Tuesday, 26 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Análise de um artigo para além dos fatos

A avaliação de um artigo abrange muito mais do que apenas seus ingredientes factuais. A combinação de seus pontos de ênfase, título, tamanho e posição na página são planejados para se chegar a um significado e importância desejados, afirma em sua coluna [24/3/12] o ombudsman doNew York Times, Arthur S. Brisbane. Uma matéria de capa publicada no diário no dia 16/3 sobre a compra da divisão de videovigilância da empresa chinesa Uniview Technologies pela firma de private equity Bain Capital, fundada pelo pré-candidato republicano à presidência americana Mitt Romney, ilustra isso.

O artigo trazia os seguintes fatos:

** A Uniview vende seus produtos ao governo chinês, que, presume-se, os usará para controlar dissidentes políticos.

** A Bain Capital foi fundada por Mitt Romney.

** Um “fundo cego” (fundo em que os beneficiários não sabem onde são feitos os investimentos) da família Romney possui uma parcela das ações do fundo da Bain Capital que comprou a Uniview em dezembro passado.

** Como pré-candidato presidencial, Mitt Romney criticou duramente o autoritarismo chinês.

O texto observou, logo de início, que o político republicano “não tinha papel nas operações da Bain desde 1999 e não quis se pronunciar sobre os investimentos na China”. O fundo de propriedade da sua mulher, Ann, tem apenas uma ação relativamente pequena, entre US$ 100 mil (R$ 181 mil) e US$ 250 mil (R$ 452 mil).

Os fatos essenciais do artigo não estão em questão. Ainda assim, quando o ombudsman leu a matéria, sua reação foi achar que o jornal havia feito uma interpretação forçada sobre a ligação de Romney com a empresa chinesa (o título era “Firma fundada por Romney é ligada a vigilância chinesa”). Na prática, a relação do político com a Uniview é muito distante – ele não tem poder de decisão ou outro tipo de participação ativa no negócio, que é controlado não por sua família, mas por um conselho.

Sete opiniões

Para confirmar seu julgamento sobre o artigo, Brisbane buscou a opinião de sete jornalistas veteranos e acadêmicos. Segundo Tim McGuire, professor de jornalismo da Universidade do Estado do Arizona, a receita da família de todos os bens relacionados à Bain e o forte apoio da empresa à campanha de Romney são elementos factuais que justificam a matéria. Joseph Kahn, editor da seção internacional do NYTimes, enfatizou isso.

Já Jerry Ceppos, reitor de jornalismo da Universidade do Estado da Louisiana, considera que não se trata de matéria para capa. Thomas E. Patterson, professor de governo e imprensa da Escola Kennedy, de Harvard, e Thomas Fiedler, reitor da Escola de Comunicação da Universidade de Boston, questionaram o fato de Romney não ter sido contactado pelo jornal. O NYTimes tentou falar com ele e com membros de sua campanha por diversas vezes, mas ninguém quis se pronunciar, alegando que a questão era de responsabilidade do conselho.

Para Michael E. Waller, ex-editor do Kansas City Star e do Times e publisher do Baltimore Sun, e Tim Kelly, ex-editor e publisher do Lexington Herald-Leader, o destaque recebido pelo texto e sua extensão (1.800 palavras) sugerem que se trata de uma pauta muito importante e que Romney deve estar fazendo algo errado. Para Robert H. Giles, editor do GlobalPost e ex-editor e publisher do Detroit News, o problema foi a combinação entre o lugar de destaque na capa, o nome de Romney no título e os detalhes de sua ligação com a Bain.