart e Lisa por ter a capacidade de perceber que o Jornal Nacional – e seus similares em outras emissoras – há um bom tempo vem oferecendo o que chamo de jornalismo fast-food (comida bem ao gosto do rotundo Homer) aos seus telespectadores (e não vou nem recordar o histórico do telejornal, os debates entre presidenciáveis etc).
Fast-food é a maneira que considero mais adequada para fazer referência a uma forma de jornalismo institucionalizada na TV brasileira. Trata-se do tipo de notícia/reportagem veiculada de forma tão rápida que deixa o pobre do espectador/leitor cheio de perguntas e perplexidade. Dia desses, era noticiado o bárbaro assassinato de uma garotinha de 4 anos pelo padrasto, mencionado como advogado e pastor de uma igreja evangélica. Nenhuma palavra sobre a motivação do crime, como ele fora descoberto, nem ao menos um daqueles alertas, tão ao gosto da imprensa brasileira, sobre a violência contra crianças e adolescentes – aliás, um problema mais grave do que muitos supõem. À procura de mais informações, confirmei que o assassino confesso não era pastor, mas obreiro da tal igreja – um erro, como tantos que ocorrem nas notícias veiculadas às pressas.
Na hora do jantar
Quem tem 30 anos ou mais deve se recordar de que, outrora, os telejornais citavam os nomes dos mortos em acidentes e tragédias (inclusive essas listas eram exibidas na tela, embora rapidamente). Hoje, essas pessoas – pais, mães, filhos – são reduzidas a estatísticas, sem rosto nem história, suponho que em nome da tão proclamada objetividade jornalística. O motorista do caminhão que morreu em acidente não tem nome, sabe-se apenas que ele teria sido o responsável pelo engavetamento que matou cinco pessoas da mesma família – cujos nomes nos são desconhecidos. Com os quais não nos compadecemos, porque não nos identificamos com números, mas com nomes.
Como não poderia deixar de ser, o fast-food da notícia é carregado de boas intenções e moralidade. Autoridades são estimuladas a dar opinião a respeito da execução dos traficantes que incendiaram um ônibus, matando cinco pessoas – inclusive uma bebê de 1 ano. Ouvimos frases indignadas sobre a hediondez do fato, respostas prontas de autoridades que não se arriscariam a dar opinião contrária ao que se espera delas. O sensato repórter é incapaz de fazer o mesmo questionamento às pessoas que sobreviveram ao inferno ou tiveram parentes mortos no ônibus – corre-se o risco e ouvir um ‘bem feito’ ou ‘tiveram o que mereceram’, frases que poderiam ser encaradas com naturalidade, enquanto desabafo de quem não crê mais na segurança pública oferecida pelo Estado aos cidadãos.
O jornalismo rápido, tal qual o lanche com gosto de isopor, engorda seus intestinos, deixando-o com o perfil de Homer, enquanto esvazia sua capacidade de reflexão, inclusive em questões que transcendem o senso comum sobre bem, mal e moralidade. Justamente na hora do jantar, quando as refeições deveriam ser mais substanciais, somos paradoxalmente alimentados com o fast-food da notícia, julgados que somos – a maioria de nós – pais de família tapados e sem direito a informações que nos motivem a levantar a bunda gorda do sofá para mudar alguma coisa.
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Jornalista provisionado e estudante de Comunicação Social, Juazeiro, BA